ABC - domingo , 19 de maio de 2024

Tratamento à base de maconha para criança autista dá esperança às famílias

Uso do óleo extraído da maconha para fins medicinais foi aprovado no ano passado em Santo André. (Foto: Reprodução)

Os benefícios dos tratamentos com substâncias extraídas da maconha são cada vez mais numerosos, porém o uso da planta, na ótica jurídica, ainda confunde o medicinal com o recreativo, e a folha é mais considerada como um droga psicotrópica do que uma planta como outra que tenha princípios de alívio da dor e que pode acalmar e tratar sintomas destes pacientes. Hoje é possível o cultivo para fins medicinais e isso, se autorizado por uma liminar judicial, pode até ser feito em casa, mas a batalha – não só jurídica como também contra o preconceito – é longa e as conquistas dos movimentos que defendem o uso medicinal da maconha ganharam grande impulso com movimentações feitas no ABC.

Segundo a médica psiquiatra, especialista em psicanálise infantil e a primeira prescritora de remédios extraídos da maconha, Eliane Guerra Nunes (CRM 61456), mães hipossuficientes plantam maconha em vasos, extraem o óleo e dão para seus filhos. “Mas para isso é preciso uma liminar, pois trata-se de uma desobediência civil em nome da saúde. Recentemente fui até o STJ (Superior Tribunal de Justiça) expor a minha pesquisa para a juíza que está elaborando a sua tese sobre o uso medicinal”, explica a médica que é idealizadora e fundadora da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa) e que também idealizou e dirige o Movimento Mães Jardineiras, que oferece cursos sobre como cultivar, extrair o óleo e como conseguir a autorização judicial para isso.

Newsletter RD

Aprovação na Câmara

Eliane Nunes foi médica na Prefeitura de Santo André, é professora e pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba e docente convidada da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Se dedica aos estudos dos efeitos medicinais da maconha há mais de uma década. “O Movimento Mães Jardineiras, começou quando eu era médica de Antonio Luiz Marchioni, o Padre Ticão. Reunia mães que desesperadas por medicamentos para seus filhos queriam saber o que era possível fazer. Isso foi em 2019, aí criamos o curso, e ele nos deixou, morreu quando estávamos na 5ª turma, mas o trabalho seguiu e hoje estamos da 11ª. Mais de 4 mil já fizeram o curso, algumas formaram associações, muitas conseguiram liminares”, relata. A médica esteve na Câmara de Santo André no ano passado quando projeto de lei de autoria do vereador Ricardo Alvarez (PSol) foi aprovado, autorizando o uso medicinal na maconha na cidade.

O cultivo pode ser a única saída para famílias carentes com crianças autistas ou até adultos com outras doenças. “Desde 2018 nós médicos temos direito de prescrever medicamentos à base de maconha, mas os de laboratório que custam até R$ 2,5 mil. As mães precisam de algo que seja possível para elas, queremos um produto natural e validado”, diz a médica.

Beatriz Ferreira Rodrigues, mãe do Bernardo, de 2 anos e meio, é uma das que fez o curso. Ela acredita no tratamento com o óleo da maconha e está ciente da necessidade de liminar para tratar o filho com esse remédio feito em casa, porém ela prefere esperar que a criança tenha primeiro os tratamentos terapêuticos. Ela é moradora de Santo André e seu filho, autista de nível 3, está na fila há um ano. “A cidade tem essas terapias, mas a gente está esperando, porque não tem vaga. Vejo que a cidade não está preparada. Só depois, junto com as terapias, acho que seria ideal começar a usar”, conta a mãe. Bernardo não fala e só se comunica com alguns pedidos geralmente através do choro. “Eu me sinto em uma situação de vulnerabilidade vendo que ele precisa se desenvolver”, completa Beatriz.

Eliane Nunes (esquerda) em evento promovido na Assembleia Legislativa de São Paulo, em abril, para homenagear Padre Ticão e seus esforços para facilitar o acesso aos medicamentos à base de maconha. (Foto: Divulgação Alesp)

Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade

Também andreense, Paula Andrea Sanchez Munhoz, é mãe do Miguel, de 10 anos, autista de nível 2. Diz que o filho usa o tratamento com canabidiol há dois anos, com benefícios. “Ele começou usando 1.500mg, depois passou para 3000mg, e o que senti é que ele consegue se organizar melhor, teve um ganho cognitivo. Meu filho é não verbal, ele fala apenas algumas coisas, sabe pedir o que quer, mas em geral são duas ou três palavras por vez. Notamos que essas falas ficaram muito mais espontâneas e que ele tem usado palavras novas. Meu filho também tem TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), mas ainda não senti melhora nessa área. Esse tratamento com a dose ajustada tem só quatro meses, então ainda estamos buscando o melhor da Cannabis para ele”, explica.

Para Paula, produzir o óleo em casa não seria o ideal para ela. “Eu não tenho habilidade para isso por isso eu compro o medicamento com THC (Tetrahidrocanabinol) importado. O preço é R$ 400 pelo de 3000mg. No caso de pegar com uma associação, primeiro precisa ser associado, o que garante atendimento a mais pessoas, mas o preço não sai muito diferente”. A mãe conta que combater o preconceito em torno dos medicamentos à base de maconha é o maior desafio. “Há muito estigma em torno do THC e da maconha em si”, completa.

Rio Grande do Sul

Parte da equipe da médica psicanalista, que dirige o Movimento Mães Jardineiras está no Rio Grande do Sul para acompanhar associações que militam na causa e esses profissionais acabaram surpreendidos pela enchente e estão ilhados, sem comunicação. Eles estão divididos em dois grupos, um em Canoas e outro em Pelotas. O movimento está ajudando idosos com dificuldades de locomoção que não querem sair de suas casas. Quem puder ajudar com qualquer valor para a associação que esta cuidando dessas pessoas pode fazer através do PIX: 48.947.452/0001-01

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes