ABC - sábado , 18 de maio de 2024

Violação de direitos da criança e do adolescente cresce 287% na região

Aumentou o número fortemente o número de denúncias de violação de direito de crianças e adolescentes, entre os casos está o trabalho infantil. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Crianças sem acesso à educação, vítimas de violência, trabalhando nos faróis e pedindo esmolas, esse tipo de situação, classificada como violação de direitos, teve um aumento de 287% no primeiro trimestre deste ano em comparação com os três primeiros meses do ano passado. O número saltou de 5.302 violações para 20.529, somatória que tende a ser ainda maior dada a subnotificação deste tipo de situação. Os números são do Disque 100, serviço de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Considerando o sexo das vítimas metade delas são do sexo feminino e as do sexo masculino variaram de 45% a 46% comparando os primeiros trimestres do ano passado e deste. O número de violações quase bateu mil casos em março deste ano, quando alcançou 999 registros, uma alta de 723 casos ou 262% em relação ao mesmo mês de 2023.

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Uma denúncia pode conter mais do que uma violação, portanto considerando o número de denúncias feitas ao Disque 100 o ABC teve 885 chamados nos três primeiros meses de 2023 e 2.825 neste ano, uma diferença de 1.940 casos ou 219%. Chama atenção também que em 2024 o número de denúncias foi superior a 900 casos nos três meses analisados individualmente.

“O que vemos nos semáforos, praças e ruas do ABC tem sido uma presença cada vez maior de crianças e adolescentes em situação de rua e trabalho infantil, muitas exploradas pelos próprios pais e mães”, analisa Ariel De Castro Alves, advogado, especialista em direitos da infância e juventude, ex-secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e atual membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo).

Segundo Alves os números do Disque 100 são apenas uma parte pequena da realidade. Segundo ele muitos casos não são levados ao ministério, mas são denunciados às polícias, ao ministério público, aos conselhos tutelares, outros não são denunciados. Para o especialista é preciso uma estratégia local para atacar o problema. “As cidades da região sequer fazem levantamentos de quem são essas crianças e adolescentes, porque estão nas ruas em situações de trabalho infantil, as idades, perfis, se estão ou não matriculadas em escolas, de quais bairros são, entre outras informações. O primeiro passo para resolver os problemas sociais é fazer levantamentos e diagnósticos, para em seguida planejar ações, políticas públicas, programas e serviços. O descaso das cidades da região nessas áreas tem sido muito grande”, aponta.

Ariel de Castro Alves considera que além da necessidade de programas específicos para atender crianças e adolescentes com seus direitos violados é preciso uma estrutura montada para o atendimento. “Todas as cidades deveriam ter centros de referência especializados de crianças e adolescentes para atenderem as vítimas das violações de direitos humanos e encaminhá-las para programas de escuta protegida, de atendimento psicológico e social, de erradicação do trabalho infantil, de drogadição, de atendimento de famílias e fortalecimento de vínculos, de inclusão social e educacional, entre outros”, aponta.

Regional

O GT (Grupo de Trabalho) Criança e Adolescente do Consórcio Intermunicipal do ABC existe para articular o fortalecimento das ações regionais no âmbito da criança e do adolescente. Segundo a entidade regional foram promovidas formações, eventos e acordos visando à implementação de políticas públicas e programas para a erradicação do trabalho infantil, no repasse de renda familiar, no enfrentamento ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, na criação de medidas socioeducativas para o jovem infrator, além de outras ações como a realização de seminários e conferências, incluindo a formação de conselheiros tutelares.

Ariel diz que números são ainda maiores porque há muita subnotificação e casos que são atendidos por outros serviços e não são notificados ao ministério.  (Foto: Reprodução)

O RD solicitou uma entrevista com membro do GT, mas o consórcio preferiu encaminhar uma nota sobre o assunto. “Relacionado ao eixo “Assistência, Inclusão Social e Direitos Humanos” do Consórcio ABC, a entidade trabalha o tema por meio do Grupo Temático Medidas Socioeducativas que articula ações destinadas a adolescentes em situação de medidas socioeducativas, dos municípios consorciados, em especial, no âmbito da educação e empregabilidade. Além disso, em seu eixo dedicado a Educação, Esporte e Cultura, o Consórcio ABC criou em 2023 o Grupo Temático da Infância e da Adolescência, vinculado ao Grupo de Trabalho (GT) Educação. Formado por estudantes das redes públicas das cidades consorciadas indicados pelas secretarias municipais de Educação, o Grupo Temático reforça o compromisso das escolas com a formação integral dos estudantes por meio do protagonismo juvenil, ao promover o engajamento dos estudantes com o conteúdo e a prática pedagógica”, diz o consórcio, em seu comunicado.

Prefeituras

O assunto violação de direitos de crianças e adolescentes é tão importante quando grave. O RD solicitou das prefeituras da região informações sobre o que é feito sobre o trabalho infantil e outras formas de violação dos direitos das crianças e adolescentes. Das sete prefeituras da região apenas duas responderam; Rio Grande da Serra e Diadema.

A prefeitura de Rio Grande da Serra diz que não foi registrado na cidade, pelo município, nenhum caso de criança em situação de rua ou de trabalho infantil considerando os primeiros trimestres dos dois anos. “Casos mais frequentes são de crianças perdidas, mas de pronto é feito a busca aos familiares”, informa o paço. As denúncias na cidade podem ser encaminhadas ao Conselho Tutelar pelo telefone 2770-0155 de segunda a sexta-feira das 08:00 ás 17:00 horas, e de segunda à sexta-feira das 17:01 as 07:59, e finais de semana as chamadas são através da GCM, Policia Militar 190, Disque denuncia 100 e a UPA.

A prefeitura de Rio Grande informa ainda que divulga esses números em sua página na internet. “Caso algum munícipe veja, criança ou adolescente estando em exercício em trabalho infantil, que denuncie e informe a prefeitura, para que sejam tomadas as devidas providências”, diz a nota da prefeitura.

Abordagens

Já a prefeitura de Diadema tem uma ação ativa nesta área e realiza abordagens, mas apesar do número de denúncias ao Disque 100 ter aumentado do ano passado para cá, o número de abordagens diminuiu. Foram 144 abordagens entre janeiro e abril do ano passado e 19 no mesmo período deste ano.
“A Secretaria de Assistência social, por meio do CREAS- Centro de Referência Especializado de Assistência Social executa o Serviço Especializado em Abordagem Social de Crianças e Adolescentes. O Serviço tem a finalidade de assegurar o trabalho social de abordagem e busca ativa que identifique no território as seguintes situações de violações de direitos: trabalho infantil; mendicância, exploração sexual de crianças e adolescentes; situação de rua/na rua; uso abusivo de drogas, entre outras. Deste modo, o impacto social esperado é a redução de casos de violações de direitos, seus agravamentos ou reincidência; diminuição do número de crianças e adolescentes em situação de rua e/ou trabalho infantil e a proteção social a famílias e indivíduos”, informa a prefeitura.

Uma dificuldade encontrada peça prefeitura é quando são encontradas crianças na situação de violação de direitos, mas que são moradoras de bairros da Capital, vizinhos a Diadema, tais como Jardim Pantanal, Cidade Júlia, Vila Guacuri. “Essa circunstância gera limite de atuação no atendimento às famílias. Nesses casos, as famílias são encaminhadas para acompanhamento no serviço do território de origem.

No ano de 2024, nos meses de janeiro a abril, a equipe do Creas de Diadema recebeu somente três denúncias, sendo que dessas, duas não foram identificadas ou localizadas quando os servidores estiveram no local. “Referente a esses casos, mediante avaliação técnica, não houve necessidade de acionamento do Poder Judiciário ou aplicação da medida de proteção de Acolhimento Institucional”.

“Em relação às Ações de Enfrentamento ao Trabalho Infantil, cumpre informar que o município tem instituída a Competi (Comissão Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), vinculada ao CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. A comissão é composta por representantes de diversas políticas setoriais e por Organizações da Sociedade Civil. A comissão mobiliza os diversos atores da rede para ações permanentes e de caráter contínuo e sensibilização junto à população referente às ações de 18/05- Dia Mundial de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescente e 12/06-Dia Mundial de Enfrentamento ao Trabalho Infantil”, explica a prefeitura de Diadema que diz que vai aprimorar o fluxo de identificação das situações de trabalho infantil, objetivando a qualificação dos registros e encaminhamentos dos casos.

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