A Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, completou 35 anos neste mês de outubro e, apesar das inúmeras reformas que sofreu com emendas constitucionais, ainda mantém os seus princípios fundamentais e acompanha as mudanças da sociedade. A atual é a segunda constituição brasileira mais longeva e deve seguir com adaptações às demandas da sociedade, segundo o professor Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Ciência Política e Teoria do Estado, da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
“Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já, pela transição e pela mudança, que derrotou o Estado usurpador. A Constituição pretende ser a voz, a letra e a vontade política da sociedade brasileira rumo à mudança. Que a promulgação seja o nosso grito”, assim discursou o deputado federal Ulisses Guimarães, na madrugada do dia 5 de outubro de 1988, após a conclusão dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, que envolveu 594 parlamentares – sendo 512 deputados e 82 senadores. Apenas 26 eram mulheres.
“A Constituição não é apenas um texto escrito, é uma conjunção de sentidos, ela é viva”, aponta o professor da FDSBC. Conci contextualiza o período em que a Carta Magna foi promulgada, uma época marcada pelo fim da ditadura militar e início do processo de redemocratização do País. “Ela representou um avanço enorme partindo do que tínhamos e do que passamos a ter; saímos de um período de autoritarismo e passamos a ter voto livre, partidos livres, judiciário independente e respeito aos mandatos. Mesmo reformada mais de mil vezes ela mantém a previsão do estado democrático de direito e garante educação, saúde, moradia, proteção ao idoso, crianças e minorias”, diz.
Sobre as emendas feitas na Constituição são naturais por conta do número de artigos, 245, e muitos dispositivos. Para o especialista da Faculdade de Direito, isso veio com o momento político e a mudanças sociais pelas quais o país passava. “Ela foi muito minuciosa, não tinha apenas meros princípios. Como havia um período a ser superado, trouxeram muitos temas que não é que não poderiam estar lá, mas não precisava”, diz o professor. As mudanças realizadas ao longo de 35 anos, algumas Conci avalia como boas outras ruins, mas todas passaram pelo legítimo processo previsto na própria lei, excessos foram suspensos pelo STF (Supremo Tribunal Federal). “A Constituição é feita de erros e acertos e é fruto do modo de pensar e foi por isso que é a que adquiriu mais força jurídica para controlar os ímpetos autoritários e promoveu justiça social”, analisa.
Uma das questões mais polêmicas e debatidas judicialmente no âmbito da Constituição é o uso das redes sociais na política e a regulamentação da internet. No ataque aos três poderes, coordenado por grupos de extrema direita em 8 de janeiro, o uso da internet para a transmissão ao vivo pelas redes sociais da invasão dos prédios federais é um exemplo. A regulação da internet e o combate à desinformação é uma discussão atual, que nem de longe estava prevista em 1.988, mas as novas interpretações da lei são vantagens da Constituição Cidadã.
“Nós não devemos nos assustar demais com a manipulação da informação, isso aconteceu com o rádio no início do século 20, com a Tv também, então só se transferiu a propaganda de ferramenta. A economia é regulada, questões sociais, toda a nossa existência é regulada e porque nesse ambiente virtual os excessos não seriam? O que justifica o discurso de ódio, do racismo, da misoginia e porque eles seriam protegidos? A desinformação só convém a quem não entende o estado democrático de direito como valor fundamental da Constituição. E estou convencido de que a veiculação de desinformação não pode ser livre porque promove a destruição do estado democrático de direito”.
No meio do acirramento político visto as últimas eleições um tema surgiu sem, no entanto ter obtido força, que é a convocação de nova assembleia nacional constituinte. Não houve ruptura social e política que justificasse a elaboração de uma nova Constituição. “Não estamos mudando do império para a república, nem para o Estado Novo ou a Ditadura Militar, e nem iniciando uma redemocratização, não temos razão para uma nova constituinte e todas as propostas para mudar isso não se mantiveram em pé. Isso surge de conservadores que acham que a Constituição é progressista demais”, diz.
Para Conci, a Constituição de 1988 não é mais a aquela feita há 35 anos, ela se modernizou junto com a sociedade. “O texto não diz que o discurso de ódio é proibido e prevê a liberdade de expressão, mas os membros da sociedade é que vão dizer que o discurso de ódio não pode ser protegido e aí o Supremo decidiu. Por isso que a Constituição não é de 1988 é de 2023. Ela não é um texto escrito, ela é viva e pode ter novas interpretações. O casamento homoafetivo, por exemplo, foi discutido na elaboração dela, mas na época não havia um consenso sobre isso, mas se constituiu esse consenso”.
Além de ser a segunda constituição brasileira com maior tempo de existência, a Constituição Cidadã é a que tem a maior força jurídica, na análise de Conci. “Ela agiu deforma eficiente, foi protagonista da transição e se mantém guardiã do estado democrático de direito por isso tem uma grande força jurídica”, completa.