O governo do Estado recorreu e conseguiu derrubar nesta sexta-feira (29/01) a liminar que impedia a volta às aulas nas escolas. A liminar proferida pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, atendeu a pedido de entidades sindicais ligadas aos professores e funcionários da educação que apresentaram Ação Civil Pública contra o Estado.
Com a queda da liminar escolas públicas, municipais e estaduais e também as privadas, poderão ter aulas presenciais a partir de fevereiro, com medidas preventivas como distanciamento, uso de máscaras e álcool em gel.
Por outro lado especialista ouvido pelo RD (veja texto abaixo), conta que não há medida de distanciamento que possa ser adotada em ambientes fechados para impedir a infecção pelo novo coronavírus.
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, que decidiu pela derrubada da liminar, disse que compete ao estado analisar o risco e o Judiciário não tem meios para isso. Segundo o magistrado a liminar “acarreta risco à ordem pública na acepção acima declinada, a dificultar e a impedir o adequado exercício das funções típicas da administração pelas autoridades legalmente constituídas, comprometida a condução coordenada das ações necessárias à mitigação dos danos provocados pela covid-19…. Em realidade, neste momento, devemos seguir as regras técnicas e científicas, emitidas pelas autoridades de saúde, sob pena de instalação do caos”, despachou.
Em nota o governo do Estado disse que o retorno deve obedecer as fases de classificação, por região. “Se uma área estiver nas fases vermelha ou laranja do plano, as escolas da educação básica, que atendem alunos da educação infantil até o ensino médio, poderão receber diariamente até 35% dos alunos matriculados. Na fase amarela, elas ficam autorizadas a atender até 70% dos estudantes; e, na fase verde, até 100%. Os protocolos sanitários devem ser cumpridos em todas as etapas”. Todo o Estado está em fase Laranja ou Vermelha até o dia 7 de fevereiro, véspera do retorno às aulas nas escolas estaduais, quando será anunciada também nova classificação do Plano São Paulo.
A liminar que não chegou a sobreviver nem 24 horas caíra como um balde de água fria nas escolas que estão prontas para começarem a receber os alunos. No ABC a data para o retorno das aulas, firmada em acordo dos prefeitos no Consórcio Intermunicipal, é 18 de fevereiro, por isso que até lá novas decisões podem acontecer.
O diretor do colégio Singular, Paulo Roberto de Francisco, disse que o colégio está preparado para o retorno às aulas de aproximadamente 5 mil alunos e 400 profissionais nas três unidades do colégio no ABC, em Santo André, São Bernardo e São Caetano. Para ele a decisão liminar surpreendeu o setor. “Como o Consórcio Intermunicipal definiu a volta no dia 18 ainda temos uns 20 dias para aguardar, então vamos esperar”, comentou.
O Singular deixou para os pais definirem como seria melhor manter as aulas dos filhos. O pai que considera ser seguro mandar os filhos para a escola, pode mandar, quem preferir manter o aluno em aula on-line também será atendido. A escola faz pesquisas regulares sobre a opinião dos pais. “Há dois meses a maioria preferia manter os filhos com aulas on-line hoje 80% dos pais de crianças na educação infantil quer as aulas presenciais, no Fundamental II cai para 54%, mas ainda é maioria. A falta de convivência social é muito prejudicial para os alunos, mas temos que estar preparados para atender o que as famílias quiserem”, explica.
A educadora Sara Fontanez, diretora do Centro Educacional Pequenos Campeões e da Recreação Infantil Pequenos Campeões Baby, localizadas em Diadema, disse que as escolas estão prontas para receber os alunos e criticou a liminar e a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) que encabeça a lista de entidades autoras da ação contra a Fazenda Pública Estadual. “Sabemos que os profissionais de educação principalmente da área pública estão fazendo muita pressão para que as aulas não retornem, e usam pretexto de que serão expostos ao vírus. É triste ver pessoas, que se dispuseram a serem educadores, e que hoje lutam contra a abertura de escolas, mesmo quando sabem que essa atitude está afetando as crianças social e psicologicamente”, opina.
Sara disse que as crianças terão segurança nas escolas. “As escolas privadas se prepararam para o retorno, criamos protocolos de segurança, como aferição de temperatura, uso de álcool gel para as mãos, tapetes sanitizantes para os pés, uso de máscaras o tempo todo, limpeza e desinfecção do ambiente, toda a área é mantida ventilada constantemente e o distanciamento é mantido. Estamos prontos a recebermos nossas crianças e a elas terão um local preparado e seguro, onde poderão voltar a serem felizes e saudáveis mentalmente”, disse a educadora.
Em enquetes realizadas pelos colégios ou redes sociais as opiniões são divididas, há os pais que preferem manter os filhos em casa e outros que acreditam que não há problemas em mandar os filhos para a escola. Claudia Ferreira Lima, mãe de duas crianças em idade escolar – Helena, de 10 anos, e Luíz, de 8 – avalia que é seguro mandar os filhos para as aulas presenciais. “Com a Helena que é mais velha e é mais cuidadosa me sinto totalmente segura, porque ela usa máscara direitinho, não toca o rosto, e lava sempre as mãos, mas com o Luís tenho um pouquinho de preocupação. Já me vejo recebendo ele em casa e perguntando de quem é essa máscara”, brinca a mãe. Claudia disse que é costume herdado da sua mãe, os cuidados extremos com a higiene “Essa coisa de tirar o sapato e lavar toda a roupa é rotina para nós aqui em casa. Além disso estamos mantendo o isolamento, não vou na casa de ninguém”, disse a mãe cujos filhos são alunos do Colégio São Carlos, no bairro Rudge Ramos, em São Bernardo.
Apeoesp
A Apeoesp informou que vai recorrer da decisão. Em nota assinada pela presidente Maria Izabel Azevedo Noronha, a Professora Bebel, a entidade reafirma os riscos a que os profissionais de educação estarão sujeitos e sinaliza greve. “A Apeoesp irá recorrer contra essa decisão, que não atacou pontos importantes
levantados pela entidade, notadamente a precariedade da infraestrutura das escolas públicas estaduais e o risco de contágio de profissionais da Educação e estudantes, ambos amparados por dados técnicos, produzidos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e por autoridade médica renomada, que não foram questionados pelo governo do Estado. Além disso, o sindicato sinaliza com a deflagração de uma greve a partir do dia 8 de fevereiro. Não haverá volta às aulas sem segurança aos profissionais da Educação. Pelo direito à vida e pela prioridade dos professores na vacinação”, diz o comunicado.
Distanciamento de dois ou mais metros não impede transmissão da covid-19
O secretário estadual de Educação, Rossieli Soares, disse que os professores vão receber a vacina assim que ela estiver disponível, mas ela ainda deve demorar pelo menos três meses. “Os professores vão receber as vacinas antes, mas não se tem vacina suficiente para isso nem para os profissionais de saúde neste momento, deve chegar (até os profissionais da educação) para abril ou maio”, disse em entrevista à Rede Globo.
Para o patologista, professor titular de Patologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), Paulo Hilário Nascimento Saldiva, é um risco muito grande para o aumento dos casos de covid-19 o retorno às aulas enquanto os profissionais de educação não estão vacinados. Relatório de Saldiva embasou o pedido de suspensão de volta às aulas pelas entidades ligadas aos profissionais de educação do Estado.
“É muito importante a renovação do ar nos ambientes fechados como hospitais, igrejas, transporte público e as moradias precárias. Fiz várias autópsias em pacientes que morreram por covid, inclusive crianças. O risco delas de morrer pela doença é bem menor, isso é fato, mas aí me perguntaram se era um risco colocar na escola, no início de uma segunda onda e sem vacinar os profissionais; eu disse que sim. Essa é a minha opinião como cientista e patologista especializado em doenças respiratórias”, relatou Saldiva sobre o relatório.
O professor da USP relata que em estudos realizados na Europa mostraram que nas famílias contaminadas pela covid-19 entre 5% a 8% delas a doença veio através das crianças. “Eu concordo que o prejuízo educacional é muito grande, mas a questão é que a criança poderá ir à aula se contaminar e não ter sintoma algum; é possível que os colegas não peguem, mas o mesmo não pode se dizer dos funcionários da escola. Portanto eu acho prudente colocar os funcionários da educação como prioridade de vacinação”, analisa.
O patologista faz um desabafo, pois desde que emitiu seu parecer que foi anexado à ação contra o Estado, vem recebendo críticas de diversas áreas. “Eu sou cientista, sei o que estou falando… essas normas de afastamento de 1,5 metro, de 2 metros, não têm sentido nenhum porque ficou provado que o vírus circula no ambiente e voa para uma distância até maior, tudo depende da umidade e da temperatura do ar. Ele pode ficar horas no ar”, conclui.
Confira íntegra da decisão: