
Pelo menos cinco cidades da região – Diadema, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, São Bernardo e Santo André – estão com programas de refinanciamento de dívidas em andamento, com o objetivo de recuperação de receita. Esse mecanismo tem sido usado com regularidade, no caso de Diadema, foi encerrado há pouco mais de um ano, outro programa com o mesmo objetivo. Para os especialistas em economia e gestão ouvidos pelo RD essa constância nos programas que concedem muitas vezes o perdão integral de juros e multas, estimula o mau pagador e, à longo prazo, não estimula a adimplência dos tributos, fazendo com que os municípios lancem mão de mecanismos para equilibrar suas contas.
A prefeitura de Ribeirão Pires começou o seu seu programa denominado Refis 2025 em maio, e até o dia 6 de junho já tinha celebrado cerca de 200 acordos que resultaram em R$ 1,4 milhão negociados, que passam a entrar nos cofres do município conforme os pagamentos parcelados. De acordo com as regras do programa ao aderir o desconto da multa é de 100%, não importa em quantas parcelas seja fechado o acordo, a variação é só nos juros. Se o pagamento for feito em até três parcelas há desconto de 100% de desconto sobre juros; se for em até oito vezes, o desconto é de 80% sobre juros; acima disso e em até 15 prestações o abatimento é de 70% nos juros. O valor mínimo das parcelas é de R$ 80,00 para pessoas físicas e R$ 200,00 para pessoas jurídicas, com reajuste anual conforme o índice oficial do município.
Em Rio Grande da Serra o programa se chama Fique em Dia e foi instituído em abril. “O programa oferece condições especiais para quitação ou parcelamento de débitos junto à prefeitura, com descontos em juros e multas, variando de 100% a 60%, dependendo do mês de adesão”, diz a prefeitura, em nota. A administração informou que tem R$ 34,7 milhões em dívidas a receber. No programa de refinanciamento anterior, instituído em 2022 foram arrecadados R$ 810 mil.
Diadema instituiu em maio o Refis, que tem adesão até o dia 31 de agosto. Quem aderir ao programa e parcelar sua dívida em até três parcelas terá 100% de isenção de multas e juros, 90% para quem pagar em até seis parcelas e entre sete e doze vezes, o desconto é de 80%. A prefeitura estima a divida – ativa ou a inscrever na dívida ativa – em R$ 302 milhões e a expectativa é a de que, com o Refis cerca de R$ 40 milhões desta dívida entre para os cofres. O último Refis realizado pela prefeitura de Diadema é recente, terminou em março do ano passado, e resultou na recuperação de R$ 22,7 milhões de receita.
Santo André espera recuperar R$ 52 milhões em receita com o seu programa de refinanciamento de dívidas denominado de Renegocia 2025. O projeto de lei foi enviado ao Legislativo no último dia 6 e, se for aprovado nos moldes que o Executivo desenhou, trará condições especiais com descontos de até 50% sobre juros e multas de mora, dependendo da opção de parcelamento, que poderá ser feito em até 24 parcelas. Além disso a prefeitura mantém um programa regular de renegociação de dívidas que permite parcelamento em até 60 vezes. O total da dívida ativa do município chega a R$ 4,5 bilhões. O Renegocia foi usado pela última vez em 2023 e resultou em R$ 44 milhões revertidos para o cofre municipal.
Em São Bernardo a prefeitura iniciou em fevereiro com inscrições possíveis até dezembro o programa Tudo em Dia, que até abril já tinha negociado mais de R$ 50 milhões. A prefeitura não informou o montante da dívida. O Tudo em Dia contempla a renegociação de tributos como IPTU, ISS, ITBI, CIP e taxas diversas, com descontos atrativos e possibilidade de parcelamento. Entre as condições oferecidas há desconto em juros e multas moratórias para pagamentos à vista e parcelamentos com abatimento escalonado.
São Caetano foi a única a informar que não tem um programa de refinanciamento de dívidas e a prefeitura de Mauá não respondeu.
Devedor premiado
Para o professor Luiz Dantas, doutor em administração e professor da Fundação Santo André a implementação destes programas de refinanciamento, quando usados com muita frequência refletem a fragilidade e baixa eficiência do sistema de cobrança e uma gestão fiscal deficiente da dívida. “Os programas de refinanciamento de dívidas têm sim o potencial de melhorar momentaneamente a arrecadação e incentivar a regularização de débitos, só que as administrações fazem isso em momento de crise e quando querem ter um fôlego no seu orçamento, seja para investir em um novo projeto, seja porque as contas não estão fechando. Isso funciona como um alívio financeiro. Para o cidadão oferece parcelamentos mais acessíveis, descontos em juros e multas e até em condições facilitadas de pagamento à vista ou parcelamento de longo prazo. No entanto se forem utilizados com muita frequência, todos os anos, como se fosse uma política fiscal permanente, transmitem o oposto do que realmente é a finalidade do Refis. As pessoas vão pensar que vale à pena não pagar agora e deixar para pagar lá na frente. Isso enfraquece a cultura da adimplência e vai prejudicar também o planejamento orçamentário do município. Essa situação pode evidenciar uma falha estrutural na cobrança na dívida ativa e dificuldade na gestão tributária que vai refletir numa desestruturação do controle orçamentário. Quando é bem planejado e usado com moderação pode ser uma boa estratégia de recuperação de receita, mas se é rotina é sintoma de baixa eficiência de cobrança e uma gestão fiscal constantemente apagando incêndio. Como gestor eu usaria o Refis como instrumento excepcional, aliado a política séria de modernização da arrecadação”, analisa.
Segundo Dantas a frequente utilização do perdão de multas e juros para estímulo ao pagamento de dívidas pode ser entendido como uma premiação ao devedor. “De fato o refis pode passar sim a sensação de prêmio ao devedor, por isso o cuidado de não fazer constantemente, principalmente quando se faz descontos generosos como o de 100% na multa. Imagine um contribuinte que pague seus tributos em dia, quando ele vê o vizinho pagar tudo com desconto, o sentimento é de frustração. Isso acaba abalando a chamada cultura da adimplência, desestimula quem sempre honrou seus compromissos. É preciso entender também o contexto, muitos brasileiros e empresas enfrentam dificuldades sérias e o Refis é uma chance de regularizar sem colapsar. Também trata-se de dar uma oportunidade de recomeço para quem passou por dificuldade. Ideal é buscar um equilíbrio, não se deve ser tão generoso a ponto de desestimular o bom pagador e nem pode ser feito todos os anos e precisa ficar claro que se trata de uma oportunidade excepcional e não uma regra”.
O professor da FSA diz que para a administração pública é mais barato abrir mão da multa e dos juros, mas receber o valor do que os custos de ações judiciais longas sem perspectiva de que a dívida será quitada. “Cobrar dívida ativa pela via judicial é um processo muito demorado e caro, porque a hora de um procurador não é barata e o resultado é incerto. Esse processo envolve procuradores, movimentações processuais, custos judiciais e anos até se ter uma sentença, sem contar o risco do devedor não ter bens para penhorar e aí o valor da dívida pode nem chegar aos cofres públicos ou, se chegar, já perdeu o poder de compra. O protesto pode trazer um resultado melhor. A prefeitura tem que ter a percepção do custo versus benefício, ou seja. é melhor receber menos agora, do que talvez nada daqui há dez anos”, completa.
Resultados
Para o professor Volney Gouveia, coordenador do curso de Ciências Econômicas da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) a estimativa é de que a relação dívida/arrecadação dos sete municípios represente quase 50%, ou seja, metade do previsto não entra nos cofres municipais. “A dívida é componente fiscal relevante que compromete a realização de políticas públicas e, portanto, exige alguma ação dos gestores municipais. Os resultados obtidos com os programas de refinanciamento não parecem gerar volumes expressivos de arrecadação. Em uma estimativa por alto, a recuperação deve girar entre 1% e 5% da dívida total (algo em torno de R$ 75 milhões a R$ 375 milhões). Ou seja, para uma dívida estimada de todos os municípios de R$ 7,5 bilhões, os resultados obtidos não parecem ser muito auspiciosos.
Gouveia não acredita que os programas de refinanciamento tragam bons resultados a médio e longo prazos e, para ele, essas iniciativas premiam os maus pagadores. “Programas de refinanciamento de dívida, por definição, são benéficos para os devedores e maléficos para os contribuintes que pagam em dia seus impostos e compromissos financeiros. É de fato uma premiação ao mal pagador, pois o isenta – em alguns casos – integralmente de juros e multas. Esta situação acaba por estimular o bom pagador a se tornar mal pagador, já que sabe que terá os benefícios fiscal mais à frente”, opina. Segundo o economista é mais barato e rápido criar os programas do que enfrentar usar o Judiciário para tentar receber, porém o resultado dos Refis sendo pequeno, a via jurídica pode ser o melhor caminho. “Se a efetividade dos programas estiver entre 1% e 5% de recuperação, portanto muito baixa, precisa avaliar o custo da judicialização. Os programas de refinanciamento são um caminho mais curto para tentar recuperar algum valor, mas não são a melhor alternativa. É preciso lançar programas de educação cívica, pois pagar imposto coletivamente melhora a vida de todos. Realizar um esforço para colocar em prática o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF); facilitar o processo de cobrança; criar portais de autoatendimento; fazer levantamento detalhado do perfil dos inadimplentes; usar a inteligência artificial para fazer o cruzamentos de dados; aprimorar a fiscalização in loco; criar programas de fidelização e cashback (pagou na data, terá desconto na próxima fatura)”, elenca o professor da USCS, que completa. “Ainda que tais programas geram receita no curto prazo para as municipalidades, no longo prazo, estimulam a cultura da procrastinação no pagamento de impostos, percepção de impunidade e perda de receita potencial com juros e multas”.