
O STF (Supremo Tribunal Federal) volta a discutir na próxima quinta-feira (13/02) sobre as atribuições das Guardas Civis Municipais. A corte analisa, desde dezembro, uma lei da Prefeitura de São Paulo sobre a atribuição da corporação da Capital, porém a decisão do Judiciário valerá para todas as GCMs do País. A população temerosa com a violência quer mais policiamento, mas especialistas em segurança pública divergem sobre o tema e há também normas constitucionais que limitam esse poder de polícia e as que dariam amparo para as guardas trabalharem além de apenas protegerem os prédios e áreas públicas.
O ABC tem cerca de 2,2 mil guardas civis municipais, que atuam armados, equipados com coletes balísticos, rádios de comunicação e viaturas. As maiores corporações têm até efetivos para controle de multidões, parecido com o batalhão de Choque da PM, setores especializados em meio ambiente, entre outros.
Diariamente ocorrem prisões de criminosos por GCMs na região e essas corporações têm papel importante também nos casos de violência doméstica, através das patrulhas Maria da Penha. Essas guardas estão em crescimento, Mauá contratou em 2022 mais 100 guardas, Diadema chamou outros 100 aprovados em concurso para compor a corporação municipal em 2023 e o prefeito Taka Yamauchi disse que quer ampliar mais o efetivo. Entre 2022 e 2023 Ribeirão Pires aumentou em 30% o seu efetivo e hoje tem 130 guardas e São Bernardo, que tem a maior guarda da região, tinha 873 guardas no início de 2023, agora tem 1.005. A segunda maior guarda da região é a de Santo André com 571 integrantes.
O julgamento no STF é sobre a constitucionalidade de uma lei que amplia as funções da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo. A norma municipal permite que o órgão faça policiamento preventivo e comunitário, atribuições tradicionalmente exercidas pela Polícia Militar. O recurso extraordinário da Câmara Municipal paulistana tem a relatoria do ministro Luiz Fux que votou pela constitucionalidade da lei, por entender que a lei não ultrapassou os limites do poder normativo municipal.
Fux argumentou que a competência para legislar sobre segurança pública cabe aos municípios, aos estados e à União. Frisou também que o STF, em diversos precedentes, já firmou entendimento de que as guardas municipais integram o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e têm poder de polícia sem, no entanto, se equipararem às demais forças de segurança.

Os ministros Dias Toffoli, Flávio Dino e André Mendonça acompanharam o relator. Já o ministro Cristiano Zanin divergiu e, no mérito, votou para que a ação seja rejeitada, porque a lei em questão foi revogada. Ainda faltam os votos da ministra Carmen Lúcia e dos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O processo está na pauta do dia 13/02.
Segundo o professor de Direito Penal e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), David Pimentel Barbosa de Siena, as guardas estão aptas a atuar no policiamento das ruas e há legislação que permite isso.
“Sou um entusiasta do poder de polícia municipal e sempre faço uma provocação; não conheço cidade no mundo que não tenha uma polícia municipal. A de Nova York é uma polícia municipal, a tão falada Scotland Yard é a polícia metropolitana de Londres, Tóquio tem polícia municipal, como também Paris, então se tem pelo mundo afora, pelo menos nas grandes cidades e é natural que assim seja porque as pessoas vivem no município e se tem um órgão que tem relação com a cidade é a polícia”, diz o professor.
Constituição
Siena é a favor das polícias municipais com amparo de polícias dos estados e da União, com controles e sem competição entre as corporações. Cita artigo da Constituição que precisa, na sua opinião, ser atualizado em função da atuação das guardas. O artigo 144 é o que, deveria ser alterado, segundo o professor. O trecho da constituição diz: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”. Os incisos e parágrafos deste artigo falam da organização e funções de cada polícia, sendo que o parágrafo 8° diz que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas somente à proteção de seus bens, serviços e instalações.
Siena conta que é favorável a uma polícia municipal, muita gente levanta argumentos que são válidos, mas ousa discordar. Há quem diga que as guardas são despreparadas, não concorda. “Se a gente proibir o poder de polícia municipal, porque houve algum desvio então a gente também deveria proibir o poder de polícia estadual ou federal. A gente pode redesenhar a nossa Constituição, o artigo 144 tem que ser aperfeiçoado, pois a competência descrita está muito aquém daquilo que as guardas podem contribuir para a sociedade. Tem o Estatuto das Guardas que amplia um pouco mais, vai além da Constituição, dando um poder complementar de polícia as guardas. Portanto, espero que o Supremo entenda ser cabível esse poder de polícia. Pensa em São Paulo a terceira maior metrópole do mundo, porque ela não pode ter uma polícia municipal? Os pequenos municípios não vão ter uma polícia municipal, vão depender ainda da polícia estadual como é nos Estados Unidos e não tem problema nenhum nisso, mas em grandes cidades, como no ABC, não vejo motivos para não terem poder de polícia”, completa o professor da USCS.
Semelhança
O coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e pós-graduado em Direitos Humanos, Adilson Paes de Souza, tem opinião diferente. Para ele, dar às guardas atribuições além da proteção dos próprios públicos é invadir atribuições constitucionais das polícias. Souza também entende que, na prática, as GCMs já atuam fazendo o trabalho de polícia.
“Na minha opinião as guardas municipais já atuam como polícias estaduais há um bom tempo. A estética, o uniforme a forma de interação com a população é semelhante à da PM e também já efetuam o policiamento ostensivo tal qual a Polícia Militar e eu não vislumbro mudanças significativas no atual quadro. Não quero dizer que tal modelo é o ideal”, analisa o coronel.
Para Souza, os guardas civis já são muito parecidos em sua forma de trabalhar com os policiais militares. “Esse modelo não é o ideal porque serem (as Guardas) semelhantes à PM, elas apresentam os mesmos problemas: militarização, falta de controle efetivo pela sociedade, sistema de ensino hermético e truculência”, aponta.