Depois de considerada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, a criação de um cartão para acesso aos serviços públicos em São Caetano também teve um novo parecer da Promotoria de Justiça de São Caetano que recomendou à prefeitura e ao próximo prefeito eleito – Tite Campanella (PL) – que se abstenham de propor medidas para a restrição do atendimento. A Câmara de São Caetano também vai votar a revogação da lei municipal 5.990/2022 que criou o Cartão São Caetano. O RD conversou com alguns pacientes nesta quarta-feira (04/12) em frente ao Hospital de Emergências Albert Sabin e todos os ouvidos disseram que o cartão emitido pela prefeitura foi solicitado. Alguns disseram já terem visto pacientes, que não comprovaram a residência na cidade, serem encaminhados para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) que fica no prédio ao lado.
O promotor Goiaci Leandro de Azevedo Júnior, em despacho nesta segunda-feira (02/12), sustentou que a prefeitura de São Caetano deve garantir todo o acesso aos serviços de saúde, mesmo para aqueles pacientes que não tiverem o Cartão São Caetano. “Nesse cenário em que rechaçada pelo Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo em duas oportunidades a tentativa inconstitucional de restrição ao acesso dos serviços municipais, torna-se de rigor recomendar ao Prefeito Municipal de São Caetano do Sul que se abstenha de propor medidas com vistas a restringir o acesso aos serviços públicos municipais que sejam caracterizados por universalidade, sendo ilegal a exigência de “Cartão Cidadão” ou qualquer outro cadastro ou documento de índole local para tanto. Deve a presente recomendação ser autuada e comunicada ao Prefeito Municipal que tomará posse no início do próximo ano, sob pena de responsabilização pessoal”, diz o despacho.
Em ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) analisada pelo órgão especial do TJSP, foi considerado inconstitucional o artigo 1° da lei municipal 5.990/2022. Mesmo com uma alteração feita no texto original, quando este passou pela Câmara Municipal, que incluiu a expressão “poderá ser solicitado”, a justiça considerou a medida inconstitucional. O texto deste artigo ficou da seguinte forma: “Para acesso regular aos serviços públicos, prestados pelos órgãos e entidades do Poder Executivo Municipal de São Caetano do Sul, observando o princípio da universalidade no atendimento, poderá ser exigido do cidadão o regular cadastramento no Cadastro Único do Cidadão e a sua periódica atualização”.
O Judiciário condenou inicialmente o prefeito José Auricchio Júnior (PSDB) e o secretário de governo Jefferson Cirne da Costa a multa de 300 UFESPs, porém, em recurso o chefe do Executivo conseguiu afastar a multa e seu nome da ação. Já Costa foi mantido nesta ADI e pagou a multa, o equivalente hoje a R$ 10.608,00.
Para o advogado especialista em direito administrativo, Arthur Rollo, a exigência de um cartão ou mesmo um comprovante de residência para o atendimento em saúde é um ato inconstitucional e discriminatório. “Isso é inconstitucional, embora algumas prefeituras exijam comprovante de residência, isso fere a constituição porque o SUS (Sistema Único de Saúde) é universal, é para qualquer brasileiro e tem que atender todo mundo indistintamente, se você está viajando e precisa de um hospital o SUS é obrigado a atender, portanto essa exigência é inconstitucional e discrimina indevidamente as pessoas. A prefeitura teria que apresentar uma justificativa técnica, para não atender naquele lugar e mandar para outro. Sem uma justificativa técnica é uma discriminação ilícita”, analisa o especialista.
Apesar de elogiar o atendimento no hospital Albert Sabin, o qual procurou com queixas de dores no nervo ciático, a cuidadora de idosos, Maria Eunice Leite, conta que o Cartão São Caetano foi solicitado e ela prontamente o apresentou. “O atendimento foi muito bom, eu diria que até melhor que se eu fosse a um hospital de convênio”, elogiou a moradora da cidade que, porém, disse já ter presenciado em outras idas ao hospital, pessoas que não foram atendidas ali por não terem o cartão ou não comprovarem residência na cidade. “Sei que não atendem aqui, mas atendem ali”, disse apontando para a Unidade de Pronto Atendimento. “Eu mesma já fui atendida na UPA quando tive crise renal e estava morando em outra cidade. O atendimento é bom também”, afirma.
O vendedor Lincoln André, que esteve no Albert Sabin porque sentia-se com mal estar e com dificuldade para fazer tarefas simples. Ele também reclamou de dores no braço direito. André já foi operado do coração, por isso procurou o atendimento médico diante dos sintomas que apresentava. “O atendimento foi bom, até rápido porque não tinha muita gente hoje, fizeram um eletrocardiograma e só demora um pouco mais para vir o resultado do exame de urina, não sei porque mais de três horas para sair o resultado”, apontou. O morador da cidade disse, porém que o atendimento é bom. Ele também disse que solicitaram o Cartão São Caetano, que ele também tem, porém recomendaram alterações no cadastro. “O meu endereço não está atualizado, vou ter que ir no Atende Fácil depois e arrumar isso”.
Uma jovem que acompanhava o pai, mas que preferiu não se identificar, disse que o atendimento no Albert Sabin foi apenas mediano e que o Cartão São Caetano foi solicitado também. O pai da jovem passou por atendimento clínico e pela psiquiatria. “No clínico o atendimento foi ótimo, já o psiquiatra foi péssimo. A gente queria uma ajuda, porque meu pai fica violento arruma briga, tem problemas psiquiátricos, mas ele só deu um remédio. E no próximo fim de semana, como vai ser?”, disse a jovem. “O meu pai tem o cartão, a gente precisa de uma ajuda, um encaminhamento para internação porque ele tem problemas, hoje ele pegou uma faca e ameçou agredir minha mãe e minha irmã. Tivemos que chamar o vizinho e a polícia. Com o remédio ele fica calmo e depois?”, disse a jovem na porta do hospital.
Câmara
A Câmara de São Caetano recebeu esta semana um projeto de lei de autoria do prefeito José Auricchio Júnior e que trata da revogação das duas leis que criaram o Cartão São Caetano e que foram aprovadas pelo Legislativo em 2019 e 2022. A propositura passou pela análise da Comissão de Orçamento e deve ser votada na próxima terça-feira (10/12).
“A ação direta de inconstitucionalidade, ADI n° 2293761-67.2023.8.26.00000, foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 1° da lei n° 5.990, de 16 de fevereiro de 2022, no município de São Caetano, sob o argumento de que ‘o simples fato de o dispositivo em comento facultar a exigência do regular cadastramento no Cadastro Único do Cidadão e sua periódica atualização configura afronta ao princípio da universalidade aos dispositivos constitucionais apontados pelo autor’. Foram interpostos todos os recursos cabíveis, tendo esgotados os meios recursais”, disse Auricchio em sua mensagem ao Legislativo, que acompanha o projeto de revogação das leis. O projeto tramita em regime de urgência.
A prefeitura de São Caetano foi questionada sobre a solicitação do Cartão São Caetano no atendimento à saúde, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. O espaço fica aberto para a manifestação da administração municipal e a matéria será atualizada se houver resposta.
Veja a íntegra da decisão: