Para qualquer casal frequentar um restaurante deveria ser um momento de descontração a dois, mas para os homoafetivos isso tem sido mais um motivo de denunciar atitudes homofóbicas e criminosas. O não cumprimento de ofertas para casais homoafetivos é a situação mais comum e as vítimas podem exigir o cumprimento da oferta com fundamento no artigo. 35 do CDC (Código de Defesa do Consumidor), denunciar à administração pública a discriminação com base na lei estadual 10.948/2001 e até mesmo solicitar a lavratura de boletim de ocorrência por crime de homofobia, com fundamento na lei 7.716/1989.
Com base na lei de estadual homofobia, a multa do estabelecimento reincidente pode chegar a R$ 106 mil (3.000 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo). A lei prevê ainda que, em razão do tamanho do estabelecimento, se essa multa for considerada inócua, ela pode ser majorada em até 10 vezes. Pelo CDC, o casal gay pode exigir o cumprimento da oferta. O estabelecimento pode até ter o alvará de funcionamento cassado. Com base nas duas leis, a Polícia Militar pode ser chamada para a lavratura da ocorrência ou pode ser feito um boletim de ocorrência online. Porém, na prática, isso não acontece.
Segundo Marcelo Gil, presidente de honra da ONG ABCDS (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual) e assessor de políticas públicas para a diversidade da prefeitura de Santo André, Marcelo Gil, para evitar constrangimento e estragar a noite planejada pelo casal, muitos deixam de registrar o crime. “Quando a gente sai em casal a gente vai para ficar em paz, ou para se divertir, jantar… qualquer casal vai para isso. Ter de ligar para 190, esperar uma viatura ir lá para registrar um crime de homofobia ou transfobia é muito constrangedor e vira briga, quem sai para se divertir não quer briga, então os casais homoafetivos acabam indo para outro lugar”, comenta.
Vítima
Gil diz que já foi vítima do tipo de situação, de restaurante que anuncia uma promoção específica para casais, mas que se recusou a manter a oferta para o casal gay. “Tem inúmeras outras situações, como um casal hétero que chega ao restaurante ao mesmo tempo e tem o pedido atendido mais rápido. Fazem a gente esperar mais de uma hora para ver se a gente desiste, isso fica muito claro. É triste porque esses estabelecimentos perdem clientes. Eu quero ser bem tratado no lugar onde quiserem o meu dinheiro”, aponta.
A ONG ABCDS orienta o público LGBTQIA+ a denunciar essas situações nas redes sociais da entidade e também nas ouvidorias dos municípios. A orientação é registrar a ocorrência presencial ou online e também é possível denunciar na coordenadoria estadual de diversidade.
“Tem que ter provas, fotos, vídeo e testemunhas”, ensina Marcelo Gil. “O problema é que tem bares e restaurantes que contratam pessoal do público LGBT para trabalhar, para terem um argumento e dizerem que não são homofóbicos porque empregam gays. Aí forçam esse funcionário a testemunhar contra o casal, porque usam o poder econômico de pressionar o funcionário a dizer o que eles querem”, denuncia.
Outros órgãos de combate à homofobia e transfobia são as Comissões de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de cada cidade. Essas comissões não realizam serviços de assessoria jurídica para iniciar ações judiciais, mas realizam eventos de conscientização sobre a causa LGBTQIAPN+ e um diálogo institucional junto aos governos e instituições.
Segundo o presidente da comissão na OAB de Santo André, Luiz Felipe Roque, a comissão tem reuniões periódicas e pessoas da sociedade civil também podem participar como membros, mesmo sem serem profissionais do direito. “Dialogamos com instituições governamentais para estimular políticas de combate à discriminação por gênero e orientação sexual. Os estabelecimentos comerciais não podem praticar discriminação a pretexto de serem entidades privadas. É uma falácia dizer que a esfera do mercado é privada, pois ela é, propriamente, um espaço público, no qual são realizadas ofertas públicas independentemente de quem é o consumidor. Por isso mesmo é que há legislação penal, administrativa e consumerista resguardando o tratamento isonômico entre os consumidores”, explica.
Lista
O presidente da comissão diz ser favorável a uma lista das empresas que foram alvo de reclamações por práticas discriminatórias. “Essa seria uma boa ideia, o Procon já divulga uma lista de empresas mais reclamadas em geral, por que não indicar os estabelecimentos que não respeitam o público LGBT?”, questiona.
De acordo com Roque, o casal que for vítima de discriminação pode procurar, na esfera civil, a defensoria pública, podendo recorrer ao CDC, processar o estabelecimento e pedir indenização por eventuais danos morais e materiais. Na esfera administrativa, denúncias podem ser feitas ao poder público com base na lei 10.948/2001 e ainda é possível buscar na área penal a condenação dos responsáveis pela prática de homofobia.
“Na esfera penal, considerada a ‘última instância’ do Direito, pode haver maior resistência na condenação dos réus. Nestes casos, é importante que as vítimas se resguardem com provas, como fotos e gravações, mas também testemunhos. Se houver consumo, a nota fiscal também será uma prova de que não foi cobrado o valor aplicado a casais heterossexuais”, complementa.
O presidente do Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do ABC), Beto Moreira, resumiu a obrigação dos donos e funcionários de bares e restaurantes. “O restaurante tem de cumprir o anunciado onde possivelmente estiver descrito que a promoção é para o casal. E não é competência do funcionário do estabelecimento questionar sobre a sexualidade de qualquer cliente”, declara o dirigente.