Uma mulher trans, de 19 anos, acusa funcionários da USF (Unidade de Saúde da Família) do Jardim Luso, em Ribeirão Pires, de transfobia. A jovem foi à unidade para tomar a vacina contra a gripe, mas duas enfermeiras se negaram a aplicar a vacina. Alegaram divergência no nome que consta no cadastro e o apresentado nos documentos. Além de recusarem a aplicação, a dose da vacina, que já estava na seringa foi descartada. A mãe da jovem, Rosalina Silva, ao saber do ocorrido, foi ao posto no dia seguinte e novamente a vacina foi negada à filha. A aplicação só foi feita após a intervenção da direção da UBS. A Prefeitura informa que vai tomar providências.
Tudo aconteceu na segunda-feira (27/05), segundo Rosalina. A filha contou que preferiram jogar a dose da vacina no lixo do que aplicar. “Minha filha disse que a enfermeira falou que não aplicaria a vacina nela e que ela deveria procurar um advogado para colocar o nome no cadastro. Mas minha filha tem o cadastro atualizado, no SUS está tudo certo, só no sistema do posto do Jardim Luso que não está. Eu fui com ela lá no dia seguinte e as mesmas enfermeiras nos trataram com indiferença e disseram que obedeciam ordens. A vacina da gripe nem tem esse controle todo, pois todo mundo pode tomar, mas o lixo recebeu a vacina, minha filha não. Só depois de muita discussão a chefe das enfermeiras disse que ia aplicar. Essa mesma funcionária atualizou o cadastro com o nome certo da minha filha, isso poderia ter sido feito antes, sem advogado como disseram, para mim isso foi claramente um caso de transfobia”, afirma.
Rosalina disse que a filha, depois que chegou da USF na segunda-feira, se trancou no quarto chorando. Não é a primeira vez que a jovem é vítima de transfobia; há dois anos caso parecido aconteceu em hospital particular. “Isso precisa ser denunciado, senão daqui a pouco, vão fazer isso com outras pessoas, por gênero ou por raça. Depois que deram a vacina os funcionários vieram pedir desculpa, acho que falta preparar melhor esse pessoal”, completa.
A Prefeitura de Ribeirão Pires divulgou nota sobre o ocorrido onde diz que vai apurar internamente o que aconteceu em um processo administrativo .”A Prefeitura de Ribeirão Pires, por meio da Secretaria de Saúde, esclarece que tomou conhecimento do fato e repudia qualquer ato de transfobia em qualquer repartição pública. Será aberto um processo administrativo para apuração dos fatos. Vale ressaltar que a Unidade de Saúde realizou a vacinação da paciente, bem como atualizou o cadastro de dados. A Atenção Básica também irá reforçar as orientações aos enfermeiros da rede sobre condutas de atendimento. Vale ressaltar que os profissionais da rede participam de treinamentos de forma permanente”, diz o comunicado.
Lei 10.948/01 proíbe transfobia
Para a advogada Juliana Alves de Oliveira, militante de direitos humanos e antidiscriminatórios, e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) subseção de São Bernardo, o caso é passível de apreciação pelo Ministério Público e pela Secretaria da Justiça. “Nunca vi situação parecida, mas é de conhecimento de todos que a dificuldade ao acesso à saúde se inicia no balcão. Porém, essa não deve ser a postura de um profissional da saúde. O direito à saúde está descrito em nossa Constituição e o acesso por pessoas trans consta mencionado juntos aos princípios de Yogyakarta. Pessoas vítimas de transfobia devem procurar seus direitos, sobretudo com boletim de ocorrência por transfobia, bem como, registrando uma denúncia junto a Secretaria da Justiça e ao Ministério Público, baseado na Lei 10.948/01, para que não só o ente público seja responsabilizado, mas também o servidor que se recusou a promover essa aplicação”, aponta.
Para reforçar a denúncia a vítima deste tipo de situação pode juntar provas como imagens. “O caso de LGBTfobia pode ser noticiado ao MP. Por isso é sempre importante colher provas, testemunhas e até gravar o fato, para ter subsídios na hora de denunciar”, orienta a advogada especialista no assunto.