A prefeitura de Santo André, através de sua autarquia Semasa (Serviço de Saneamento Ambiental de Santo André) quer concluir até o primeiro semestre de 2024 a concessão do serviço de coleta de lixo, transporte até o aterro municipal e a varrição das ruas da cidade. Esse serviço hoje é realizado diretamente pela empresa pública e custou no ano passado R$ 162,8 milhões. As fases a serem realizadas até a concessão incluem consulta pública que foi finalizada neste domingo (20/08). Para o gestor do curso de Arquitetura e Urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Enio Moro Júnior, sem inovação no processo de concessão e medidas que preservem o meio ambiente, além de geração de renda e empregos, a terceirização pode significar uma catástrofe.
Se concluída a concessão, Santo André, deixa de ser uma das poucas cidades que ainda cuidavam diretamente dos seus resíduos. O Semasa explicou em nota que, com audiência pública realizada em julho, apresentação no Comugesan (Conselho Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental de Santo André) em agosto, reuniões com os servidores do Semasa e das Cooperativas de Triagem, no total, foram 297 pessoas participaram do processo de consulta e apresentação do projeto. Além disso, a consulta pública para as contribuições on-line ficou aberta até domingo (20/08).
Segundo o Semasa, em 2022, foram gastos R$ 131.848.506,17 com os serviços de coleta, transporte e disposição final de resíduos sólidos (incluindo a operação do Aterro Sanitário). Os serviços de varrição tiveram custo de R$ 22.628.784,96 e o valor gasto com a remoção, transporte e destinação final dos resíduos de saúde foi de R$ 8.415.800,73, perfazendo um total de R$ 162.893.091,93. “A contratação da empresa, por meio da PPP (Parceria Público Privada), vislumbra a manutenção da qualidade dos serviços já oferecidos hoje pelo Semasa e um incremento substancial nos investimentos e inovações. O contrato permitirá investimentos como a construção de mais 10 Estações de Coleta, nova Central de Triagem de Resíduos Recicláveis, Usina de Tratamento de Resíduos Orgânicos, Central de Atendimento ao Usuário, Unidade de Beneficiamento de Resíduos Sólidos da Construção e Demolição, Unidade de Tratamento Mecânico-Biológico, Unidade de Tratamento de Resíduos de Serviços de Saúde, Centro de Controle Operacional (para monitoramento dos ecopontos e dos serviços de coleta e varrição), dentre outros”, explica nota enviada ao RD pela autarquia.
Para Enio Moro Júnior, é preciso avanços na parte ambiental além da econômica, sem isso não haverá vantagens na privatização. “Os dois modelos – público e privado – possuem vantagens e desvantagens, mas a prioridade sempre deve ser um valor justo para a população pelo serviço prestado. Alguns serviços que foram privatizados (como a distribuição de energia ou ainda as telecomunicações) resultaram em tarifas extremamente altas para esses serviços e sua disponibilização efetiva somente em áreas com mercado pujante, ou seja, onde há renda há qualidade de serviço, onde não há renda, esse mesmo serviço fica precário. Se tivermos garantias para uma universalização da limpeza pública, com novas tecnologias, cuidados com a reciclagem e um serviço gerador de muitos empregos, não vejo problemas. Mas se esse serviço reproduzir o modelo que temos no Brasil, será outra catástrofe e é muito melhor qualificar o serviço público do que substituí-lo. Se o serviço privado fosse em essência muito melhor que o público, o serviço de mobilidade de São Paulo (ônibus) seria o melhor do Brasil, e sabemos que está muito distante disso”, analisa o professor da USCS.
Para o urbanista, uma série de questões devem ser respondidas na assinatura de um contrato como o de concessão do serviço de coleta e gestão de resíduos. “O principal é a garantia da universalização. Precisamos garantir uma coleta de resíduos em 100% do território. Como será realizada nas favelas? E os serviços já cobrados, como o lixo hospitalar, por exemplo, terão reajuste? A proposta prevê metas de transformação dos resíduos em energia, em qual prazo? Qual as metas? Qual a destinação dos aterros sanitários de Santo André? Serão também privatizados ou poderão se transformar em parques? Teremos uma ampliação da reciclagem? Qual o custo para a população? Enquanto essas perguntas não tiverem respostas claras, preocupo-me com o avanço dessa concessão”, analisa.
O professor diz que um passo importante que não pode ser ignorado na questão do lixo em âmbito nacional é a discussão sobre a logística reversa, que já é bem aplicada, por exemplo, quanto aos pneus, mas deve ser ampliada para inúmeras outras cadeias produtivas. Moro Júnior diz que o lixo do brasileiro é rico e uma boa gestão garantiria a sustentabilidade ambiental e econômica, afinal o lixo gera milhões em investimentos tanto para empresas que ganham essas concessões, como também para as que reciclam. “Essa afirmação é uma grande verdade. A nossa média de produção de resíduos já está bem próxima de 1,5kg por dia, por pessoa. Nosso lixo é rico, temos embalagens, metais e plásticos e se tivermos medidas que incentivem a separação dos resíduos o sistema ficará muito próximo da sua sustentabilidade econômica, afinal o resíduo gerado pelas famílias é extremamente rico e devemos sim ficar com parte dessa riqueza”, completa.
Demais cidades já têm serviços realizados por empresas privadas
Enquanto Santo André se prepara para privatizar a coleta de lixo e varrição de ruas, outras cidades da região já fazem isso há bastante tempo.
Em Diadema o serviço se divide entre duas empresas. A coleta de resíduos é feita pela Sustentare Saneamento e a varrição está à cargo da Peralta Ambiental. O custo da coleta é de R$ 2,1 milhões ao mês e o de varrição de R$ 2,4 milhões ao mês. A cada mês a cidade recolhe 8,5 mil toneladas de resíduos que são encaminhados ao aterro da empresa Lara, em Mauá. Quanto aos materiais recicláveis a prefeitura informa que são recolhidas 25 toneladas ao mês, em média, e que esse material é distribuído para as quatro cooperativas da cidade.
Em Rio Grande da Serra há serviço público e privado. “Uma parte é realizada por mão de obra direta da prefeitura e a varrição das ruas em dias de feira é realizada por empresa terceirizada Peralta ao custo de R$ 210.000,00 a R$ 240.000,00 a depender do volume de resíduos”, informa a prefeitura. Na cidade são recolhidos por mês 700 toneladas de resíduos que também são encaminhados ao aterro sanitário da Lara. A cidade não conta com coleta seletiva de porta em porta.
Em São Bernardo é o Consórcio São Bernardo Ambiental que realiza os serviços de coleta de resíduos comuns e varrição. “A média mensal de despesas com os serviços em 2022 foi de R$ 6,7 milhões (coleta, transporte, tratamento e disposição adequada). Em 2022, a média mensal de resíduos comuns coletados foi de aproximadamente 21,7 toneladas”, explicou a prefeitura. Os resíduos também são encaminhados para o aterro de Mauá. Já a coleta seletiva em São Bernardo é realizada em três modalidades: porta a porta, em Ecopontos e em Pontos de Entrega Voluntária (PEV’s). Em 2022, a média mensal de resíduos recicláveis coletados foi de cerca de 1,05 toneladas. O material coletado é encaminhado para duas centrais de triagem situadas no município.
As demais prefeituras não responderam aos questionamentos do RD.