
Independente do cenário, com ou sem covid-19, os municípios sempre apresentaram grande dependência dos valores repassados pelo Estado e União. Com a pandemia, a dependência ficou ainda maior com a queda na arrecadação. Porém, os critérios de repasses não necessariamente são claros.
Ao RD o economista, mestre em Economia Política e coordenador-adjunto e pesquisador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Universidade de São Caetano do Sul), Francisco Funcia, aponta os problemas com esses repasses, como a falta de pactuação dos critérios junto ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).
A lei complementar 141/2012 estabelece que as regras para a realização dos repasses deveriam ser definidas pela União, estados e municípios, e levar em conta critérios técnicos, como aspectos epidemiológicos, regionais e de necessidades. Por fim, todo este regramento deveria passar pela CNS, mas mesmo nove anos após a aprovação, a lei nunca foi cumprida.
O cenário piorou com a emenda constitucional 95/2016, conhecida como emenda do teto de gastos, que congelou os investimentos em Saúde com o nível de 2017 e por 20 anos, o que na visão do especialista ajudou na verificação de distorções no Boletim Cofin (Comissão de Orçamento e Financiamento), da CNS, apresentado em março passado.
Funcia diz que na Comissão de Orçamento e Financiamento, do Conselho Nacional de Saúde, no qual faz parte, foram identificadas grandes diferenças entre os valores mínimos e máximos que foram transferidos (para estados e municípios). “Analisamos inclusive o que era (repasse no combate a) covid. Mesmo separando o que era gasto contra a covid e o que não era, ainda assim verificamos diferenças. A distorção neste sentido é muito grande, especialmente para investimentos”, explica.
Tanto Funcia quanto o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) verificaram que a execução orçamentária no Brasil de recursos no combate à pandemia foram maiores entre julho e agosto de 2020, período de queda nos números de casos e óbitos, ou seja, em descompasso ao pico da primeira onda entre abril e junho do ano passado. Até junho o teto dos valores empenhados estava em R$ 13,5 bilhões. Entre julho e agosto, o valor variou entre R$ 17 bilhões e R$ 27 bilhões, com um pico de R$ 28,5 bilhões em 28 de julho.
“Quando olhamos o custeio, a parte de manutenção, as diferenças entre o mínimo e o máximo caem, mas ainda têm diferenças significativas que merecem um estudo para exatamente entender que critérios foram usados para a transferência de recursos para dar essa diferença tão grande entre os valores”, seguiu Funcia.
As desconfianças acontecem devido ao noticiário sobre o assunto, principalmente no ano passado. Em 17 de julho de 2020, o senador Major Olímpio (falecido em março deste ano) relatou que uma portaria do Ministério da Saúde que destinava verbas para compra de suprimentos para combater a covid-19 com parcelas de R$ 30 milhões e R$ 15 milhões tiveram como base o critério político e não de saúde pública, no seu entendimento.
Questionado sobre a possibilidade de uma forma ideal para esses repasses, Francisco Funcia é taxativo ao pedir a pactuação das regras junto ao Conselho Nacional de Saúde e a necessidade de uma autonomia dos conselhos de saúde para análise e fiscalização dos valores empenhados e investidos. Além disso, a necessidade do aumento dos investimentos federais na área.
Segundo os dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), o Brasil investe 3,8% do PIB (Produto Interno Bruto) na área, enquanto o Reino Unido que conta com uma estrutura de saúde pública parecida com a brasileira investe 7,8% do PIB.
Municípios e os investimentos

A reportagem entrou em contato com os municípios da região para saber qual valor foi repassado pelos governos estadual e federal, e a respectiva destinação. A Prefeitura de Ribeirão Pires relata que recebeu R$ 2,3 milhões em 2021, sendo que a maior parte, R$ 1,4 milhão, veio do Estado. O valor foi usado para habilitar 10 leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) no Hospital de Campanha. Entre abril e dezembro do ano passado foram repassados R$ 10 milhões para a criação do equipamento (70% de verba federal e 30% estadual).
No caso de São Caetano, desde o início da pandemia a União repassou R$ 52,3 milhões e o Estado R$ 8,5 milhões. “Os recursos foram utilizados para criação de novos leitos, compra de testes, equipamentos, insumos e medicamentos”, diz em nota.
São Bernardo informa que desde abril do ano passado já recebeu R$ 306,9 milhões em repasses, sendo R$ 245,1 milhões da União e R$ 61,7 milhões do Estado. Os valores foram aplicados no custeio de dois hospitais permanentes para pacientes com covid-19, o Hospital Anchieta e Hospital de Urgência Maurício Soares de Almeida, além da contratação de 1,5 mil profissionais.
Sem especificar o período, Santo André relatou que recebeu R$ 87 milhões do governo federal e R$ 21 milhões do Estado. Os recursos foram aplicados em diversas frentes, como implantação e manutenção dos hospitais de campanha, compra de medicamentos e materiais, estruturas para testagem e vacinação em massa.
Até o fechamento desta matéria as demais cidades não responderam.