
Entre janeiro de 2023 e junho de 2025, o ABC registrou pelo menos 192 denúncias formais de casos de LGBTfobia – que incluem preconceito, discriminação e violência contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais e outras identidades de gênero. Ainda nesse mesmo período, ao menos 943 violações contra os direitos humanos foram cometidas contra essa população, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Somente nos primeiros seis meses de 2025, foram registradas 32 denúncias, número inferior ao registrado em todo o ano de 2024, que teve 105 denúncias. No entanto, quem está à frente no combate à LGBTfobia alerta que os dados parciais ainda não permitem conclusões sobre uma possível redução, e que a violência contra a comunidade continua presente e em muitas vezes “inviabilizada”.
“Esses números não refletem melhora. O que caiu foi a confiança no sistema. As pessoas cansaram de ser ‘revitimizadas’ quando denunciam”, afirma Marcelo Gil, presidente da ABCDs (Associação Brasileira de Cultura e Diversidade Sexual). Conforme levantamento, as denúncias recentes se concentram principalmente em São Bernardo (12), Diadema (7) e São Caetano (6). Santo André, que somou 40 denúncias em 2024, teve apenas três neste ano, o que Marcelo interpreta como um sinal de apagamento da violência, mas não seu fim.
Hoje, conforme explica Marcelo, a homofobia tornou-se mais velada, disfarçada de normalidade, mas ainda muito presente, seja nas delegacias, espaços públicos e no mercado de trabalho. “Parte dela vem do próprio poder público”, diz. O porta-voz destaca a resistência de alguns gestores em assumir abertamente a pauta LGBTQIA+, o que dificulta a redução dos casos de LGBTfobia na região. “Algumas prefeituras evitam usar o termo ‘LGBT’ em secretarias ou coordenadorias, criam estruturas genéricas de ‘diversidade’ que ignoram demandas específicas da comunidade”, diz.
Mulheres trans e travestis são as principais vítimas
A invisibilidade se manifesta na violência silenciosa enfrentada diariamente, especialmente por mulheres trans e travestis. Marcelo Gil ilustra o cenário do mercado de trabalho, onde as vítimas sofrem diariamente com a discriminação. “Elas são contratadas, mas pressionadas a cortar o cabelo, não usar maquiagem, a esconder sua identidade. É como se dissessem: ‘pode ser quem você é, desde que não pareça'”, relata Marcelo.
Além disso, a ausência de acolhimento nas delegacias é outra questão que, segundo Gil, afasta vítimas que buscam ajuda. “Muitos policiais e escrivães não diferenciam orientação sexual de identidade de gênero, o que gera julgamentos, despreparo e, em muitos casos, negligência.” Na Justiça, a situação parece ser ainda pior. “A maioria das vítimas depende da Defensoria Pública, enquanto os acusados contratam advogados particulares. O desequilíbrio é gritante, e quase sempre quem perde é quem sofreu a violência”, acrescenta.
Espaços públicos ainda são os de maior risco
Quanto aos locais, áreas como a região de estação de trem, praças e parques continuam apontadas como áreas de risco para pessoas LGBTQIA+. “São nesses locais públicos que mais sofremos todo tipo de violência, das que vão desde um olhar torto até xingamentos em voz alta ou violência física”, declara A.M.B, de 32 anos, transsexual de Ribeirão Pires. Marcelo também alerta para o aumento dos riscos em encontros marcados por aplicativos de relacionamento, que podem servir de armadilhas. “Há denúncias de extorsão: a vítima é filmada e depois chantageada”, relata.
Frente a esses desafios, algumas políticas públicas são implementadas no ABC. Em Santo André, profissionais de saúde passaram a receber capacitação para atendimento com nome social e respeito à identidade de gênero. Os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) oferecem grupos de discussão focados na população LGBTQIA+, e a Central de Trabalho e Renda tem promovido encaminhamentos para vagas de emprego e cursos da Escola de Ouro.
Além disso, há ambulatórios trans em Santo André, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e São Caetano. Porém, Marcelo reforça que essas iniciativas ainda são frágeis e dependem da continuidade política. “Se muda o governo, a primeira coisa que cai é a pauta da diversidade. Não temos políticas públicas permanentes e é disso que precisamos para diminuir os índices”, afirma.