ABC - segunda-feira , 16 de junho de 2025

Prefeituras perdem controle de atendimento quando paciente vai para o Estado

Ribeirão Pires que antes tinha duas vagas por mês via Cross passa a oferecer cerca de 100 exames de ultrassom mensais pela rede municipal de Saúde (Foto: Felipe Cruz/PMETRP)

As prefeituras da região investem cada vez mais em procedimentos médicos, como cirurgias e exames, para não dependerem mais da Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde) pela qual os pacientes são encaminhados para serviços de referência do Estado. O SUS (Sistema Único de Saúde) integra, conforme a Constituição Federal, o Ministério da Saúde, Estados e municípios, porém as administrações municipais informam que, depois que o paciente entra na central de regulação, acaba a integração, pois não têm acesso ao prontuário do paciente, sequer para contribuir com exames complementares ou dar sequência ao atendimento em âmbito municipal. A reivindicação de uma Cross, regional, apontada como solução perdeu força com nova política do governo do Estado.

Em visita ao ABC, em janeiro deste ano, o vice-governador Felício Ramuth admitiu que era boa a ideia de criar uma Cross regional, tornar o ABC região administrativa. A pauta foi considerada prioridade no Consórcio Intermunicipal, mas como a estratégia do governo paulista segue em uma regionalização da saúde de forma mais ampla, essa reivindicação da região está sem andamento, na expectativa do que o Estado vai oferecer.

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Em nota, o Consórcio Intermunicipal diz que aguarda resultado das discussões no âmbito estadual. “A Central de Regulação de Vagas Regional foi pauta de algumas reuniões de secretários municipais do Consórcio Intermunicipal neste ano. No entanto, atualmente o assunto está atrelado às discussões estaduais sobre a regionalização da saúde e a aprovação da Política Estadual de Regionalização, que são responsabilidades do Governo do Estado de São Paulo”, resumiu o colegiado de prefeitos.

O governo diz que o Programa de Regionalização da Saúde tem o objetivo de diminuir as desigualdades para aumentar a eficiência do gasto público, ampliar a oferta de serviços e reduzir as filas e a distância que as pessoas precisam percorrer para conseguir acesso à saúde. “O projeto tem parceria com o Cosems (Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo) e a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde).

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo ressalta que estão em andamento ajustes no Siresp (Sistema Informatizado de Regulação do Estado de São Paulo), para que os municípios possam acompanhar e gerar relatórios gerenciais, facilitando a tomada de decisões”, explica a nota da pasta estadual de saúde.

Dez meses com descolamento da retina

Não são raros os casos de pacientes que sofrem sendo encaminhados para diferentes tipos de atendimento, mesmo em casos de urgência. O RD acompanha, desde 2024 a situação do motoboy morador de Ribeirão Pires, Wellington Rodrigues, de 34 anos, que sofreu um acidente de moto com descolamento da retina no olho direito, agravado com catarata. Desde o acidente o rapaz tem feito uma verdadeira peregrinação, passa de hospital em hospital na tentativa que sua cirurgia seja agendada, mas sempre há um problema de agenda, um pedido de encaminhamento para passar com outro especialista e nisso já se vão mais de 10 meses.

No dia 5 de fevereiro, o jovem finalmente chegou ao Hospital das Clínicas, na Capital, referência nacional em várias especialidades médicas, mas saiu de lá com um novo agendamento de consulta com especialista. O agendamento foi feito para o dia 6 de março de 2026, ou um ano e nove meses depois do descolamento da sua retina. Somente após o contato da reportagem com o Hospital das Clínicas, a consulta foi remarcada para 23 de maio deste ano, mesmo assim ainda não há garantias da operação, já que será uma consulta de avaliação cirúrgica.

São Caetano não consegue acompanhar pacientes

Há casos de cirurgias de coluna que demoram anos para serem realizadas, segundo o próprio relato das prefeituras. A administração de São Caetano faz essa observação. “Os procedimentos mais frequentemente encaminhados à Cross são os de alta complexidade, como cardiologia, ortopedia de alta complexidade (a exemplo de cirurgias de quadril e coluna) e neurocirurgia. O tempo médio de espera varia significativamente conforme a especialidade, a gravidade do caso, a disponibilidade de vagas na rede estadual e os critérios de priorização clínica estabelecidos pela Cross. Casos classificados como urgentes são priorizados. No entanto, para procedimentos eletivos, os prazos tendem a ser mais longos, especialmente na ortopedia de alta complexidade, em que a fila para cirurgias de quadril, coluna e outras ultrapassam anos de espera”, informa o Palácio da Cerâmica.

É São Caetano quem encaminha o paciente para a central de regulação, mas não é informada sobre o andamento dos casos. “Após o encaminhamento do paciente via Cross, o município não possui acesso às informações sobre o andamento do caso. É possível verificar, por meio do sistema Siresp/Cross, apenas se o paciente compareceu ou se houve ausência na consulta, exame ou procedimento agendado. No entanto, não temos acesso às informações sobre a conduta adotada, a continuidade do tratamento, consulta de retorno, fila cirúrgica ou qualquer desdobramento após o primeiro atendimento registrado no sistema”.

Ampliação da capacidade de atendimento 

Para driblar essa dificuldade e garantir que o paciente tenha o atendimento dentro da urgência necessária, a cidade resolveu aumentar a sua capacidade de atendimento. “O município tem investido continuamente na ampliação da oferta de consultas, exames e cirurgias, o que tem permitido reduzir os encaminhamentos para fora da rede municipal. No entanto, em casos de procedimentos para os quais o município não possui habilitação e recurso para o atendimento, como nas cirurgias de ortopedia de alta complexidade, é necessário depender da regulação estadual. Nesses casos, o município precisa aguardar a disponibilização de vagas pela Cross”, diz.

No âmbito da média complexidade, o município atualmente disponibiliza praticamente todas as especialidades médicas e exames necessários. Em relação à alta complexidade, já consegue atender uma parte significativa da demanda, especialmente nos serviços oncológicos. No entanto, para as demais especialidades de alta complexidade, como cardiologia, ortopedia e neurocirurgia, a referência permanece sendo a rede estadual habilitada, sendo a regulação desses casos realizada exclusivamente pela Regulação Estadual por meio da Cross, informa a Prefeitura.

Rio Grande da Serra

Em Rio Grande da Serra, cidade que não tem hospital municipal, todas as avaliações cirúrgicas são encaminhadas para o Estado via Cross. “Quanto ao tempo de espera para realização do procedimento, não temos essa informação, pois as vagas são reguladas pelos equipamentos; cada local tem seu protocolo interno. Não temos acesso às agendas nem à fila de espera interna dos equipamentos estaduais”, diz a Prefeitura.

Por falta de agenda para todos os pacientes que precisam fazer um ultrassom Rio Grande da Serra teve que contratar pessoal. “Encaminhamos todos os tipos de exames para os equipamentos estaduais, inclusive ultrassom, o qual realizamos no município, pois a demanda ainda é maior que a oferta. O município contratou uma profissional para realizar ultrassom ginecológico para que possamos atender as munícipes com um pouco mais de rapidez. Quanto à cirurgias e tratamentos mais complexos, ainda temos total dependência do Estado”, diz.

Diadema também perde gerenciamento

Diadema também diz que não tem o gerenciamento do andamento dos casos e só tem as informações quando o paciente volta à UBS (Unidade Básica de Saúde) para a contrarreferência do serviço, que é o retorno para a unidade médica que o acompanha. “Após o paciente ser inserido no Siresp (Sistema Informatizado de Regulação do Estado de São Paulo), o caso é acompanhado até que o regulador da Cross encaminhe o paciente ao serviço solicitado. Depois disso, o município não consegue gerenciar, tendo em vista tratar-se de equipamentos de saúde que estão sob gestão estadual. O município realiza cirurgias de baixa complexidade, como herniorrafia, vasectomia, laqueadura e outras pequenas cirurgias. Na área de oftalmologia, o município realiza a maioria dos procedimentos, deixando de encaminhar ao Estado, mesmo assim a demanda ainda é maior que a oferta”, informa.

Santo André amplia atendimento local como saída

Santo André tem aumentado o investimento em exames e cirurgias, o que diminuiu os encaminhamentos via Cross. “Considerando que a Cross é um serviço estadual, não temos acesso aos serviços disponibilizados. O município não tem gerencia sobre o controle ou medir o tempo de espera. Na urgência encaminhamos os procedimentos e consultas de alta complexidade, como, cateterismo cardíaco, colangiopancreatografia, angiografia arterial, marcapasso e cirurgias cardíacas. Ao longo dos anos tem ampliado a oferta ambulatorial com a criação do Poupatempo da Saúde e ampliação de serviços de diagnóstico para diminuir o tempo de espera. Agendamos no 1º quadrimestre 148.057 exames, 6% desses em serviços estaduais. Foram 77.929 consultas, 6% nos serviços estaduais, ou seja 94% das consultas e exames são realizados nos serviços municipais”, enumerou o Paço andreense.

São Bernardo, Mauá e Ribeirão Pires não responderam.

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