
Problemas de saúde e dificuldades no processo de aprendizagem podem apontar para transtorno mental e/ou deficiência, o que exige das escolas públicas e privadas acompanhamento especializado para lidar com crianças e jovens que possuem necessidades especiais, conceito que abrange também o autismo, dislexia e hiperatividade. No ABC, apesar dos recentes investimentos, falhas severas são constatadas no processo.
Exemplo é em Ribeirão Pires, onde um professor da rede municipal, que prefere não se identificar, comenta que os alunos com deficiência são deixados de lado em razão da falta profissionais especializados. “Até o ano passado não tínhamos nenhum auxiliar de classe para ajudar no atendimento das crianças com deficiência, então sobrava para nós (professores), que mesmo sem formação específica desenvolvemos atividades do nosso jeito para os alunos”, comenta.
Ainda de acordo com o docente, foi no final de 2023, após muitos pedidos para a coordenação de uma das escolas que atua, que um auxiliar chegou para ajudar os professores. “Quando pensávamos que tudo ia melhorar, descobrimos que a auxiliar de classe sequer tinha formação. Ainda estudava e, por conta disso, também tinha muita dificuldade”, relata o docente ao frisar que, conforme passam os anos, o número de crianças diagnosticadas cresce, o que impulsiona ainda mais a necessidade de atendimento especializado.
Em Mauá, uma professora da rede municipal reclama da falta de material didático para alunos com deficiência. Para tentar driblar a situação, a docente comenta que restou aos professores pesquisar e imprimir atividades para os alunos. “Se não é a gente (professores) imprimir atividades e levar, os alunos ficam de escanteio sem nenhum aproveitamento. Já perdi a conta de quantas vezes levei desenhos para colorir porque prometiam um auxiliar que nunca chegou”, reclama.
Para se ter ideia, entre as mais de 560 escolas municipais no ABC, são 535 professores de educação especial entre os municípios, sendo São Bernardo (307), Santo André (84), Diadema (80), São Caetano (63) e Rio Grande da Serra (1). Já em relação aos auxiliares de primeira infância (API), cuidadores e agentes de inclusão, são 3,8 mil profissionais: São Bernardo (2.476), São Caetano (952), Diadema (331) e Santo André (91).
Ribeirão Pires informa que 137 profissionais de educação inclusiva estão envolvidos no processo de aprendizagem nas escolas municipais, no entanto, não especificou os cargos. Mauá não enviou as informações até o fechamento da reportagem. Já entre as escolas estaduais, há atualmente 375 profissionais da Educação Especial distribuídos no ABC, incluindo professores do atendimento domiciliar, itinerante da educação especial, do ensino colaborativo, da sala de recurso etc.
Descumprimento da Constituição
Ao RD, o advogado especialista em direitos da infância e juventude e membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB SP, Ariel de Castro Alves, avalia que, infelizmente, casos de falta de profissionais de apoio são frequentes na região e em todo País. A falha descumpre a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as legislações específicas de proteção e inclusão de pessoas com deficiência.
“As escolas do Estado, em geral, são mais precárias e com menos estrutura de trabalho e pessoal se compararmos com as escolas municipais. Muitas vezes as crianças são incluídas no ensino fundamental dos municípios, mas são excluídas no ensino médio”, afirma. Em alguns casos, o advogado diz que os alunos acabam conseguindo vaga e profissional de acompanhamento mediante a liminares judiciais obtidas pelas Defensorias Públicas, Promotorias de Justiça ou advogados particulares.
Crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente
No caso da falta do atendimento especializado, de vagas ou atendimento precário sem profissionais de acompanhamento e apoio, Ariel afirma que os dirigentes de escola podem responder pelo crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. “A não oferta de vagas e não atendimento adequado podem gerar a responsabilização dos gestores, por meio de ações civis públicas, que podem resultar no afastamento dos gestores púbicos dos cargos que ocupam e ações de improbidade administrativa, por descumprimento de leis e obrigações”, ressalta.
O advogado cita ainda que a legislação brasileira de inclusão já tem quase 10 anos, tempo suficiente para os poderes públicos se adaptarem, garantirem a inclusão das crianças e adolescentes com deficiência nas escolas. “As famílias que não conseguem a inclusão dos filhos nas escolas, por falta de vagas, de profissionais de apoio e acompanhamento, ou mesmo de acessibilidade aos prédios, devem procurar os conselhos tutelares, que possuem poder legal de requisitar atendimentos, serviços e vagas em serviços públicos”, orienta. Também podem procurar as promotorias da infância e juventude ou defensorias públicas, para realizar requisições, mediações ou mesmo ingressarem com ações judiciais contra as prefeituras e governo estadual.
Mais profissionais
Para 2024, a Secretaria de Educação do Estado informa que já no 2º semestre contratará 400 novos profissionais de apoio para compor o quadro de atendimento de estudantes com TEA e com outras deficiências na inclusão social, educacional e no acompanhamento das aulas.
Em relação as escolas municipais do ABC, São Caetano informa que neste ano já houve ampliação no quadro de profissionais com 260 profissionais e a previsão é que cheguem mais 20 em maio, totalizem 280. Além disso, serão abertas 250 vagas para estagiários na rede. Santo André realizou concurso para agentes de inclusão escolar e, no momento, faz a chamada dos aprovados, mas não foi informada a quantidade. Já São Caetano está com concurso em andamento.
Os demais municípios não informaram novos investimentos para 2024 na área.