Governo optou por governar com Supremo e não com o Congresso, diz Lupion

Lupion também vê falta de diálogo na pauta econômica, apesar de manter conversas com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

Em rota de colisão com o governo após os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o projeto que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), avalia que o enfrentamento foi uma opção do Executivo. “O governo fez a opção de nos enfrentar e governar com o Supremo Tribunal Federal. A vontade da população é expressa pela votação dos deputados federais e senadores. A partir do momento que o governo opta por não respeitar isso, ele tem bônus com a base dele e ônus com o resto do Congresso”, disse Lupion, em entrevista exclusiva. A frente articula a derrubada dos vetos presidenciais ao marco temporal e, segundo ele, não abrirá mão da reivindicação da pauta em sessão conjunta do Congresso.

À frente da maior bancada do Congresso, com 374 parlamentares, Lupion também vê falta de diálogo na pauta econômica, apesar de manter conversas com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele cita como exemplos a não inclusão da emenda das garantias no projeto do Carf, que havia sido acordada com o Ministério da Fazenda, a inclusão de alterações nos Fiagros no projeto de lei das offshores e fundos exclusivos votados na quinta-feira, 26, e a promessa de suplementação do orçamento do seguro rural abaixo do previsto. “Não cumpriram o que combinaram conosco no seguro. Precisamos de R$ 1,5 bilhão e estão anunciando R$ 500 milhões nas entrelinhas. Já é um alento, mas não resolve o problema”, pontuou. As negociações com a base governista quanto à avaliação dos vetos presidenciais sobre o projeto do Carf e do arcabouço fiscal não caminham bem até o momento, observou o presidente da bancada ruralista.

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Lupion também minimiza eventuais impactos da aproximação do ex-presidente Jair Bolsonaro com a frente na relação entre a bancada e o governo. “O governo tem condições hoje de olhar para a Frente Parlamentar da Agropecuária e falar ‘não queremos vocês’? Eles terão que encostar na gente com Bolsonaro ou sem Bolsonaro”, argumentou.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Presidente, como fica a relação com o governo após o enfrentamento da frente pela derrubada do veto ao marco temporal?

Que relação?

Mas há um reforço da oposição da FPA ao governo, que já vinha sendo tomada com a obstrução das pautas?

Fizemos movimentos de obstrução devido a alguns temas e pautas que são caras para nós e que possibilitaram a junção dessas frentes todas. Enquanto estávamos ativos nessa obstrução, as coisas estavam funcionando. Agora, não posso simplesmente afrouxar o garrão porque precisamos votar a derrubada do veto do marco temporal, que é importantíssima para nós. O governo fez a opção de nos enfrentar e governar com o Supremo. Nós parlamentares temos que mostrar o que é o Poder Legislativo e ressaltar a nossa atribuição e a nossa importância. A vontade da população é expressa pela votação dos deputados federais e senadores. Deixamos isso muito claro nas duas casas, tanto na Câmara quanto no Senado. A partir do momento que o governo opta por não respeitar isso, ele tem bônus com a base dele e ônus com o resto do Congresso.

E como fica a pauta econômica neste contexto, como o pedido de suplementação no orçamento do seguro rural?

Eles não cumpriram o que combinaram conosco no seguro. Precisamos de R$ 1,5 bilhão e estão anunciando R$ 500 milhões nas entrelinhas. Já é um alento, eu disse isso ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Isso é bom e começa a nos ajudar, porém é um problema que ainda tem de ser enfrentado. Tivemos três safras de defasagem por seca e recentemente enchentes destruindo a produção de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Precisaremos de mais seguro. Não estamos enxergando um horizonte nisso.

E os outros acordos feitos com governo na seara econômica?

As demais combinações que fizemos foram a inclusão na votação do Carf dos royalties de sementes e das dívidas das cooperativas. Agora, estamos resolvendo o último problema que é a probabilidade da execução das garantias (a frente pede uma emenda ao texto que só permite a execução de garantias de contribuintes derrotados no Carf depois do trânsito em julgado de recursos apresentados à Justiça). Tínhamos conversado com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e depois o deputado Beto Pereira (PSDB-MS, relator do projeto do Carf na Câmara) fez um outro relatório e virou uma confusão. Por isso, o ministro Haddad estava nos contatando (minutos antes da entrevista), porque eles precisam que isso seja resolvido. Há muitos vetos de nosso interesse, como autocontrole, legislação ambiental, regularização e Carf. Essas negociações avançaram minimamente e sabemos que a votação em sessão do Congresso é uma votação por acordo. Até agora não temos acordo quanto ao veto destas pautas.

No momento, a posição da frente é pela derrubada do veto do Carf, do arcabouço e do autocontrole?

A nossa posição é que não ocorra sessão do Congresso neste momento, que foi cancelada para esta quinta-feira e remarcada para 9 de novembro, e haja somente quando pautarem o veto do marco temporal. Com essa questão do marco temporal, não tem como votarmos tranquilamente numa sessão sem que tenhamos minimamente um compromisso de pauta da análise do veto ao marco temporal. Qual a garantia que os adversários deixarão acontecer a sessão sobre o veto do marco temporal? Precisamos estar vinculados a uma pauta que eles (governo) tenham interesse. Eles querem fazer a sessão do Congresso porque tem PLN, Carf e arcabouço. Acho que se for fazer uma sessão específica para avaliar o marco temporal, não haverá sessão.

Sobre o marco temporal, a frente pode ceder em algum ponto específico ou quer a derrubada dos vetos na íntegra?

Há questões que não são tão graves para nós, como a questão dos indígenas intocáveis, sobre o qual o presidente vetou a possibilidade de contato com povos indígenas isolados. Os problemas fundiários e de demarcação no País estão principalmente nos Estados produtores: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. Portanto, são Estados onde não há povos indígenas intocáveis. Isso é uma questão conceitual e da qual podemos abrir mão, mas eles tinham que ter feito isso antes de vetar tudo. O simbolismo do veto, da maneira como foi feito, foi para esfregar na nossa cara. Isso não dá para ficar sem resposta.

A bancada foi procurada pelo Padilha ou demais ministros articuladores antes do veto presidencial? Houve diálogo?

Eles tentaram fazer isso antes da votação do STF. A partir do momento em que acharam que o STF tinha resolvido o problema, o que na verdade foi um tiro no pé para o governo porque não tem como pagar as indenizações, não houve mais conversa. Depois disso, não aconteceu absolutamente nada. Se tivesse algum tipo de boa vontade de dar uma sinalização positiva ao Congresso, não teriam feito o veto dessa maneira. Eles jogaram para dentro da bolha. Lula tirou do colo dele um problema e ficou com outro maior ainda, que são as indenizações.

Não há então uma ‘devolutiva’ a ser feita pela frente na questão do Carf e no arcabouço pela suplementação ao seguro rural?

Onde saiu o seguro? Promessa por promessa?

E a ida do ex-presidente Jair Bolsonaro na frente nesta semana é uma reação da bancada ao governo?

Na semana passada, o deputado Luciano Zucco (Republicanos -RS, presidente da Frente Parlamentar Invasão ZerO) pediu ajuda para organizar a instalação da frente, o uso do espaço e informou sobre a presença do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Na segunda-feira, chegou a notícia de que o presidente Bolsonaro tinha sido convidado e viria. É óbvio que ele pode vir. Em momento algum, houve algum tipo de estratégia específica para trazer o presidente Bolsonaro.

Neste momento em que a frente ficou em lado oposto ao governo no marco temporal, a presença de Bolsonaro aqui não aumenta ainda mais a oposição contra o governo?

E isso muda alguma coisa? Tive conversas com Haddad, Randolfe e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta semana.

A presença do ex-presidente Jair Bolsonaro aqui na frente não piora o ambiente?

Em algum momento fui base do governo? Eu era vice-líder do governo Bolsonaro, votei, fiz campanha e continuo fazendo para o presidente Bolsonaro. Nunca escondi isso de ninguém. Não tem surpresa nenhuma nisso. E que ambiente? quem é o ônus de colocar voto? Existe uma base do governo? O governo tem certeza quando manda uma votação para o Congresso do resultado? O governo tem condições hoje de olhar para a Frente Parlamentar da Agropecuária e falar ‘não queremos vocês’? Eles terão que encostar na gente com Bolsonaro ou sem Bolsonaro.

O governo está preocupado que uma pauta respingue na outra?

Bem preocupado.

No momento, a frente busca entendimento com Lira, Pacheco e governo sobre o veto do marco temporal, mas não havendo entendimento, a frente pode puxar novamente um movimento de obstrução da pauta?

Não queremos ter que chegar a isso, mas já avisamos que isso pode acontecer.

Mas presidente, a obstrução teve efeitos práticos? A Câmara acabou votando projetos e cada um foi pelo seu líder…

No primeiro dia da obstrução, teve uma votação que ele (Lira) nos testou e pautou medida provisória sobre gripe aviária. Foi somente isso. Em três semanas, não ocorreu nenhuma comissão na Câmara.

Isso foi por causa da obstrução ou porque os líderes não queriam votar por causa de Funasa e Caixa?

Da minha parte, foi pela obstrução. Se perguntar para os líderes, eles provavelmente podem responder diferente.

Hoje, se Lira pautar a votação de vetos do Carf ele forma maioria?

Pode ser. Ele tem um poder enorme e um comando grande sobre os líderes. Há pautas de vetos trancando outros projetos. Tentamos negociar esses vetos com Randolfe e não caminhou bem porque ele quer a manutenção dos vetos. Não há como mantermos, como o autocontrole e as questões ambientais. Uma sessão do Congresso sempre funciona com acordo. Ainda estamos nessa etapa. Temos que ter minimamente um compromisso claro de uma pauta de Congresso com coisas que interessam para os outros também. Eles não vão querer sessão somente para avaliar o marco temporal.

Como o senhor avalia essa nova fase do presidente Pacheco?

Estamos adorando esse lado dele. Acho que a votação do marco temporal, sobre a qual ele estava extremamente reticente, abriu uma luz para ele de que lado estava para imagem. Isso deu uma certa tranquilidade para ele poder caminhar mais tranquilo com as pautas ali dentro. Com a provocação que o STF fez para ele em relação à descriminalização do porte de drogas, o desrespeito feito a ele, ele passou a entender quem efetivamente estava ao lado do Parlamento. Acho que ele mudou completamente de ares. Hoje tenho uma relação e diálogos quase diários com ele. Isso significa que vai gerar um resultado imediato? Talvez não, mas ainda há um ano pela frente e neste um ano tem muita coisa que pode ocorrer.

Ele se arrependeu da posição que estava tendo como intermediador do governo?

É preciso interpretar tanto o Rodrigo quanto o Arthur pelo plano futuro deles, ou seja, o que eles querem após deixar a presidência. O Arthur parece que está claro: está ocupando espaços no governo para ser uma pessoa importante para o governo após deixar a presidência. É justo. Não tenho nenhuma crítica ao Arthur, porque ele sempre cumpriu os compromissos com as nossas pautas. Vejo que ele não ficará sem mandato.

E Pacheco?

Não sei qual é o futuro do Rodrigo, se ele tinha alguma expectativa de ser indicado ao STF, de indicações importantes e isso não foi cumprido. Eu estou gostando bastante desse atual Rodrigo Pacheco. Rodrigo é um outsider que deu certo na política. É super discreto, de bons relacionamentos, mas não sei o que ele está vendo para o futuro dele. Acho que o David Alcolumbre (União Brasil-AP) terá apoio para sucessão dele, mas não acho que o governo apoiará Davi. Qual será esse jogo? Será bom para o Rodrigo ou não? As forças vão se organizando, o que é natural. Ele é presidente do Congresso e tem todas as condições de fazer esses cálculos.

Essa pressão da frente sobre o Congresso é pela necessidade de novos acordos?

Temos que negociar toda essa questão do veto do marco temporal, projeto dos pesticidas, que ainda não foi votado, licenciamento ambiental. Não posso esticar demais a corda de maneira que não tenha volta. Particularmente, sou incisivo nas minhas posições, mas tenho capacidade de diálogo também. E tenho feito isso com muita transparência. O próprio Arthur sabe disso. Nada que fazemos é escondido dele. Temos hoje uma posição da FPA no Congresso como nunca, com importância, influência, tamanho e capacidade de articulação. Em momento algum, vou correr o risco de dar um tiro errado.

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