
O Procon e a Polícia de Santo André estão investigando a atuação de uma quadrilha que se especializou em praticar golpes em idosos oferecendo tratamentos odontológicos que nunca eram realizados. O RD conversou com quatro vítimas que tiveram prejuízos de R$ 700 a R$ 13 mil e há casos em que há suspeita de que os idosos foram dopados para assinarem contratos e autorizarem débitos em conta corrente e elaboração de cartões de crédito. Para o Procon além de crime contra o consumidor há crimes previstos no Código Penal sendo perpetrados pelo grupo.
O grupo criminoso age da seguinte forma: diversas mulheres jovens circulam por áreas de comércio popular, como o corredor da Oliveira Lima, Bernardino de Campos e as proximidades do Terminal Metropolitano de Santo André, e abordam as pessoas na rua, quase sempre idosos, oferecendo tratamento odontológico com orçamento gratuito e sem compromisso. As vítimas são convidadas a seguirem até um conjunto comercial, onde são atendidas por outras pessoas que pedem seus dados pessoais e documentos. Com essas informações são feitos contratos de prestação de serviço que não são prestados e ainda geram cartões de crédito em nome das vítimas, já com dívida do suposto tratamento.
O Procon diagnosticou uma série de casos praticamente com o mesmo modus operandi e agora trabalha no sentido de unir forças com outros órgãos de fiscalização e controle para investigar os crimes. “Temos pelo menos seis casos aqui no Procon de Santo André, sendo que podem ter muitos mais, já que as pessoas têm vergonha de aparecer depois de terem sido vítimas dessa prática abusiva. Eles usam moças bonitas para atrair os idosos e nunca é feito nem um orçamento. As vítimas saem com contrato assinado, dinheiro debitado de contas bancárias, ou com um cartão de crédito que não pediram. Descobrimos uma série de histórias parecidas de pessoas que nem se conhecem. Em uma única semana foram quatro casos que atendemos, o que nos chamou atenção”, disse a diretora do Procon, Doroti Cavalini.
Doroti disse que em um caso há suspeita de que a vítima, um homem de 78 anos, foi dopado. “Eles sempre abordam as vítimas na rua e convidam para fazer o orçamento gratuito, e ainda dizem que ele pode tomar um café, ou uma água. Essa vítima disse que não se recorda do que aconteceu depois de ter tomado o café, principalmente do momento em que usou o cartão do seu banco”, relatou a diretora do Procon.
Vítimas
O RD conseguiu falar com essa vítima, que pediu para que seu nome não fosse revelado. Ele conta que passava pela Travessa Diana, no Centro de Santo André no dia 10 de maio, quando foi abordado por uma mulher. Ela o levou para uma sala comercial, onde outros atendentes passaram a pedir seus dados pessoais para um suposto cadastro. Logo depois uma mulher lhe ofereceu um café. “Depois disso não lembro mais nada. Não sei em que momento tirei o cartão do banco. Só soube depois que tiraram R$ 10.200 da minha conta e depois veio uma fatura de cartão de crédito com uma dívida de R$ 3 mil”, relata o aposentado.
A vítima conta que voltou lá diversas vezes e em uma delas um homem propôs devolver os R$ 10,2 mil em duas prestações, mas não pagou. Em nova visita a promessa foi de ressarcimento em 10 vezes de R$ 1.100, sendo que apenas uma parcela foi paga. “Ali nem estrutura tem, não vi sequer uma cadeira de dentista”, disse o idoso que deu queixa no Procon e fez boletim de ocorrência. “Na delegacia me disseram que tinham mais de dez queixas de casos iguais ao meu”. O aposentado disse também que está certo de que foi dopado. “Eu desconfio daquele café, mas não posso provar”. A vítima perdeu todo o abono da sua aposentadoria e parte do pagamento. “Fiquei sem nada, tive que tirar do cartão de crédito para me sustentar”, lamenta.
Outra vítima que falou com o RD, será identificada apenas como R., disse que foi parado na rua 15 de Novembro também no Centro de Santo André. Ele conta que uma jovem o abordou no dia 6/10 oferecendo tratamento odontológico com orçamento grátis. Essa vítima chegou a passar por uma avaliação por uma mulher que se identificou como dentista. Na recepção ele teve que passar seus dados pessoais. “Pediram meu CPF e depois pediram para tirar uma foto minha segurando meu RG. Me fizeram assinar um papel que, quando vi que era um contrato pedi para cancelar porque eu não queria fazer mais o tratamento, se recusaram a cancelar, depois de uns dias chegou um boleto de cartão de crédito na minha casa; fizeram uma dívida de sete parcelas de R$ 184. Eu estou pagando para não sujar meu nome, mas estou tirando da minha boca para pagar”, lamenta. R. não chegou a fazer boletim de ocorrência.

A quadrilha também fez outro idoso, este de 67 anos, como vítima. Ao falar com o RD essa vítima disse que foi abordado em agosto no Terminal Metropolitano de Santo André por duas jovens. “Elas disseram que o orçamento era gratuito, que eu poderia tomar um café e uma água e eu fui. Lá eles pediram meus dados e disseram que fariam uma simulação para ver se meu crédito seria aprovado, na sequência me deram um papel para assinar dizendo que era só um comprovante de que eu estive lá. Vinte dias depois chegou um cartão de crédito já com uma dívida de R$ 3,3 mil em 18 prestações de R$ 207 e eu não fiz tratamento nenhum. Voltei lá e pedi para cancelarem e me ressarcirem, aí o tratamento foi diferente, disseram que eu que procurasse meus direitos. Fui no Procon e dei queixa no 1° Distrito Policial”, relatou. De acordo com essa vítima o escritório funcionava na rua Bernardino de Campos, também no Centro. “Depois disso meu crédito foi cortado, não consigo comprar mais nada no crédito, estou desmoralizado”, lamenta.
Um idoso de 74 anos disse ao RD que teve R$ 700 de prejuízo. Ele será identificado apenas pela letra J. Ele conta que, em meados de junho foi abordado por mulheres na rua Bernardino de Campos com a mesma conversa do orçamento e de tomar um café. “Cheguei lá e não tinha nada de dentista, pediram meus dados e depois me deram um contrato com o valor de R$ 700 pelo tratamento. Eu não fiz nem orçamento e perguntei que conta era aquela, aí me ameaçaram dizendo que se eu não assinasse iam mandar uma cobrança ainda maior para aminha casa. Sob ameaça tive que pagar no cartão de débito. Pedi o comprovante e não me deram. Na mesma hora saí e fui na lotérica checar meu saldo e vi que tinham tirado R$ 700 da minha conta. Conversei com comerciantes que disseram que as mulheres ficam o dia inteiro na calçada levando gente para o escritório que não tem nem fachada de clínica”, relatou J.
Força-tarefa
Doroti Cavalini disse que o Procon está preparando uma fiscalização em conjunto com a Vigilância Sanitária do município e não descarta também recorrer à polícia e ao Ministério Público. “Do ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor há muitos abusos, além de cobrar pelo que não foi realizado, não fazer orçamento prévio e ainda fazer um cartão de crédito o que desvia completamente a natureza do serviço. Orientamos todos os que nos procuraram a fazerem boletim de ocorrência. Estão lidando com pessoas que têm pouco conhecimento do sistema financeiro e também com o direito à vida e a saúde do vulnerável. Estamos organizando uma ação de fiscalização juntamente com o Procon Regional e a vigilância. Queremos também mobilizar os Procons de outras cidades que tenham detectado esse tipo de situação. Além disso, com os boletins de ocorrência, a polícia também já está trabalhando nesses casos”, conclui a diretora do Procon andreense.
Procurada pela reportagem a Comissão de Defesa do Direito da Pessoa Idosa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André disse que não recebeu ainda queixas desse tipo de prática, mas divulgou nota sobre o ocorrido. “Diante do exposto pela imprensa local, a Comissão de Defesa do Direito da Pessoa Idosa da OAB Santo André se coloca à disposição para auxiliar com as diligências que se fizerem necessárias, bem como prestar informações e orientações aos idosos vítimas desses golpes. Orientamos as vítimas e seus familiares que registrem boletim de ocorrência e acionem os órgãos competentes de investigação, que no caso são a Polícia Civil e o Ministério Público. Os que não tiverem condições de contratar um advogado podem procurar a Defensoria Pública do Estado. Em Santo André, o contato da Defensoria Pública é pelo telefone (11) 4432-3404 ou presencialmente na rua Senador Fláquer, 922, Centro. A OAB Santo André se coloca à disposição dos órgãos competentes para auxiliar no que for possível”.