Dia do Professor é de reflexão sobre condições de trabalho

Professor do Estado tem situação mais delicada, avaliam especialistas. (Foto: Banco de Imagens)

Em meio à falta de infraestrutura, salas superlotadas e sentimento de pouca valorização profissional os professores das redes municipais e estadual chegam a mais um dia 15 de outubro com pouco a comemorar no seu dia. Especialistas ouvidos pelo RD sobre o tema dizem que o professor tem sofrido, principalmente na sua saúde mental, seja qualquer a rede em que trabalhe, mas a rede estadual há mais problemas.

O RD indagou as prefeituras da região sobre o número de profissionais das redes municipais no ano de 2019 e neste ano, para fazer um comparativo de quanto as cidades investiram em contratação de profissionais. Até o fechamento desta reportagem apenas três prefeituras responderam, sendo que só uma detalhou o número de profissionais do magistério nos dois períodos solicitados. Em Santo André houve aumento do número de professores. Em 2019 eram 2.048 docentes na rede municipal. Neste ano, segundo a administração municipal são 2.424, um aumento de 18,36%.

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Os números informados pelas prefeituras de Diadema e São Caetano não permitem dizer se houve aumento de professores nas suas redes. A primeira informa que conta com 1.907 professores da Educação Infantil ao Ensino Fundamental I, para atender 30 mil estudantes. Em São Caetano são 1.606 professores, do Infantil ao Ensino Médio, incluindo a educação especial.

Adoecimento

Para o professor de políticas educacionais da UFABC (Universidade Federal do ABC), Fernando Cássio, os dados disponíveis mostram que a educação pública foi precarizada e isso vem de longa data. “As condições de trabalho na rede pública são ruins e na rede estadual são degradantes. Cada vez mais o trabalho do professor é burocratizado e vem se multiplicando. A grade encolhe e o trabalho só aumenta. A carreira vem sendo achatada o que significará perda de benefícios em longo prazo e tudo isso vai desgastando o profissional. Você tem um tripé composto por salário, carreira e condições de trabalho, que está completamente fragilizado”, destaca.

Esse desgaste leva ao adoecimento e afastamentos, que, segundo a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), vem aumentando nos últimos anos. Dados já antigos da entidade, coletados em 2010, mostravam a vulnerabilidade da saúde mental dos professores, já se igualava na época aos afastamentos por problemas físicos. As principais doenças diagnosticadas naquele estudo foram: rinite / alergia (33%), hipertensão arterial (30%), tendinite, bursite ou dor muscular no último ano (29%), transtorno de ansiedade ou pânico no último ano (23%), laringite / rouquidão (21%), depressão no último ano (18%), artrose (14%), diabetes (10%), asma / bronquite / enfisema / Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) (7%) e Acidente Vascular Encefálico (AVE) (2%). Hoje, segundo a Apeoesp, a situação já se inverteu, os afastamentos por causa da saúde mental já são maioria.

“Essa é uma questão fundamental, já passou da hora do Estado e prefeituras investirem mais na saúde do professor, dada essa brutal intensificação do adoecimento. Isso não é de hoje vem de um processo de desestruturação de longuíssimo prazo”, diz Fernando Cássio, que prevê uma piora por conta de situações mais recentes na política educacional do país, o aumento do número de escolas militares e a educação domiciliar. “Esse Dia dos Professores tem um significado importante porque estamos às vésperas de uma eleição e ela vai mostrar os rumos da educação para os próximos anos. Há hoje inimigos dos professores no Brasil. A escola militar, a escola sem partido e a educação domiciliar, além de produzirem a desvalorização dos salários, desvalorizam também a profissão. Por isso o professor hoje tem muitos motivos para adoecer. Esse sábado (15/10) será um dia para refletir”, diz o docente da UFABC.

Saúde mental

Para o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a pandemia da covid-19 escancarou os problemas que os profissionais do magistério já sentiam desde sempre. “Os professores sempre foram mais vulneráveis em relação à saúde mental. Os primeiros registros de problemas de saúde mental em professores remontam ao início da experiência em educação pública no Brasil, que sempre foi precarizada, em que pese a ideia, absurda, de que no passado a educação pública tinha qualidade, ela era excludente e também estressante. Mas sem dúvida nenhuma a situação é pior nos dias atuais. Os professores têm tido sim um quadro mais vulnerável em saúde mental depois da pandemia. Isso ocorre em todas as categorias, mas pelo histórico de precarização e pela dificuldade que é garantir qualidade de vida sendo um profissional do magistério é que a situação da pandemia tornou ainda mais difícil para os professores”.

Para Cara duas necessidades do professor são urgentes, a valorização do profissional – com salários e plano de carreira dentro de um processo de formação continuada – e garantia de condições de trabalho. “Se não resolver essas duas coisas, valorização e condições, a gente não vai conseguir caminhar para frente em termos de educação”.

O aumento das escolas militares, do movimento escola sem partido e da educação domiciliar colocaram ainda mais a carreira do magistério em vulnerabilidade, segundo Daniel Cara. “O magistério tem se tornado uma profissão ainda mais vulnerável especialmente com o movimento escola sem partido, da educação cívico-militar, em que acham absurdamente que policiais militares podem ser melhores educadores do que professores. Essas escolas militares são um ataque ao magistério, como a educação domiciliar também é. Se tenta fazer uma oposição tendo de um lado a casa, a família e os pais versus a escola, a sociedade e os professores. Essa é uma tripla oposição de caráter fascista que cria uma enorme desconfiança no exercício do trabalho dos professores. Sem dúvida a desvalorização tem sido maior nos últimos anos graças a essa postura”.

Daniel Cara comentou os dois casos de suicídio ocorridos no último mês entre professores do Estado que trabalhavam em escolas da região, situação mostrada pelo RD (https://www.reporterdiario.com.br/noticia/3166619/) . “Esses dois casos de suicídio demonstram os desafios que nós temos para a garantia de uma educação de qualidade, que obrigatoriamente passa pelos profissionais de educação. Não existe educação de qualidade sem professor valorizado, essa é a chave para garantir a educação de qualidade, porque educação é apropriação de cultura e não existe apropriação de cultura sem atividade do ensino. Não existe aprendizado sem ensino. Por isso é importante ressaltar a relevância dos professores e reconhecer as pessoas que de fato fazem a diferença pelo país”, conclui o docente da USP.

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