Desde que o governo do Estado anunciou a vacinação contra a covid-19 para pessoas com comorbidades, foi iniciada uma corrida desesperada por atestados médicos que provocou suspeitas de fraudes e aumento em 20% no número de consultas com especialistas. Ao RD, possíveis casos de “fura-filas” foram denunciados por profissionais de saúde e pessoas que ainda aguardam sua vez para receber a vacina conforme o Plano Nacional de Imunização (PNI).
Segundo os critérios desta etapa, comorbidades consideradas prioritárias são as que atingem parte significativa da população brasileira, como diabete e cardiopatias. Porém, em alguns casos, como no da hipertensão, a imunização é permitida para os que estão em estágios mais avançados da patologia. A estimativa federal é de que 17,7 milhões de pessoas de 18 a 59 anos se encaixem nesse grupo.
Em Ribeirão Pires, desde que se iniciou esta etapa da vacinação, a prefeitura informa não ter registrado ocorrências de atestados falsificados, no entanto, 15 declarações médicas foram devolvidas por estarem fora do prazo. “Nesse caso, a pessoa foi orientada a pegar uma mais atualizada”, explica a administração em nota, ao lembrar que é necessário que a declaração médica conste o Cid-10 e CRM do médico, além de estar dentro do prazo de um ano de validade.
Mesmo com os critérios exigidos, uma moradora do Jardim Caçula, que preferiu não se identificar, diz estar indignada com as suspeitas de fura-fila na cidade. A reclamante, que vive com os pais, conta que desde o início da pandemia tem estado dentro de casa para impedir o contágio da doença, mas soube de familiares que foram imunizados ao apresentar falsas declarações médicas. “Não chegou minha hora de vacinar ainda, mas tenho primos que não tem nada e se vacinaram com atestado feito por médicos amigos”, conta.
São Bernardo diz seguir o PNI e até quarta-feira (19), pouco mais de 16 mil pessoas foram vacinadas, sob comprovação de condição de risco. No ato da imunização, o paciente passa por triagem e é checado documento que comprova a comorbidade, bem como os de agendamento. São Caetano, que também não contabilizou irregularidades, vacinou 3.069 pessoas, e para a triagem a Secretaria de Saúde faz validação de exame, receita médica e protocolo de agendamento.
Mauá, que vacinou pouco mais de 9 mil pessoas, diz também averiguar relatórios médicos e documentos para a imunização. Já Diadema, apesar de constar 16,3 mil pessoas neste grupo para recebimento da vacina, conforme estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somente 5,1 mil buscaram imunização.
Santo André imunizou, até o momento, pouco mais de 12 mil pessoas com comorbidades de um total de 13,6 mil na faixa etária de 50 a 54 anos e de 13,1 mil de 55 a 59 anos. A Prefeitura diz seguir critérios estabelecidos pelo PNI e não valida atestados. “O cidadão é vacinado desde que apresente relatório médico, exames e se enquadre nas orientações do PNI e do GVE”. Apesar disso, uma moradora que preferiu não se identificar, conta que amigos sem comorbidades conseguiram se vacinar. “Sou de 1977 e até agora não fui vacinada, mas tenho visto ‘amigos’, com mais de 50 anos que pagaram para que médicos fizessem carta e então conseguiram vacinar. Me sinto ridicularizada por uma sociedade onde vale mais dinheiro que dignidade”, reclama.
Aumento de 20% no número de consultas
Desde que essa etapa da campanha de vacinação contra a covid-19 iniciou, o cardiologista Roberto Vasques, do Hospital e Maternidade Brasil, em Santo André, diz ter notado um aumento de 20% na busca pela especialidade. Segundo o médico, principalmente os pacientes com hipertensão, seja por desconhecimento ou má índole, têm buscado mais os consultórios para conseguir atestados médicos. “Alguns pacientes chegam e questionam por falta de conhecimento, mas outros já chegam com o agendamento da vacina feito e só pedem o atestado, mas claro que não é aplicado dessa forma”, explica.
De acordo com o especialista, a elaboração da declaração médica depende do agravamento da patologia que o paciente sofre e requer análise do profissional da saúde. “Não basta simplesmente ter a hipertensão ou alguma outra doença, mas sim se encaixar no quadro de comorbidade como diabete, hipertensão resistente com três ou mais classes de anti hipertensivos ou ser um paciente com lesões de órgão”, explica.
Segundo o médico e professor de cardiologia do Centro Universitário Saúde ABC, Adriano Meneghini, da Faculdade de Medicina do ABC, nesta etapa de vacinação, alguns profissionais da saúde estão sendo coagidos. “A leitura do que saiu do Ministério da Saúde foi de que pessoas hipertensas ou com comorbidades de alto risco entrassem na escala de prioridade da vacinação, mas muitos que não se encaixam na categoria nos procuram já exigindo um atestado médico, inclusive com ameaças”, diz.
O médico explica que cerca de 75% da população brasileira com mais de 55 anos sofre com problemas de hipertensão, no entanto, nem todos se encaixam na lista de prioridades nesta etapa da imunização. “Essa etapa possui muitas falhas, com infinitos pontos fracos, porque de fato temos muitas pessoas com hipertensão. Mas temos também muitos médicos que desconhecem as regras, que acabam cedendo atestados e pacientes que não entendem os critérios de imunização, e isso faz com que haja os famosos fura-filas”, explica.
Confira as comorbidades previstas no grupo prioritário do PNI: