
Tosse comprida, dores musculares, cansaço frequente, dores de cabeça e queda de cabelos são as sequelas mais relatadas pelos pacientes que tiveram covid-19. Os problemas respiratórios são os mais comuns nos relatórios e, como os demais sintomas, demandam acompanhamento médico. Mas o receio de voltar ao consultório, somado à dor pela perda de familiares, deprime os recuperados.
Maria Serafim da Silva, de 58 anos, a dona Cidinha, de Ribeirão Pires, é cadeirante e relaciona a covid-19 com o pior momento da vida, pela dura recuperação e perda da irmã Zilda, enfermeira que contraiu o vírus no trabalho e contaminou os familiares. Muito unidas, as irmãs moravam juntas e gostavam de viajar. Ambas foram internadas quase que ao mesmo tempo: Cidinha por 10 dias no Hospital de Campanha de Ribeirão Pires e Zilda 15 dias hospitalizada em São Bernardo, mas não resistiu.
Cidinha conta que a irmã começou a tossir muito e percebeu que era tosse diferente. Era o começo da doença. “Quando ficou fraca e sonolenta, corremos com ela para o hospital. Logo depois eu comecei a tossir também, e me internaram primeiro na UPA depois no Airton Senna, piorei senti dores no peito, eu enfartei, depois eu não conseguia comer nada, me davam comida batida, mas eu consegui sair, isso era final de maio de 2020. Fui para casa e soube que minha irmã estava mal, no dia que ela faleceu eu nem pude ir ao sepultamento”, relata.
Após superar a doença, Cidinha conta que a recuperação foi lenta, que as sequelas foram bem evidentes, como a queda de cabelos e a perda de paladar e olfato. “Mesmo hoje eu sinto só uns 20% do olfato, outro dia, a moça que me ajuda deixou o arroz no fogo e foi atender a porta, ele queimou e eu só percebi quando a fumaça estava pela casa. Eu também tenho de ter mais cuidado ao preparar as refeições, pois não tenho noção do sal”, conta.

A queda excessiva de cabelos parou depois de um tempo, mas outras sequelas são cansaço e a sonolência. “Sou cadeirante, mas muito ativa, sempre fui, tenho um pouco de dificuldade, preciso me esforçar mais, mas sempre fiz as minhas coisas, porém depois da covid eu me sinto mais cansada, muita sonolência e uma tosse, como um pigarro”, diz a moradora de Ribeirão, que perdeu os movimentos das pernas ainda criança por conta de poliomielite. Apesar dos sintomas, Cidinha não faz acompanhamento médico. “Acho que só voltaria ao médico se estivesse morrendo, penso que já passou, quero viver a vida daqui para a frente”, relata.
Polícia Militar
Jailton de Oliveira Silva, de 54 anos, foi o primeiro caso de covid-19 confirmado na Polícia Militar do ABC. O PM foi diagnosticado com a doença em 9 de abril de 2020 e o caso foi emblemático, pois gerou comoção nos colegas e na comunidade, que fez correntes de oração.
O PM foi internado no Hospital de Clínicas de São Bernardo onde ficou por 16 dias, 10 deles intubado. Depois continuou o tratamento em casa, isolado. A covid-19 foi devastadora na vida do cabo Jailton e na família. Depois de se recuperar, perdeu o pai para a doença.
Hoje o policial conta que está recuperado. “Me sinto 100%”, comenta o PM, que chegou a perder 17 quilos e muita massa muscular. “Levei três meses para recuperar o peso, pois estava bem magro”, diz o cabo da 7ª Companhia do 6° Batalhão, em São Bernardo.
Jailton teve problema na articulação do ombro direito, difícil de superar, mas as sessões de acupuntura resolveram o problema. Porém, o fantasma da tosse comprida volta de tempos em tempos. “No mês passado eu estava tossindo bastante, passou, agora estou bem; ela vai e volta”, comenta o policial que não faz acompanhamento médico, pois diz se sentir muito bem. A marca mais dolorida da covid foi a perda do pai, que se cuidava, mas tinha diabetes e ao buscar tratamento para a doença contraiu a covid. “Como eu já tinha tido a covid passei a cuidar dele, trouxe ele para minha casa, mas não deu, foi muito triste e dolorido”, conta.
A dor que Jailton se refere é igual a de Cidinha e de tantos que perderam entes queridos durante a pandemia. Só no ABC, já são mais de 8 mil mortos pela doença. “Minha irmã era muito guerreira, para mim a maior sequela foi a perda dela, passou um ano e ainda tento me recuperar disso”, diz a moradora de Ribeirão Pires, que tem na tela do seu celular a foto da última viagem que as duas fizeram à Mongaguá, no litoral paulista.
Mas se a covid-19 trouxe uma tristeza, despertou também a solidariedade. No caso de Jailton, ela veio de colegas de farda e de desconhecidos. “Tive muita solidariedade dos colegas, sem palavras para agradecer a todos. Tem muita gente que encontro hoje, que nem conheço, mas que lembra de mim porque me viu nas matérias de jornal ou na rede social e rezou por mim, teve um grupo de oração que foi formado na época e que tinha 20 mil pessoas, isso não tem preço”, conta. O cabo da PM diz que hoje vê a vida de outra forma. “Hoje eu enxergo a vida como nova oportunidade que me foi dada, sou menos precipitado, mais calmo”, reflete o policial, que já pensa no que fará da aposentadoria que está próxima. “Quero investir em um motor-home, pegar a esposa e viajar, aproveitar a vida”, afirma.

Acompanhamento
Para o médico pneumologista e professor da Faculdade de Medicina do ABC, Elie Fiss, as principais sequelas estão relacionadas ao aparelho respiratório e não são vistas apenas em pacientes pós-covid-19. São observadas em qualquer infecção respiratória, até o vírus da Influenza, a gripe, pode deixar sequelas. Segundo o especialista, o acompanhamento médico não pode ser deixado de lado, mesmo após a cura.
Fiss explica que há uma lista de sequelas relatadas para a covid-19 que vai desde problemas neurológicos, como dor de cabeça insistente, manutenção dos sintomas como falta de olfato e paladar, perda de massa corporal, queda de cabelos e cansaço frequente. Mas os mais comuns são os danos pulmonares relacionados ao novo coronavírus.
“Os pacientes têm de ter o acompanhamento e o médico poderá receitar algum remédio para cuidar da tosse persistente”, diz. O pneumologista descarta que as sequelas podem estar ligadas ao tempo de internação ou medicação. “É da doença mesmo, pois até os efeitos dos corticoides podem ser revertidos. No caso da tosse é sinal de algum comprometimento no pulmão e esse paciente tem de ser tratado como paciente que tem asma, por exemplo, que fica um tempo sem sintomas depois eles voltam”, comenta.
Um problema grave que Elie Fiss aponta é justamente o receio de voltar ao médico e fazer o acompanhamento pós-covid. “O paciente não pode deixar de fazer o acompanhamento, um dos maiores problemas tem sido justamente o medo do atendimento médico”, afirma.