Levantamento da Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) revela que o saldo entre o número de empresas abertas e fechadas no ABC, nos primeiros cinco meses de 2020, é positivo, mesmo com a pandemia. O surgimento de novas empresas na região, porém, foi menor do que no mesmo período do ano passado, já com a influência da covid-19. Para o economista Lucio Flávio da Silva Freitas, os números ainda não mostraram o impacto da doença, que deve crescer nos próximos meses.
De acordo com os números da Jucesp, de janeiro a maio, 2.313 empresas foram encerradas no ABC e 4.406 abertas, um saldo positivo de 2.093. No mesmo período do ano passado, 3.390 empresas deixaram de existir e 6.279 foram abertas, o que resultou em um saldo positivo de 2.889 novas empresas instaladas na região. No ano passado, a Jucesp registrou a abertura de 222.699, o maior número de empresas abertas no Estado em 20 anos.
Para o professor de economia da Escola de Negócios da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Lucio Flávio da Silva Freitas, os números da Jucesp foram surpresa. “O que temos visto é muita gente fechando, quebrando, talvez não tenha dado tempo suficiente para essa situação refletir nos números”, aponta o economista. De fato, a Jucesp ainda não contabilizou o número de encerramento das empresas em junho, o terceiro e mais crítico mês desde o início da pandemia. “Os comerciantes adiaram o fechamento, claro ninguém quer fechar. No primeiro mês deram férias, no segundo mês (maio) o governo sinalizou com medidas para auxílio, ou seja, uma crise mais ou menos controlada. Mas os números da crise vão surgir ainda, os números nacionais já mostram isso, o PIB (Produto Interno Bruto), por exemplo já caiu”, comenta.
Mesmo com os números da Jucesp ainda positivos, o economista da USCS considera que, se analisado somente o número de empresas abertas de janeiro a junho deste ano com o mesmo período do ano passado, já se enxerga uma queda de 2,8 mil empresas. “Isso é a pandemia. O número menor de empresas encerradas teria ocorrido porque empresas e governo adiaram o efeito negativo e há também as dificuldades e custos de encerramento”, aponta.
Imóveis
Os números da crise do fechamento de empresas também ainda não chegaram ao setor imobiliário. Para o vice-presidente da Acigabc (Associação das Construtoras e Imobiliárias do Grande ABC), Roberto Casari, o mercado ainda está aquecido e aproveita o impulso que teve no segundo semestre do ano passado. “Não temos um número para aferir, mas o que sentimos no mercado é que houve muita renegociação. O proprietário sabe que, se o inquilino sair, não saberá quando vai conseguir outro”, avalia o empresário que dirige a Casari Imóveis.
“Na Casari mesmo tivemos muitas negociações. As áreas mais afetadas são aquelas onde há grande concentração de comércio popular, mas ainda assim a maioria não entregou as chaves do imóvel, tentou trabalhar de alguma forma, com o e-commerce; as vendas online cresceram absurdamente e as pessoas aprenderam um novo jeito de comprar”, analisa Casari que aposta num mercado ainda aquecido quanto à locação de imóveis comerciais. “O espaço comercial é limitado e há sempre muita procura, vinha crescendo há um ano e depois da pandemia é que vamos medir, por enquanto, vejo que ainda está aquecido”, analisa. O saldo também é menor se comparado os dois períodos.
Pressionados pelas dívidas, comerciantes desistem do negócio
Enquanto os números oficiais da Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) ainda não mostram que muitas empresas quebraram durante a pandemia da covid-19, para quem apostou tudo o que tinha na realização de um sonho padece com o desapontamento e com as dívidas que ficaram após serem forçados a encerrar suas empresas.
Em Diadema, o proprietário da lanchonete Gregão, que ficava na rua Sílvio Donini, no Centro, precisou fechar as portas após pouco mais de um ano de atividade. O comércio, que era um sonho do jornalista e professor Sérgio Pires, teve de ser interrompido ainda no início da pandemia, já que sem as vendas presenciais os custos se tornaram insustentáveis.
O negócio, que comercializava churrasco grego e shawarma – espécie de sanduíche árabe -, foi pensado ainda em 2018, quando Pires decidiu que queria mudar de área e investir na ideia. “Saí do jornalismo, resolvi caminhar com as próprias pernas. Fiz algumas pesquisas em 2018 e uma consultoria com um chefe sírio sobre a verdadeira receita do shawarma”, explica.
Após passagens por jornais do ABC e Capital e 10 anos em assessoria de imprensa, o profissional inaugurou a loja na rua Silvio Donini, em janeiro de 2019. “Estávamos com uma boa clientela, mas, com a covid-19 ficou insustentável continuar”, diz. O jornalista conta que, por causa do tamanho do espaço, e das doenças respiratórias da família, que trabalhava no estabelecimento, a melhor alternativa foi fechar. Já que as entregas via aplicativo representavam apenas 10% das vendas, os custos se tornaram inviáveis para o proprietário. “Tentei uma linha de crédito em vários bancos para fazer capital de giro, mas ineriortodos negaram”, relata.
Para salvar o comércio, Pires conta que teria de investir em outro mercado, o que de qualquer forma exigira grandes gastos. “Não compensava, vi que era muito arriscado”, conta. Dentre os maiores motivos e dificuldades que fizeram com que o proprietário fechasse o comércio, a instabilidade do mercado, o risco da doença e a burocracia dos bancos foram os principais. “Tudo que é divulgado na televisão sobre créditos para o comércio não chega para os pequenos. Exigem uma documentação absurda e com taxas de juros nas nuvens. Então resolvi parar de vez, caso contrário poderia contrair dívidas enormes”, finaliza.
Enquanto Pires resolveu parar antes de acumular dívidas, o mesmo não aconteceu com João – nome fictício de empresário do ramo de beleza de Rio Grande da Serra. João está em processo de negociação com a imobiliária responsável pelo aluguel do espaço, já que não é mais possível seguir com o empreendimento aberto. Conta que os trabalhos feitos durante a pandemia não foram suficientes para dar conta das dívidas.
Após cinco anos de atividade no ramo, durante a pandemia, João passou a abrir o salão apenas duas vezes na semana e realizar atendimentos com preços até 75% inferiores, para conseguir arcar com as pendências financeiras. “Para entregar o salão preciso regularizar todas as minhas dívidas, já paguei R$ 4 mil, além da multa rescisória no valor de R$ 4,5 mil”, desabafa. João também conta que não tem expectativas de um dia reabrir o negócio.
A única técnica feita no momento pelo especialista em estética é a micro pigmentação de sobrancelhas, que antes custava R$ 400, mas precisou ter o valor reajustado para R$ 100. “Precisei abrir mão de procedimentos baratos porque não dão conta dos custos”, explica. Outra forma que João encontrou para manter o sustento foi atender em outros salões da região. “Tenho colegas de profissão que estão desesperados. Ninguém está feliz em reabrir, está todo mundo quebrado”, completa.
(Colaborou Ingrid Santos)