ABC - sábado , 18 de maio de 2024

Equipe de transição de Lula monta arsenal de propostas para novo governo

As equipes de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entregam, nesta quarta-feira (30/11), o primeiro relatório elaborado pelos grupos técnicos de cada área. O pacote reúne propostas de socorro financeiro imediato a áreas sensíveis, como saúde, segurança pública e educação, e ações de curto e médio prazo, como a suspensão de atos que permitam a prescrição de multas ambientais, a paralisação de venda de ativos da Petrobras, a interrupção de privatizações como a da Dataprev e a criação de um marco legal para regular a internet.

Também está nos planos do futuro governo lançar já em 2023 um recenseamento dos caçadores, atiradores esportivos e colecionadores de armas (CACs), grupo que cresceu por incentivos do governo de Jair Bolsonaro e até elegeu membros para o Congresso. A proposta é mapear as armas que foram adquiridas legalmente por esses civis e acabaram desviadas. A reportagem levantou as principais ações que serão anunciadas em ao menos 12 grupos temáticos.

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A falta de recursos e o apagão administrativo marcam os fatores mais presentes na maior parte dos diagnósticos. Há preocupação para que medidas de efeito imediato sejam tomadas para resolver o rombo de contas em aberto ainda neste ano e que não têm previsão de pagamento, além de débitos esperados já no início de 2023. Nesta situação estão itens como a compra de vacinas contra todo tipo de doença, combustível para viaturas da Polícia Federal e livros didáticos do ensino básico.

Em entrevista, o médico sanitarista Arthur Chioro, coordenador da equipe da Saúde, disse que a área precisa de R$ 22,7 bilhões para que cumpra apenas aquilo que é primordial. Além do orçamento, o documento vai cobrar a reestruturação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), para que as campanhas ganhem novamente a confiança da população.

Na Educação, os integrantes do grupo temático vão incluir pedidos de verba para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e para as universidades e institutos federais, por exemplo. O PNLD chegou a sofrer um bloqueio de R$ 796,5 milhões neste ano. Parte do material previsto pelo Ministério da Educação para estudantes do 1.º ao 5.º ano pode não chegar a tempo do início do ano letivo de 2023.

O documento específico sobre o orçamento da área compilado pelo PT aponta o estrangulamento de áreas cruciais. Segundo o texto, há “grande queda de orçamento em relação a 2022, como o apoio à manutenção da educação infantil (de R$ 102,2 milhões para R$ 2,6 milhões) e o apoio à implantação de escolas de educação infantil (de R$ 111 milhões para R$ 2,5 milhões)”.

Na área do meio ambiente, por exemplo, o que se pretende é suspender o efeito de decretos e portarias editadas tanto pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o atual, Joaquim Leite, quanto pelo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim. O entendimento da equipe é que as normas não apenas emparedaram a fiscalização ambiental, como pressionaram os agentes ambientais e permitiram que infratores deixassem o processo correr, sem consequências.

A transição ainda não tem clareza sobre qual é o número exato de multas que estão prestes a prescrever, em qual prazo nem qual o valor total. A equipe quer ainda revisar o programa “Adote um Parque”, que foi lançado por Salles, como forma de retirar unidades de conservação ambiental das mãos do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e repassá-las para a iniciativa privada.

Há emergência, ainda, em áreas como a de energia, para evitar que a venda de ativos pela Petrobras avance ainda neste ano, sem que o governo eleito possa fazer qualquer análise prévia dos negócios.

Já o grupo técnico de Comunicações vai apresentar sugestão de regulação das mídias digitais. A informação foi confirmada pelo ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo. “A gente acha que tem que ter alguma medida regulatória para as plataformas digitais, sobre temas como o uso, os direitos das pessoas, a responsabilização por problemas que haja, como fake News, por exemplo”, comentou Paulo Bernardo. A proposta será submetida ao Congresso.

Para organizar o trabalho, a transição montou um roteiro que deverá ser cumprido até o fim da mudança de governo. A reportagem teve acesso a um manual que aponta prazos para entrega de relatórios, indica diretrizes de trabalho e faz recomendações sobre como lidar com a imprensa.

Os documentos são preliminares e servirão para nortear o início dos trabalhos do futuro governo Lula. Após este primeiro relatório, as equipes temáticas terão de apresentar seus pareceres finais até o dia 11 de dezembro. O PT ainda não definiu a data para encaminhar esses documentos aos futuros ministros.

O manual da transição indica que os pareceres terão alertas identificados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e por outros órgãos de controle. Na semana passada, a Corte encaminhou relatórios à transição com cenários de diferentes áreas do governo.

O TCU alertou a equipe de Lula de que o governo Bolsonaro deixou o Sistema Único de Saúde (SUS) em situação com “indícios de insustentabilidade” e nem sequer tem dados básicos, por exemplo, sobre a cobertura vacinal contra covid-19. A precariedade dos dados fez com que a Corte de contas informasse ao grupo de transição que não foi possível nem avaliar o cumprimento de metas de imunização.

O manual recomenda que sejam indicadas “eventuais revogações de atos normativos”. Para o relatório do dia 11 de dezembro, há um pedido para que os grupos indiquem contratos que vencem até 30 de abril de 2023 e que há risco de paralisação de serviços.

O documento tem um trecho dedicado à relação com a imprensa. “Recomenda-se fortemente evitar compartilhar com a imprensa questões preliminares, que demandem decisões políticas e outras de natureza sensível”, diz o manual.

Principais mudanças sugeridas

Propostas que farão parte do relatório de 12 grupos de trabalho

Meio ambiente

– Suspensão das regras de multas ambientais que têm permitido a prescrição de milhares de infrações

– Revisão do programa “Adote um Parque”, que privatiza unidades de conservação ambiental

– Novo organograma do Ministério do Meio Ambiente, com retomada do Serviço Florestal Brasileiro (SFB)

Saúde

– Recomposição de orçamento de R$ 22,7 bilhões para atender necessidades emergenciais

– Retomada do programa Farmácia Popular, Saúde Indígena e de provisão de médicos na atenção primária e residências

– Compra de vacinas contra a covid e reestruturação do Programa Nacional de Imunização (PNI)

Educação

– Pedido de verba para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

– Recomposição do orçamento de universidades e institutos federais

– Possibilidade de revogação de decretos de Bolsonaro ligados ao Programa das Escolas Cívico-Militares e à Política Nacional de Educação Especial

Cultura

– Destravar acesso a recursos da Lei Rouanet

– Reativar fundo de incentivo ao setor audiovisual

– Recompor a estrutura do Ministério da Cultura, transformado em secretaria por Bolsonaro

Segurança Pública

– Revogação de decretos de Bolsonaro que facilitaram acesso a armas de fogo

– Recomposição imediata de recursos para Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, para serviços básicos de passaportes e operações

– Retomada do projeto “Guardiões das Fronteiras”, com repasse de recursos aos Estados para manter efetivo em bases na região amazônica

– Pagamento ao fundo penitenciário nacional devido aos Estados, relativo a 2022

Minas e Energia

– Rever plano de venda de ativos da Petrobras

– Revisar política de preços de combustíveis da Petrobras

– Cancelar projetos de usinas térmicas que foram incluídas em texto “jabuti” na lei de privatização da Eletrobras

– Cancelar proposta para construção da rede de gasodutos (Brasduto)

Comunicações

– Sugerir processo de regulamentação da internet, com abertura de consulta pública e elaboração de texto a ser enviado ao Congresso

– Redução de taxas de serviços cobrados na área de telecomunicações

– Separar novamente as empresas EBC e NBR, hoje unidas em TV Brasil

– Retirar Correios e EBC da lista de metas de privatização

Cidades

– Reativação do programa Minha Casa Minha Vida, incluindo a faixa 1

– Reformulação de políticas internas da Caixa Econômica Federal para descentralizar gestão de projetos na área de habitação

Agricultura

– Redução de taxas de juros do Pronaf (agricultura familiar), Pronamp (médios) e Inovagro (financiamento de programas de inovação e qualificação profissional

– Criação de linhas de crédito para produtores comprometidos com metas de recuperação ambientais

– Redução de juros a produtores que promovem produção com baixa emissão de carbono

– Redução de taxas para financiamento de tratares e colheitadeiras

Trabalho

– Retomar a estrutura do Ministério do Trabalho

– Acabar com projeto Carteira Verde e Amarela, que tramita no Congresso

– Revisar a reforma trabalhista de Michel Temer e o “trabalho intermitente”, aquele que é prestado de forma esporádica

Previdência

– Retirar a estatal Dataprev da lista de privatizações

– Fortalecer a área de tecnologia da informação do órgão que administra as aposentadorias

– Zerar a fila de pedidos do INSS, que hoje chega a cerca de 2 milhões de pessoas

Transparência, Integridade e Controle

– Analisar os sigilos de 100 anos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro

– Apresentar projetos para aperfeiçoar mecanismos de controle e combate à corrupção nas estruturas do governo federal e estatais.

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