
O racismo, infelizmente, ainda persiste no Brasil, mas a luta contra essa violência tem se intensificado ao longo dos anos. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostram que, entre 2023 e 2024, o número de denúncias no Estado de São Paulo saltou de 125 para 905, um aumento de mais de 600%, e em 2025 já são 222 denúncias até então. No ABC, no entanto, os números continuam baixos, com apenas nove registros em 2024 e um caso em 2025, o que reflete a falta de mobilização e confiança para denunciar, apesar do crescente empoderamento da população.
No ano retrasado, a região registrou apenas oito denúncias de racismo entre as sete cidades, sendo sete casos em Santo André e um em São Bernardo. Já em 2024, o número de ocorrências registradas subiu para nove: quatro em São Bernardo, duas em Santo André, duas em Mauá e uma em Diadema. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não reportaram nenhum caso, de acordo com o levantamento do Ministério.
Para João Moreira, o Mestre Pelé, coordenador do GT de Igualdade Racial no Consórcio ABC, o aumento nas denúncias é reflexo do empoderamento da população. “As pessoas começam a perder o medo e se sentir mais seguras para fazer denúncia. O trabalho de conscientização e as campanhas de luta têm sido essenciais para isso”, comenta.
Segundo Moreira, as campanhas de conscientização promovidas pelas prefeituras e ouvidorias têm sido fundamentais não apenas para mapear e combater o racismo, mas também para conscientizar a população sobre o problema estrutural que ainda persiste no país. “Precisamos garantir que as pessoas saibam para onde ir e se sintam protegidas ao fazer suas denúncias. Isso requer uma mudança cultural profunda e constante no enfrentamento ao racismo”, afirma.
Batalha permanente
Em entrevista ao RD, o coordenador do GT avalia que o racismo no ambiente escolar continua sendo uma das formas mais frequentes de discriminação, e a educação é um dos setores mais desafiadores para a implementação de políticas antirracistas. Apesar de iniciativas como eventos culturais e de conscientização, Moreira acredita que as escolas ainda refletem de forma intensa o preconceito racial. “É um campo que precisa de mais atenção e investimento. Precisamos de políticas que garantam a inclusão e o respeito racial dentro das escolas”, diz.
Exemplo é o caso ocorrido em maio do ano passado, quando alunos da Escola Municipal Ângelo Raphael Pelegrino, em São Caetano, denunciaram racismo por partes de colegas de turma e professores. Em um dos episódios, um estudante relatou que a professora impediu que ele pintasse a pele de um personagem com um lápis da cor que ele se identificava, forçando-o a refazer a pintura com um lápis bege.
Outro caso de racismo – este fora da escola – ocorreu em fevereiro deste ano no bairro Rudge Ramos, em São Bernardo, onde um adolescente de 12 anos foi alvo de comentários racistas de uma criança dentro de um elevador. A mãe da menina, que estava ao lado, não reagiu à situação, o que agravou o episódio.
Diante dessa realidade, o GT de Igualdade Racial busca fortalecer a luta contra o racismo ao reunir as cidades para ampliar os canais de comunicação com a população com ações e espaços de escuta. Entre as conquistas do GT, estão as conferências regionais realizadas periodicamente no Consórcio ABC e eventos com movimentos negros e indígenas, como o Dia do Capoeirista e o Dia dos Povos Indígenas. “Em um desses eventos, conseguimos reunir mais de 1.200 pessoas que não conheciam o Consórcio e hoje sabem do trabalho que realizamos”, afirma Moreira ao destacar que o principal objetivo é sensibilizar a sociedade e dar visibilidade às questões raciais.
Como denunciar casos de racismo?
Casos de racismo e injúria racial podem ser denunciados em delegacias, pela internet e pelo telefone. Embora muitas vezes as práticas racistas se camuflem em situações cotidianas, a vítima tem o direito de denunciar qualquer forma de ultraje, constrangimento e humilhação, independentemente de estarem ou não claramente evidentes.
Uma cartilha do Ministério da Justiça e Cidadania lista as principais ações cometidas por agressores, incluindo:
- Apelidar pessoas de acordo com características físicas e a partir de elementos de cor e etnia
- Inferiorizar características estéticas da etnia
- Considerar a vítima inferior intelectualmente por causa da etnia
- Ofender verbal ou fisicamente a vítima
- Desprezar costumes, hábitos e tradições da etnia
- Duvidar da honestidade e competência da vítima sem provas
- Recusar-se a prestar serviços a pessoas de diferentes etnias
- A legislação brasileira define punições específicas para cada situação. Cabe ao delegado e ao promotor avaliar cada caso e indicar se a lei se aplica naquela situação.
Se o crime estiver acontecendo no momento, a vítima pode chamar a Polícia Militar pelo Disque 190. Caso o crime já tenha ocorrido, é importante procurar a autoridade policial mais próxima para registrar a denúncia, relatar os detalhes do caso e fornecer nomes e contatos de testemunhas. As secretarias de Assistência Social dos municípios também estão disponíveis para receber denúncias.