Apesar de audiências públicas terem sido realizadas em janeiro deste ano para detalhar à sociedade civil o projeto da linha 20-Rosa, do Metrô, para o ABC, ainda há muitas informações pendentes sobre o projeto. Urbanistas apontam entraves, problemas com o meio ambiente durante e após a obra e a necessidade de muitas intervenções por parte dos municípios que sequer começaram a serem debatidas.
Quando pronta, a linha 20-Rosa será a primeira que os trilhos do Metrô saem da Capital, como também era a pretensão da linha 18-Bronze, que começou a sair do papel, mas foi abortada e substituída pelo BRT (sistema de corredor de ônibus que está em construção), que está em construção. A linha vai ligar a Lapa, no oeste da Capital, a Santo André e São Bernardo.
A expectativa é que a linha seja concluída após 2030, para transportar cerca de 1,3 milhão de pessoas diariamente. Serão 24 estações e 31,1 km de extensão, numa conexão com oito linhas do sistema metroferroviário.
O professor Enrique Staschower, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da Fundação Santo André, e integrante do Condephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Santo André) analisou o projeto da linha e viu alguns problemas, nas áreas de meio ambiente, drenagem urbana, patrimônio histórico e até do ponto de vista da engenharia envolvida nas obras. Essas situações foram questionadas ao Metrô e ainda estão sem respostas.
O professor diz que algumas coisas preocupam. “Primeiro que a obra vai cruzar o Ribeirão dos Meninos em uma região conturbada da rua Afonsina no bairro do Rudge Ramos. Ali já tem o córrego, tem o BRT que está em construção e tem uma ponte que alaga. O BRT, que está 60% em obras, já impermeabiliza a lateral do córrego, com isso a água vai correr com mais velocidade e chegar mais rápido ao rio, com potencial de enchentes. A estação ali, pelo projeto, vai ficar seis metros abaixo do nível da calçada então pode alagar”, aponta o arquiteto e urbanista da FSA.
Staschower aponta ainda que o Ribeirão dos Meninos foi retificado e a estatística dos desastres geológicos em obras do Metrô acontecem junto a áreas com solo instável, como aconteceu na Marginal do Tietê. “O pátio de manobras está previsto para ser feito no terreno da velha Rhodia, que hoje passa por obras e o terreno está sendo alteado e tem o córrego junto à Estação Santo André que alaga. Então, o trem já tem problemas e o Metrô vai comprar mais problemas”, analisa.
O urbanista apontou ainda problemas com o patrimônio, um deles é a Casa Amarela, que fica no terreno da FSA e que é tombada, outro é a Casa do Expedicionário na mesma região da avenida Príncipe de Gales, há ainda a Villa Rosa uma residência na região Central com construção dos anos 1930 e, por último, o Fórum andreense e a praça IV Centenário. O professor cita também a própria Rhodia onde se planeja implantar centro tecnológico e que não é imóvel tombado, mas tem sua importância histórica para a indústria dos anos 1950.
Para Staschower, o Metrô tem de conversar não só com o Condephaapasa, mas com o Consórcio Intermunicipal, afinal haverá duas cidades diretamente atingidas pelas obras e os impactos vão ocorrer em todas as áreas. “O Conselho não tem poder de cobrar providências, é apenas consultivo, mas podemos recorrer ao Ministério Público, já os prefeitos podem ter um diálogo maior. É tentador para qualquer prefeito viabilizar uma obra dessa magnitude e não vão querer criar problemas. Vejo que os políticos enxergam janelas de oportunidades, mas não pedem explicações, por isso vejo certa leniência, até o momento, das cidades”, completa.
O também arquiteto e gestor do curso de Arquitetura e Urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Enio Moro Júnior, também considera que mais audiências devem ser feitas. As duas feitas na região, em janeiro deste ano, tiveram participação pequena. “As cidades não têm planejamento nenhum, não se sabe o traçado exato, precisa de um projeto funcional, para definir a profundidade da linha, a localização, as desapropriações que serão feitas. Eu espero que essa licitação para os projetos sejam prioridades do governo. Teremos novos governos a partir de janeiro e vejo que a linha 20-Rosa deveria ser uma agenda de primeiro mês de governo, porque a parte técnica é do Metrô, mas os impactos nas cidades serão de responsabilidade total dos prefeitos”, aponta.
Na avenida Portugal, em Santo André, por exemplo, onde se prevê uma das seis estações da linha no ABC e uma das três em território andreense, o urbanista da USCS, prevê profundas mudanças, isso porque a linha de Metrô atrai diversos investimentos imobiliários, mais comércio e toda uma nova estrutura pública para a região afetada. “Eu recomendaria audiências públicas nas escolas, nas unidades de saúde, seria um bom momento para os municípios serem protagonistas, como nunca nestes 50 anos de Metrô, já que é primeiro trecho fora da Capital”, avalia Moro Júnior.
O professor da USCS, diz que, apesar do longo tempo de espera pela obra, dos impactos da construção e a operação da linha, o ABC não pode perder essa oportunidade, tal qual como aconteceu com a prometida linha 18-Bronze que chegou a ter projeto contratado, mas foi substituída pelo BRT. “O sistema de transporte no ABC já está colapsado, temos muitos exemplos de transporte de maior capacidade, como o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e o Metrô. O ABC não pode esperar mais”, completa.
Escolhido pelo prefeito eleito, Marcelo Lima (Podemos), como o futuro secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, o ex-vereador Rafael Demarchi, já prevê desdobramentos no zoneamento da cidade, impactos na economia e no setor público da construção da linha de Metrô. “É o sonho da cidade há muitos anos ter o Metrô e enfim está chegando. A ideia é aproveitarmos essa gestão para que, juntos com o governador, a gente faça essa linha sair do papel agora que saiu a licença da Cetesb e a gente inicie agora neste mandato do Marcelo. É fundamental a gente analisar o impacto para planejarmos novos centros comerciais que vão surgir, que vias vão ser mudadas”, prevê.
Demarchi terá nas mãos a gerência de grande parte do planejamento para as mudanças, já que a cidade pode ter mudanças em eixos comerciais, um boom no mercado imobiliário, valorização de áreas e a necessidade de investimento público. “Isso mexe muito com a mobilidade, mas muito com a minha Pasta também, principalmente onde passar a linha do Metrô devem surgir mais comércio. Além do comércio a gente passa a ser um atrativo para empresas pela facilidade de mobilidade. Intenção é um plano de zoneamento e já incluir a passagem da linha Rosa do Metrô pelo fomento ao comércio e as moradias em volta”, destaca.
O futuro secretário de Desenvolvimento de São Bernardo diz que é uma boa prática a realização de audiências públicas para balizar as ações que o município tomará à partir do projeto da linha do Metrô. “Isso deve ser feito principalmente nas regiões e ruas que serão diretamente impactados”, resume.
Metrô
Em nota, o Metrô sustenta que o primeiro projeto da linha 20 está em fase de contratação. “O Metrô está na fase final de contratação do Projeto Básico da Linha 20-Rosa. Este é o projeto mais importante para a implantação de uma linha metroviária devido a precisão de informações técnicas necessárias para a contratação da obra futura. Esse estudo também é responsável por subsidiar a definição do modelo econômico de implantação da linha, que inclui a contratação das obras, possibilitando também o estabelecimento de um cronograma de implantação. Além desta etapa, o Metrô obteve em setembro deste ano a Licença Ambiental de implantação da linha, que incluiu a realização de três audiências públicas em todos os municípios integrados pelo projeto. Nas audiências, foi apresentado o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), que considera todos os eventuais impactos e apresenta alternativas para minimizar os efeitos, bem como as compensações. O projeto também foi explicado para a população presente, ampliando a transparência e recebendo contribuições da sociedade civil”, diz o comunicado do Metrô.
Já a Secretaria de Parcerias e Investimentos do governo do Estado diz que a linha 20-Rosa está qualificada no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI-SP) e atualmente está em fase de estudos conduzidos pelo Metrô de São Paulo. “A futura linha vai conectar a região da Lapa, na zona oeste da capital, ao município de Santo André, passando por diversas regiões estratégicas da Grande São Paulo, como o centro da Capital e o eixo metropolitano do ABC. O PPI-SP inclui a implementação das Linhas 19-Celeste, 20-Rosa e 22-Marrom de metrô. Por meio de parceria público privada (PPP), o projeto prevê serviços de expansão, operação e manutenção de linhas associados à avaliação de estratégias para participação do setor privado. O ativo vai expandir a capacidade de atendimento do sistema metroviário na Região Metropolitana de São Paulo. Atualmente, o Metrô conta com 101,1 km de linhas de trilhos já existentes e 35,8 km de extensões de linhas consideradas prioritárias”, diz nota da pasta.