ABC - domingo , 1 de dezembro de 2024

Professor de escola pública de São Caetano manda aluna autista “se lascar”

EMEF Senador Flaquer, no bairro Fundação, em São Caetano. (Foto: Google)

Em novo caso de discriminação em escola pública de São Caetano, um professor de geografia mandou uma aluna de 13 anos de idade e que é autista “se lascar”. Não foi a primeira vez que o professor não respeita a dificuldade maior da aluna e a diminui diante dos colegas de classe. A Seduc (Secretaria de Educação de São Caetano) diz que está ciente do caso, mas não afastou o professor. No ano passado um estudante também de escola pública da cidade foi vítima de racismo e os pais tiveram que se movimentar para que providências fossem tomadas.

A mãe da criança, Fernanda Feliciano dos Santos, disse que no ano passado, logo depois que sua filha começou a estudar na Escola Municipal de Ensino Fundamental Senador Flaquer, no bairro Fundação, ela ficou diferente, perdeu interesse na escola e dizia que não queria mais ir. “Quando eu conversei com a coordenadora na Seduc, ela me disse que isso não iria acontecer mais, só que nunca parou. Na semana passada, durante uma atividade de leitura, o professor disse o seguinte: ‘pode encerrar a leitura porque de você não vai sair nada’. Isso desencadeou grande crise de choro em minha filha e ela foi para a sala da psicóloga. Outro dia o professor mandou ela ‘se lascar’ só porque esqueceu um caderno”, relata a mãe.

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E os episódios de discriminação, só porque a menina tem mais dificuldade de aprendizado não pararam por aí. Segundo a mãe o professor tomou o notebook da criança e a fez ler o livro, só que ela tem problemas de visão e não consegue ler o tamanho das palavras no livro. “Ela não conseguia rotear o celular para o notebook, ela não sabe fazer isso, e ele tomou o aparelho e disse para ela ler no livro, mas minha filha não enxerga”, relata a mãe.

Fernanda disse que conversou com a coordenadora da Seduc e comunicou que a criança não iria mais participar das aulas dele. “Isso está fazendo mal para minha filha, eu lutei muito para ela ser o que é hoje, então eu quero distanciamento desse professor então no dia que tem aula dele ela não vai. Se nada for feito eu pretendo procurar a justiça”, completa a mãe.

Em nota, a Secretaria de Educação de São Caetano diz estar ciente da situação e destaca que a estudante bem como o professor são monitorados, porém a pasta não respondeu se o professor sofrerá algum tipo de penalidade. “A Secretaria Municipal de Educação agradece o relato feito em nome da família da estudante da EMEF Senador Flaquer e informa que está a par de toda a situação. Reiteramos nosso compromisso com o respeito a todos os estudantes. Asseguramos que o professor Fabiano Pádua foi devidamente orientado em relação à sua conduta, e estamos atentos ao caso para que todas as medidas cabíveis sejam tomadas. Em relação ao acolhimento da aluna, a escola conta com uma equipe dedicada e recursos para oferecer o apoio emocional e pedagógico de que ela precisa, reforçando nosso compromisso com uma educação inclusiva”, diz o comunicado.

A Seduc diz ainda que há um constante treinamento para que os professores saibam lidar com as diferenças. “É importante ressaltar que a Secretaria Municipal de Educação realiza capacitações contínuas para que nossos educadores estejam sempre preparados para lidar com as diferenças e para promover um ambiente de aprendizado seguro e acolhedor para todos. Além disso, a escola conta com o planejamento de atividades de conscientização com os alunos, promovendo o respeito e a empatia entre todos. Estamos acompanhando o caso e à disposição para elucidar quaisquer dúvidas adicionais. Seguiremos atentos ao bem-estar da aluna e ao ambiente acolhedor que prezamos para todos”, conclui a secretaria em sua nota.

Casos

Esse não foi o único caso de discriminação em escola de São Caetano. Em setembro de 2023 o menor Matheus Santos de Jesus, na época com 12 anos, foi vítima de racismo. O menino, ouviu comentários racistas de colegas na hora do lanche; “Matheus, você está comendo? Nem parece africano”, disse um dos alunos. Foi feito boletim de ocorrência que gerou um inquérito policial. O caso ganhou repercussão quando os áudios da crianças implorando para sair daquela escola foram para as redes sociais. A prefeitura alegou na ocasião que estava acolhendo a criança que depois foi transferida de escola.

Para a advogada Renata Valera, acostumada a causas relacionadas a crianças com autismo, seja na área da educação ou da saúde, diz que a atitude do professor fere o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). “O ECA  estabelece no artigo 53 que as crianças têm direito á educação de qualidade e com dignidade. Nesse sentido, qualquer comportamento que não contribua para atingir esse objetivo viola o estatuto. A lei garante o direito ao respeito e à dignidade, sendo dever dos profissionais de educação respeitar e apoiar os alunos, especialmente os que têm necessidades específicas”, analisa.

Para a advogada, o caso de São Caetano pode ser alvo de representação ao Ministério Público. “O MP atua no interesse coletivo e individual das crianças e adolescentes. Então, em casos de necessidade de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, o MP pode ser acionado e auxiliar na melhor resolução da situação. Para os casos coletivos, o ministério tem um trabalho muito interessante realizado pelo Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação) atuando, inclusive, na prevenção de casos que violem os direitos dos educandos”, aponta Renata Valera.

Para a advogada acostumada a questões relacionadas a crianças autistas, quando há mais de um caso em um sistema, isso pode significar um despreparo da equipe. “Casos recorrentes de discriminação podem refletir tanto um despreparo dos profissionais para atuar com alunos com necessidades especiais quanto uma possível falha na gestão da educação. É preciso que o sistema educacional brasileiro tenha estrutura para receber educandos com necessidades especiais não apenas preparando os professores, mas também fornecendo auxílio a eles. Muitas crianças com TEA necessitam do apoio contínuo de um A.T. (Acompanhante Terapêutico) para mediar a socialização, ensinar de acordo com as necessidades especiais daquele educando, ajudando o aluno a desenvolver suas habilidades e superar obstáculos que outros alunos não possuem. O AT auxilia na adaptação social, na integração em ambientes desafiadores e no fortalecimento da autonomia da pessoa com TEA.

Além disso, o A.T. contribui para evitar situações que possam gerar exclusão ou discriminação, pois pode orientar os demais alunos sobre a importância da inclusão e ajudar na construção de um ambiente mais empático e acolhedor”.

Renata aponta ainda que o município, no caso específico deve fazer uma rigorosa apuração dos fatos. “O Município, nos procedimentos de exoneração, precisa respeitar o devido processo legal e o contraditório através de um processo disciplinar administrativo antes de exonerar qualquer servidor estável. Vê-se que a prefeitura pode ser omissa ou leniente com suas obrigações caso não instaure um procedimento para averiguação dos fatos e, ficando provada a conduta do agente público, exonerá-lo”, conclui.

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