ABC - segunda-feira , 10 de fevereiro de 2025

Medidas protetivas são violadas; rede de proteção à mulher está incompleta

Delegacia de Defesa da Mulher de Santo André, que mudou de endereço para um prédio mais centralizado e com melhor estrutura para abrigar o atendimento 24 horas que nunca foi instalado. (Foto: SSP)

Apesar de sensível queda no número de descumprimentos de medidas protetivas, os agressores continuam sendo presos por voltarem a agredir mulheres, mesmo após já terem sido advertidos e processados pelo mesmo delito. Problemas, como vergonha da mulher em expor a situação, a inexistência de DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) 24 horas e a falta de varas especiais para violência doméstica nos fóruns, são fatores que contribuem para que agressões, ameaças e até mortes continuem a ocorrer.

Nas últimas semanas dois casos graves ocorreram na região. Na sexta-feira (28/06) uma mulher que trabalhava em um salão de cabeleireiros na Vila Bastos, em Santo André, foi agredida à facadas pelo ex-marido, de quem havia se separado após um episódio de violência doméstica. Ele invadiu o salão e já foi agredindo a ex-esposa com duas facas que trazia consigo. Funcionários e clientes do estabelecimento reagiram atirando objetos contra o homem que fugiu, mas foi capturado nas imediações. Com vários ferimentos a vítima foi hospitalizada.

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O caso foi registrado como tentativa de feminicídio no 2° Distrito Policial da cidade. A GCM conseguiu capturar o agressor porque os funcionários do local usaram o celular da vítima e acionaram o botão de pânico, aplicativo que é oferecido para que tem medida protetiva.

No dia 22/6 outra ocorrência em Ribeirão Pires. Uma mulher foi feita refém dentro da própria casa pelo ex-marido, contra o qual tem uma pedida protetiva. O homem invadiu a casa pelos fundos, trancou portas e janelas e impediu a saída da ex-esposa e teria feito ameaças contra ela. Uma vizinha percebeu a movimentação e acionou a GCM que conseguiu liberar a mulher do cárcere e deter o agressor, que precisou ser algemado porque estava muito alterado. Ele foi levado para a delegacia da cidade e permaneceu preso.

Estatística

O governo do Estado não informou quantos foram os casos de descumprimento de medidas protetivas no ABC e o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que precisaria de mais tempo para apurar e informar sobre a situação. Porém, segundo informe das prefeituras, que têm as Guardas Civis engajadas na rede de proteção, é possível notar que mesmo em menor medida o desrespeito à determinação da Justiça continua acontecendo. Em Santo André foram 74 descumprimentos de medidas protetivas no ano passado, média de seis casos por mês. Neste ano 14, média de 2,8.

Em São Bernardo, no ano passado todo foram presos nove homens por descumprimento de medidas protetivas, neste ano até o início de julho foram três; média mensal caindo de 0,75 para 0,5. A prefeitura informou ainda que as Inspetorias da GCM registraram em 2023, por meio de denúncias ou de ronda preventiva, 13 flagrantes de violência doméstica e em 2024, entre janeiro e junho, foram cinco flagrantes.

Rio Grande da Serra também teve menos casos; cinco prisões no ano passado e duas nos seis primeiros meses deste ano. Diadema também teve bem menos casos; foram 18 em 2023 e neste ano até o momento foram duas prisões. São Caetano, Mauá e Ribeirão Pires não informaram.

As GCMs (Guardas Civis Municipais) em geral contam com patrulhas específicas para atender a esses casos, a Patrulha Maria da Penha, como é chamada em Santo André, Guardiã Maria da Penha, nome adotado por Rio Grande da Serra e São Bernardo. Botões de pânico, um tipo de aplicativo instalado no celular das vítimas é a ferramenta mais rápida de ser acionada em situação de risco. O aplicativo Ana, é utilizado em Santo André e Rio Grande da Serra e aciona a patrulha mais próxima para o local onde o GPS indica que está o celular da vítima.

Proteção

Para a advogada, PLP (Promotora Legal Popular) representante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Maria Luiza Canale, existe uma rede criada para a proteção das mulheres vítima de violência, mas esse mecanismo poderia funcionar melhor com uso de mais ferramentas tecnológicas, o funcionamento das DDMs 24 horas por dia e varas especializadas nos fóruns da região.

Fórum de Santo André conta com anexo de violência doméstica que já tem mais processos do que cada uma das quatro varas criminais. (Foto: Banco de Imagens)

“Tem todo um sistema criado para preservar a vida dessas vítimas. A patrulha Maria da Penha é acionada com botão de pânico, a Polícia Militar também pode ser chamada pelo 190, mesmo assim casos acontecem, como esse da cabeleireira que, por sorte os colegas dela pegaram o celular e acionaram o botão de pânico. Mas tudo isso poderia funcionar melhor. Se o agressor tivesse que usar uma tornozeleira eletrônica, como a que os presos em liberdade provisória usam, associado ao aplicativo instalado no telefone da vítima, a mesma poderia ser avisada da proximidade dele e a central de monitoramento também saberia”, explica.

A mulher é geralmente surpreendida pelo agressor e nem sempre consegue pedir ajuda a tempo. Segundo Maria Luiza Canale o sistema com a tornozeleira já é testado nestes casos e pode funcionar. “A mulher não tem como ficar olhando, o tempo todo, para todos os lados. Ela quer voltar a ter sua vida, mas o agressor nunca esquece da vítima e a persegue. Tem homens que ficam de longe, respeitando a distância mínima, mas quer ser visto, para intimidar. Mensagens e envio de objetos para a vítima também podem ser considerados descumprimento de medida protetiva. Tudo que é violência emocional, psicológica e patrimonial também conta, não só a física. Se o homem vai no carro da mulher e o danifica, é como se fosse um aviso de que hoje foi o carro e amanhã pode ser ela. Então tudo isso pode ser denunciado como descumprimento da medida protetiva”, diz a advogada.

Para ela, além das DDMs 24 horas, o Estado precisa implantar varas especializadas em violência doméstica em cada fórum. “Isso já funciona em São Bernardo, em Santo André temos apenas um anexo de violência doméstica e ele tem mais processos do que cada uma das quatro varas criminais da cidade, são muitos crimes, por isso que é preciso uma vara específica, só o núcleo não basta, é preciso ter uma estrutura independente, com autonomia, um juiz. No passado fizemos abaixo assinado por isso, fizemos atos simbólicos de abraço do Fórum, mas nada adiantou, como também a DDM de Santo André, que quando mudou de endereço prometeram um funcionamento 24 horas que não passou de promessa”, completa.

Online

No Estado o número de medidas protetivas de urgência solicitadas pela DDM online de São Paulo aumentou 23% no primeiro trimestre deste ano, comparado ao mesmo período de 2023. Foram 6.881 medidas solicitadas no ano passado, ante 8.473 nos três primeiros meses de 2024. Em nota o governo promete providências. “Atualmente, há 141 salas de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) para atendimento ininterrupto, por videoconferência, em plantões policiais, além das 140 DDMs territoriais já existentes, das quais 11 funcionam ininterruptamente, e a DDM Online, que também está acessível 24 horas por dia para o registro de ocorrências e solicitação de medidas protetivas a partir de qualquer dispositivo conectado à internet. É importante destacar ainda que todas as delegacias estão aptas a atenderem e registrarem crimes dessa natureza. Além disso, a delegacia especializada está integrada com outras esferas governamentais, participa de operações nacionais e mantém parcerias com a Secretaria de Políticas para a Mulher, que tem, entre suas ações, o protocolo ‘Não se cale’ ”.

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