Gianlucca enfrenta outra batalha pelo direito de estudar, agora com o Estado

Gianlucca com os pais Renato e Cátia na formatura da 5ª série do menino. (Foto: Álbum de Família)

Depois de demandas inclusive judiciais para ter tratamento adequado, para ter o direito ao estudo na rede municipal, agora a família de Gianlucca Trevellin, de 11 anos, enfrenta agora o governo do Estado para que a criança tenha assegurado o seu direito de estudar. A batalha da família para que o menino tenha seus direitos assegurados parece não ter fim; no ano passado o Repórter Diário publicou reportagem sobre a dificuldade da prefeitura de Santo André em garantir o atendimento necessário para as aulas, agora a história se repete com o governo estadual. Gianlucca está matriculado na Escola Estadual José Augusto De Azevedo Antunes, mas até agora, quase dois meses após o início do ano letivo, suas aulas ainda não começaram pois a escola não conseguiu a estrutura para aulas on-line e nem para que ele frequente a escola presencialmente pelo menos uma vez a cada quinze dias, conforme já ocorria na rede municipal.

Gianlucca é portador de uma doença rara, a Atrofia Muscular Espinhal, também conhecida como AME, que causa fraqueza muscular e que faz com que ele não tenha forças para se movimentar. “Tivemos a briga por causa do remédio pois ele faz um tratamento com medicamento de alto custo ele até foi a primeira criança do Brasil a receber aquele remédio pelo Ministério da Saúde; o juiz até mandou prender o secretário da saúde. Também entramos com uma ação contra o plano de saúde por causa dos valores que eles têm aumentado de 20% a 25% todo ano né, por fim briga com a prefeitura por causa de escola e agora na transição aí para o governo do Estado”, relata o pai Renato Trevellin sobre a luta pelos direitos do filho.

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“Quando a Escola Municipal que ele estava informou para qual escola que ele iria eu já fui lá e conversei com o diretor. Isso foi no finalzinho de dezembro, depois pediram documentos e eu levei em janeiro e um mês e meio depois nos chamaram e eu achei que ia ter solução, mas não teve. A gente pleiteia também, como era aqui em Santo André, que o Gianlucca possa frequentar a aula uma vez por semana, ou uma vez a cada 15 dias, mas me parece que eles estão querendo negar isso também, dizendo que ou é presencial ou domiciliar, mas também não dão nem um nem outro. Se ele não puder eu vou entender como discriminação, porque o que é que ele vai atrapalhar lá né se vai para com a nossa enfermeira e não vão precisar de funcionário nenhum? A gente vê que São Paulo, o principal estado do país, não tem nada para acolher uma pessoa com deficiência”, desabafa o pai.

Trevellin disse que os procedimentos para atender Gianlucca já deveriam estar prontos para ele começar as aulas junto com os demais. “São Paulo tem uma Secretaria de Estado da Pessoa com Deficiência, mas para eles foi uma grande novidade esse pedido. Ele é muito inteligente e para ele não tem nada mais feliz do que ir um dia na escola e nós já estamos caminhando aí para o final do mês e praticamente nada de uma solução. Cadê o respeito com a pessoa com deficiência?

Renato Trevellin diz que o filho já sente muito a falta das aulas principalmente quando vê que a irmã já iniciou as aulas há quase dois meses. “Porque quem tem o cognitivo preservado, o que não têm é a força muscular, então ele entende tudo que tá acontecendo, mas a gente tenta poupar não dando todos os detalhes porque ele já está triste porque percebe que os dias vão passando. Não entendemos porque esta demora se já sabiam que ia ter um aluno dom deficiência já tinham que estar preparados, isso me revolta e me traz indignação”, completa.

Justiça

O advogado especialista em direitos da infância e da juventude e ex-Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, considerou grave a situação que o Estado impõe a Gianlucca. “É muito grave o menino estar excluído, desrespeitando o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a legislação das pessoas com deficiência. O artigo 227 da Constituição Federal diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O ECA diz ainda que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. O artigo 28, da lei brasileira de inclusão, prevê a obrigação do poder público de ter profissionais de apoio pedagógico aos alunos com deficiência e o Estatuto da Pessoa com Deficiência fala do profissional de apoio escolar. As leis são auto executáveis e devem ser cumpridas imediatamente, mas os poderes públicos dificultam ao máximo exigindo que as famílias ingressem com ações judiciais”, aponta.

Para Castro Alves os gestores que não cumprem as leis devem responder judicialmente. “Os gestores públicos que não cumprem as leis deveriam responder por improbidade e deveriam ser afastados de seus cargos, mediante ações civis públicas. É inaceitável que em 2024 crianças e adolescentes com deficiência sejam excluídas de escolas pois a legislação brasileira de inclusão já tem quase 10 anos, tempo mais que suficiente para os poderes públicos se adaptarem”, completa o advogado que também é ex-presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e é membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo.

Resposta

Após o contato do RD a Secretaria de Estado da Educação informou que vai procurar a família, através da Diretoria de Ensino de Santo André para buscar uma solução. “A Diretoria de Ensino de Santo André iniciou os trâmites legais para atendimento domiciliar do estudante, em cumprimento à solicitação dos responsáveis. Até a conclusão, uma equipe escolar está à disposição para acompanhamento pedagógico do aluno em sua residência, em caráter excepcional, a fim de promover o acolhimento e reposição das atividades letivas, se acordado junto aos pais. A DE entrará em contato com os familiares para eventuais dúvidas. A promoção de uma educação inclusiva e o apoio aos alunos da educação especial são compromissos da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), que trabalha para o aprimoramento das políticas públicas voltadas a esse público”, informou a pasta, em nota.

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