Dívida ativa maior que o orçamento das cidades impede novos investimentos no ABC

Atendimento a munícipes em Rio Grande da Serra que no ano passado realizou programa de refinanciamento de dívidas. (Foto: Divulgação)

De cada R$ 10 que as prefeituras esperam arrecadar, deixam de ser arrecadados  outros R$ 10, que vão para a dívida ativa. A Prefeitura tem de buscar formas arrecadar cada vez mais para cobrir uma parcela de impostos e taxas que não foram recolhidos aos cofres municipais. Os valores inscritos na dívida ativa, ou seja, impostos e taxas que não foram pagos no exercício anterior, abocanham grande parte do orçamento atual das prefeituras, o que faz com que as cidades iniciem cada ano já com rombo no orçamento. Há casos como o de Diadema e de Mauá, em que a dívida ativa acumulada é maior do que o orçamento previsto para este ano.

Em Rio Grande da Serra, o montante da dívida ativa era de R$ 106.717.924,82 em 31/12/2023. “Considerando a Provisão de Perdas apurada em R$ 86.441.479,09, teremos o saldo das inscrições da dívida ativa cobrável de R$ 20.276.445,73, conforme demonstrado no Balanço Patrimonial de 2023”, detalha a prefeitura, em nota. Ainda segundo o paço esse valor corresponde a 62,5% do orçamento previsto para este ano.

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Rio Grande da Serra informa não pode criar um novo mecanismo de negociação, porque ser este um ano eleitoral e esse tipo de benefício é vedado pela legislação que disciplina as eleições. “Para redução da inadimplência está em execução uma força tarefa pelos Procuradores Municipais agilizando as execuções fiscais em conjunto com o Judiciário. Está em estudo a contratação do Banco do Brasil para higienização do montante da Dívida Ativa (incobrável) e posterior ‘protesto’ da dívida ativa cobrável. A média de arrecadação da dívida ativa nos últimos três anos é de R$ 2,7 milhões, ajustada no último ano em face de arrecadação por exceção pela “dação em pagamento” de imóveis que elevou o recebimento da dívida ativa nos termos do acordo”, destaca a administração municipal.

Em Santo André o montante da dívida ativa é de R$ 2.421.589.282,87. Esse valor corresponde a 61% do orçamento vigente. Impedida pela legislação eleitoral de realizar um novo programa de refinanciamento de dívidas, a prefeitura informou que a última medida neste sentido vigorou até dezembro com benefícios para quem quitasse os débitos junto a administração. “O último programa foi instituído pela Lei 10.712 de 11 de dezembro de 2023 com vigência até 20 de dezembro de 2023. O montante arrecadado neste programa até 31/12/2023 foi de R$ 37.728.223,16”, diz informe do paço andreense. O ajuizamento de ações judiciais para a cobrança das dívidas teve queda em Santo André. “Houve uma redução de 13%. O valor ajuizado em 2022 foi de R$ 106.801.002,31, já em 2023 esse valor caiu para R$ 93.163.692,55”, contabiliza o paço.

Em São Caetano a dívida ativa chegou ao fim de 2023 em R$ 1.477.700.039,83 e representa 60,69% do orçamento vigente. Atualmente a cidade mantém programa de negociação destas dívidas, mas que vai somente até o final deste mês. “Estamos na vigência da Lei 6.152/2023 (PPD 2023) a qual concede descontos para pagamento à vista e parcelados até o dia 31/03/2024. Até 05/03/2024, o total já arrecadado soma a importância de R$ 6.760.100,87, sendo R$ 4.744.143,51 de pagamentos à vista e R$ 2.015.957,36 das parcelas já adimplidas nos acordos de parcelamento. O montante total parcelado é de R$ R$ 28.047.054,05

São Caetano informou que aumentou o número de cobranças judiciais. Em 2022 foram 4.588 ajuizamentos e em 2023 o número saltou para 5.857, um aumento de aproximadamente 27%. “O estoque de dívida ativa é prejudicial à sociedade como um todo. Precisamos nos conscientizar de que o pagamento em dia dos impostos é o que permite a manutenção da cidade, a implantação e manutenção dos serviços públicos como saúde e educação e o investimento para o desenvolvimento do futuro da nossa cidade”, diz a prefeitura, em nota.

Desequilíbrio

No caso de Diadema a dívida ativa acumulada é de R$ 2.504.559.090,87, segundo informou a prefeitura. Esse montante corresponde a 110% do valor previsto para o orçamento municipal deste ano que está em R$ 2.75 bilhões. A prefeitura tenta receber ao menos uma parte desse valor e está em vigor até o dia 31 deste mês o Refis, que é o programa de refinanciamento de dívidas que prevê até 50% de redução de multas e juros para quem quiser quitar a dívida à vista. O desconto cai para 35% de redução nas multas e juros para quem pagar em até quatro parcelas, para 30% em até 12 vezes, 20% para quem escolher pagar em até 24 meses e ainda é possível pagar o débito em até 120 meses, mas aí não há desconto de multas e juros.

Apesar do esforço da administração diademense, durante o Refis em 2023 foram arrecadados R$ 26.805.524,25 referentes à dívida ativa, o que representou 1,69% da receita corrente. “A dívida ativa e, consequente, queda na arrecadação impacta os serviços municipais como um todo!, resume a prefeitura.

A prefeitura de Mauá informou que a dívida ativa está em torno de R$ 3 bilhões. “A dívida ativa dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas de Mauá, é de aproximadamente R$3 bilhões. Não há previsão de Refis, contudo, o município está em fase de implementação da Câmara de Conciliação Tributária, para auxiliar devedores na quitação dos débitos e, com isso, alcançar o incremento de receita. A dívida ativa recupera cerca de R$40 milhões ao ano. A judicialização repetiu a média dos anos anteriores. O aumento da inadimplência resulta na queda da receita municipal”, diz a prefeitura, em nota. Com orçamento previsto para este ano de R$ 1.865.397.380,00, a dívida ativa corresponde a 160% do orçamento municipal.

As prefeituras de São Bernardo e Ribeirão Pires não informaram os valores da dívida ativa.

Para o economista e gestor do curso de Economia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) Volney Gouveia, há duas consequências dessa enorme dívida ativa que os munícipes têm com as prefeituras; uma é a queda dos investimentos que acarreta em maior dificuldade com os serviços públicos e estes impactam diretamente a população mais pobre e a outra consequência é uma conta maior para quem paga já que, para fazer frente às suas despesas, a administração tem que arrecadar mais e aumenta impostos.

Para Gouveia, as políticas de isenção de multas e juros, com o intuito de recuperar receita, acabam estimulando ainda mais a inadimplência. “Quando a prefeitura cria uma política de isenção, aqueles que honraram o pagamento se sentem penalizados e estimulados também a não pagarem seus impostos, aí cresce o percentual de devedores porque os munícipes percebem essas benevolências do poder público”, analisa o professor.

Para o economista, as prefeituras devem revistar sua tabela de impostos e criar, por exemplo, um IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) mais acessível e que respeite a capacidade de pagamento de acordo com o bairro em que a Prefeitura vive. Além do valor, sugere o professor, deve-se regular o tributo e os programas de refinanciamento. “Quem obtém vantagem no parcelamento da dívida e não paga o ano corrente, deveria perder o perdão das multas”, diz.

Volney Gouveia diz que a tendência é que o orçamento das prefeituras piorem com a reforma tributária já que elas vão arrecadar menos em repasses da União e Estados. “O cidadão e também as empresas devedoras precisam entender a importância do pagamento das obrigações fiscais. Há um sentimento de que a prefeitura é um problema e que por isso se protesta não pagando. Isso implica na pessoa sendo impedida de tirar um passaporte, ou de participar de um concurso público e o pior é que o tributo tem um caráter coletivo de melhoria da vida das pessoas, portanto pagar imposto é uma questão cívica”, afirma.

A judicialização, na ótica de Gouveia, também significa mais gastos da administração para receber dívidas antigas. “Se mobiliza procuradores para atividades que não promovem nenhum bem para a cidade, tudo isso é custo para o município”. O professor de economia também aponta que há uma apatia do cidadão em verificar se o orçamento municipal está sendo cumprido pela prefeitura e o cidadão acaba por fazer uma análise superficial daquilo que ele vê na cidade. “O morador vai e reclama que um buraco na rua não é consertado porque a prefeitura não faz manutenção, mas não cobra o governo dentro dos canais oficiais e ele poderia fazer uma pressão popular sobre o governo. A inadimplência alta só aumenta o tributo e quem perde é a sociedade como um todo”

 

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