
Há 83 anos, delegados de polícia, advogados, professores de direito penal e membros do judiciário trabalham com base na mesma lei que, apesar ter sido alvo de ajustes aqui e ali ainda preserva os mesmos princípios da lei aprovada em 1940. A cada novo crime brutal ou soltura de preso condenado se volta a falar sobre mudanças no Código Penal Brasileiro, são clamores por penas mais duras, por mudança na maioridade penal e atualizações, como a que ocorreu neste ano com a introdução dos crimes de bullying e ciberbullying. Uma proposta de reforma do código aguarda apreciação no Senado Federal deste 2012 e sequer tem ainda um relato. Especialistas ouvidos pelo RD explicam as mudanças pelas quais o código passou e também falam da necessidade ou não de mudanças.
Para a doutora em Direito Processual Penal, coordenadora de Graduação da FDSBC (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo) e autora de livros na área jurídica, Ana Paula da Fonseca Rodrigues, os clamores por mudanças do código estão mais voltados à necessidade de maior segurança da população do que por problemas na lei. Para Ana Paula, o CPB não está atrasado porque sofreu muitas alterações, sendo a mais extensa delas em 1984. “Essa reforma modificou integralmente os 120 primeiros artigos do código, adotando disposições mais modernas, principalmente em relação a aplicação das penas”, explica.
“Não considero nosso Código Penal atrasado, ao contrário, está condizente com as legislações mais atuais”, continua a professora de Direito Processual Penal. “O que ocorre é que temos muitos problemas relativos à violência o que acarreta a falsa sensação social de que a questão poderia ser resolvida com alterações legislativas, espelhadas na legislação de países que não guardam semelhança com a nossa, como por exemplo, o direito norte-americano. A população quer viver em paz e clama por uma solução eficaz dos problemas relativos à violência. Ocorre que a resolução efetiva não decorre exclusivamente de alteração legal, mas sim de forças conjugadas, especialmente em relação a políticas públicas, como por exemplo a democratização da educação”, analisa.
Ana Paula também comentou sobre o projeto que tramita no Senado o qual já considera ultrapassado. “O projeto de reforma do Código Penal de 2012 tinha a pretensão de reunir, num único diploma legal, toda a legislação penal, além de enfrentar assuntos polêmicos como a eutanásia e o aborto. Contudo, de lá para cá o projeto já se encontra obsoleto, porque traz previsão de assuntos, como por exemplo, os crimes então denominados informáticos, que hoje não condizem com a realidade da evolução tecnológica, seja pela terminologia, seja pelo incremento da inteligência artificial, sequer prevista à época, tal qual temos hoje”, completa.
O professor de Direito Penal e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), David Pimentel Barbosa de Siena, considera que a reforma do código, reunindo todas as leis penais que hoje estão fora dele, traria melhoria da aplicação da legislação. Segundo ele há mais normas penais fora do CPB do que dentro dele.
“É um código de 1940, da época do Estado Novo, sua redação original é inspirada no código Italiano, e tinha um viés autoritário e imposto pelo então presidente Getúlio Vargas por decreto-lei, sem discussão no Legislativo, por isso é cheio de problemas. Tem normas penais excessivamente abertas, que permitem juízo de valores, é anacrônico em alguns aspectos. Para se ter uma ideia até 2005 o adultério era crime no Brasil. O texto original tem uma preocupação com os costumes, preocupações não condizentes com o nosso tempo. Por isso eu acredito que ele precisa ser aperfeiçoado, seria até melhor termos um novo código. Apesar dele ser de 1940, poucas normas são daquela época, A maior parte delas já sofreu, em algum momento, alteração. Tivemos uma grande reforma em 1984, mesmo após essa tivemos uma série de alterações, minirreformas do código nos anos 90 e 2000. Ele vem constantemente sofrendo alterações, esse ano tivemos acréscimo do bullying e Cyberbullying. Mas eu acho que o ideal seria um novo código”, diz o professor da USCS que também é delegado de polícia e vive no dia a dia a aplicação das leis penais.

Apesar das alterações o professor da USCS considera que que o código foi se desgastando com o tempo. “Ele foi sendo alterado com certa frequência, é difícil encontrar um ano em que o código não foi alterado. A maior parte dos crimes, por incrível que pareça, estão previstos fora do código penal, em outras leis penais, e são crimes muito importantes, como por exemplo, o tráfico de drogas, que é a conduta delitiva em que está incursa 42% da população prisional masculina e 80% da população carcerária feminina. Apesar de ser um dos crimes mais importantes não está previsto no código, está na lei 11.343/2006, no artigo 33. Esse é só um exemplo de tantas outras leis penais especiais como o Estatuto do Desarmamento (de 2003), que trata do porte ilegal de armas e do tráfico de armas, da lei de organizações criminosas (de 2013), da lei de terrorismo (2016) e temos ainda crime de tortura, de abuso de autoridade, crimes de ordem tributária, crimes ambientais…a gente se perde nesse emaranhado de leis. Tem mais crimes fora do que dentro do código”, diz Siena.
Segundo o professor da USCS essa situação atrapalha e traz até insegurança jurídica. “A ideia de se ter um código é reunir em um único livro todos os crimes, mas, infelizmente, não é o que ocorre hoje. Penso que nós deveríamos ter um novo código que consiga sistematizar o Direito Penal brasileiro e também que seja um código condizente com o nosso tempo. Sou a favor de um novo código, passou da hora de ter. O projeto de lei do Senado, é muito maior do que o atual e seria muito interessante. Mas os projetos não vão para frente pela questão da discussão do apoiamento que é um ato político. O parlamento optou nos últimos anos em alterar os crimes pontualmente. Talvez não seja a melhor decisão, mas que seja a decisão possível”, completa.