ABC - segunda-feira , 29 de abril de 2024

Comerciantes ocupam calçadas e ignoram pedestres; flagrantes são muitos na região

Carros ocupam toda a calçada no bairro Assunção, em São Bernardo. (Foto: Rede Social)

Quem nunca teve que desviar de algum tipo de obstáculo na calçada e ter que usar o asfalto para seguir seu trajeto? No ABC há diferentes interpretações legais sobre a ocupação de calçadas, há prefeituras que permitem o uso com a observação de algumas regras,  principal delas é deixar o espaço para o tráfego de pedestres, afinal a calçada existe para eles, mas a prática de uso indiscriminado da calçada é cada vez mais comum; tem calçada que vira uma extensão do comércio, com mesas e produtos expostos, tem calçada em que o comerciante pinta vagas para estacionamento, mas não lembra do pedestre.

Não faltam exemplos desse tipo de situação na região. Na esquina da rua Ana Maria Martinez, com a avenida João Firmino, no bairro Assunção, em São Bernardo. O estabelecimento comercial oferece vagas para os clientes pararem sobre a calçada em ângulo de 90°, a delimitação das vagas está pintada na calçada e não ficou nenhum espaço para os pedestres, mesmo que todos os carros fossem pequenos e encostassem o para-choque na parede, não haveria espaço suficiente para um cadeirante passar. Uma moradora do bairro expressou a sua indignação com a falta de respeito e com a falta de fiscalização no local. “Eu moro aqui há 40 anos e antes o que era a calçada para a gente passar, agora virou um estacionamento, tem até gente que fica ali cuidando dos carros, um absurdo. Para nós pedestres sobrou o asfalto, mas o cruzamento é muito movimentado”, diz a moradora, que pediu para que seu nome não fosse revelado.

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A moradora conta ainda que recentemente passou um momento de muito susto ao tentar passar para acessar o próprio estabelecimento comercial. “Eu sou idosa e estava com minhas duas netas, segurado uma em cada mão, mas você não imagina o pavor de tentar passar por ali, porque tem muito trânsito e a João Firmino é uma via onde os carros passam muito rápido e entram com velocidade na rua Ana Maria Martinez. Eu tive muito medo. Eu estou indignada, onde está a fiscalização? Quem permitiu isso?”, indagou a moradora.

Na avenida Piraporinha, em Diadema, entre as ruas Cariris e José Romão de Oliveira, apesar de não ter espaço suficiente, os carros estacionam sobre a calçada que tem guias rebaixadas. O espaço que sobra para os pedestres às vezes é de um metro, outras vezes nem há espaço. Para piorar a calçada tem degraus e pavimento irregular.

Bairros com vida noturna também são aqueles onde as calçadas se tornam extensão dos comércios que colocam mesas, toldos, e até uma espécie de deck. Não há nenhum tipo de padronização. Na rua Santo André, Vila Assunção, em Santo André a prática de colocar as mesinhas na rua é comum. O estabelecimento usa a área pública como sua e em alguns casos o pedestre tem que ir para a rua.

Carros estacionados na avenida Piraporinha deixando menos de um metro para o trânsito de pedestres que ainda enfrentam calçada com degraus. (Foto: George Garcia)

O RD denunciou em julho deste ano que bares da avenida Portugal, em Mauá estavam usando esses decks de madeira e ocupando praticamente toda a calçada. Após a denúncia essas estruturas foram retiradas. A moradora que fez a denúncia à reportagem em julho confirmou a retirada das estruturas de madeira, mas ela relata que, apesar disso o lugar que deveria ser destinado aos pedestres ainda é ocupado por mesas de bar.

No caso do uso do passeio público para estacionamento de veículos, além disso estar sujeito a ação de fiscalização de posturas por parte do poder público, também pode ter enquadramento no Código de Trânsito, essa situação está prevista no artigo 193 e é considerada uma infração gravíssima.

O urbanista e pesquisador do Centro Universitário da FSA (Fundação Santo André) Enrique Staschower, viu as fotos da avenida Piraporinha e do Bairro Assunção e ficou indignado com a forma como o pedestre é tratado. “Um absurdo isso, os comerciantes tem uma visão distorcida, acham que o cliente só chega lá de carro, mas está fechando as portas para quem vai à pé. Nos últimos 60 anos as cidades deram prioridade ao carro, fizeram com que o veículo fosse o protagonista, se esqueceram da mãe com o carrinho de bebê, de quem precisa de ajuda para se locomover com um andador ou uma cadeira de rodas”, comenta o professor.

Para Staschower é possível regulamentar o uso das calçadas, com fiscalização dos limites e também com pagamento para a prefeitura pela utilização do bem público. “É possível em alguns casos fazer esse uso de forma organizada e disciplinada. Em alguns locais as prefeituras estão permitindo a instalação dos chamados “parklets” um tipo de local com bancos, floreiras, que pode ser usado por qualquer um, mas não pode usar como uma extensão do comércio, não pode por exemplo por lá mesinhas e servir bebidas ou comida. O comerciante abre mão da vaga de carro que tem em frente ao seu estabelecimento para que os clientes esperem por uma mesa, mas ali não é um espaço privado, é público”.

O bar que põe mesinhas na calçada, segundo o urbanista, tem que deixar o espaço regulamentado para o pedestre, e mesmo a área que ele está usando, deve ser regulamentada e o comerciante tem que pagar uma tarifa pelo seu uso. “Veja se ele aumenta sua área, coloca mesinhas na calçada ele vai vender mais então é justo que pague pelo uso”. Para Staschower, além de leis municipais que tratam do uso do espaço público, há também outras legislações que podem ser usadas, como o Código de Trânsito, o Estatuto do Idoso e a Lei de Acessibilidade.

Professor Enrique Staschower da FSA classificou como absurdas as situações mostradas pela reportagem. (Foto: Reprodução)

A fiscalização é pequena e favorece a ocupação dos passeios públicos, segundo analisa o especialista da FSA. “As prefeituras estão combalidas financeiramente e reduziu as equipes de fiscalização e os jurídicos. Ao mesmo tempo elas precisam fazer parcerias público privadas, as PPPs, para se manterem e isso cria uma dependência de mercado em detrimento do interesse público”, completa.

Legislação

A prefeitura de São Bernardo informou em nota que o uso da calçada não é permitido e disse também que duas dezenas de estabelecimentos foram multados este ano por uso indevido das calçadas. “O código de posturas do município, previsto na Lei Municipal 4974/2001, proíbe a utilização de calçadas como extensão de estabelecimento comercial. O tamanho das calçadas é variável, com mínimo de 1,20 metro. Em 2023, um total de 128 estabelecimentos comerciais foram notificados para cessar a obstrução de passeio público e 20 estabelecimentos foram autuados. A multa para este tipo de irregularidade é de R$ 1.330,18”, diz a nota. Indagada sobre a situação da padaria no bairro Assunção, a administração nada comentou.

A prefeitura de Diadema permite o uso de calçadas dentro de uma legislação especifica e com limites que devem ser respeitados. “Conforme determina a Lei n:455\2018, no seu artigo 89-“Poderá ser permitido aos bares, confeitarias, restaurantes, lanchonetes e similares o uso do logradouro público, fronteiriço ao estabelecimento, para colocação de mesas, cadeiras e abrigo removível em horários pré-estabelecidos. Conforme estabelece no artigo: 89 – parágrafo II -Respeitando-se a faixa mínima de 1,5 a partir do alinhamento da guia”, informou. Apesar do limite, a prefeitura nada mencionou sobre o apontamento do trecho da avenida Piraporinha onde os carros param sobre a calçada. A mesma legislação prevê multa de até 200 UFDs (Unidades Fiscais do Município de Diadema) aplicada em dobro no caso de reincidência, mas a prefeitura não revelou quantas multas emitidas este ano. “O setor de fiscalização tem atuado de forma educativa realizando no primeiro momento orientação aos os responsáveis o não atendimento o mesmo é notificado e posteriormente o que determina a legislação”, relatou a prefeitura.

Em Santo André o uso é autorizado desde que o espaço para o pedestre seja respeitado. “De acordo com a lei municipal 7.391/1996, em seu artigo 1º, é permitido aos bares, confeitarias, restaurantes, lanchonetes e similares o uso do passeio público fronteiriço ao estabelecimento para colocação de toldos, mesas e cadeiras obedecidas algumas restrições tais como: deixar livre faixa mínima de 1,10 metro de passagem livre de pedestres. Com a aprovação da Lei de Acessibilidade (legislação federal em vigor desde dezembro de 2000) essa faixa mínima exigida passou a ser de 1,20 metro para não dificultar a passagem de pedestres em especial pessoas com mobilidade reduzida”, diz nota do paço andreense que nada falou sobre quantas multas foram aplicadas este ano no caso de flagrante ocupação de calçadas de forma irregular.

Em São Caetano os estabelecimentos comerciais podem usar as calçadas como extensão e isso é previsto na legislação municipal. A prefeitura informa que as leis municipais tratam do espaço para o pedestre, que deve ser de no mínimo 1,5 metro. A infração pode custar ao comerciante uma multa de 2 mil UFIRs, mas o município informou que nenhuma multa neste sentido foi feita este ano. Quanto aos decks a prefeitura diz que são permitidos desde que o projeto seja aprovado.

Os demais municípios do ABC não responderam.

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