ABC - segunda-feira , 29 de abril de 2024

Reconhecimento de paternidade cai 14% no ABC; filhos relatam drama da falta do pai

Foram aproximadamente 497 reconhecimentos até julho deste ano contra 577 em 2022 (Foto: Reprodução/ Pixabay)

O ABC teve queda de 13,86% no número de reconhecimentos de paternidade neste ano, em relação aos primeiros sete meses de 2022. Segundo dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), foram aproximadamente 497 reconhecimentos até julho de 2023, enquanto no mesmo período do ano passado 577 novos reconhecimentos de paternidade foram contabilizados na região.

Frustração pela ausência do pai, sentimento de rejeição e indignação e o constrangimento na infância estão entre os relatos de jovens, ouvidos pelo RD, que  sofreram com a falta da figura do pai quando eram crianças.

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Gabriel Ferreira é morador de Santo André e nunca considerou a possibilidade de incluir o pai na sua certidão de nascimento. “Minha mãe nunca fala sobre o meu pai, então nunca quis chatear ou incomodar ela tocando no assunto. Para mim, costumava ser ruim não ter um pai presente durante a infância e a adolescência, não gostava de comemorar o Dia dos Pais e isso me deixava muito frustrado”, comenta.

Já para a advogada de São Bernardo, Bianca Souza Gilberto, o reconhecimento de paternidade veio aos 10 anos de idade. “Quando eu nasci, ele não quis reconhecer a paternidade. Meus pais casaram depois de três meses que eu nasci e, no meio de muitos acontecimentos, se divorciaram. Ele simplesmente sumiu. Mas comecei a ter problemas em matrículas de escola e convênio e foi aí que a minha mãe acabou indo atrás para que ele me registrasse”, diz Bianca.

Bianca afirma que sente o peso da decisão do pai até hoje, com 23 anos. “É um sentimento de rejeição, indignação, de inúmeras perguntas sem respostas que um ser humano jamais vai conseguir te responder. Fora que não é apenas o registro, mas também o laço, o amor, a troca que um bom pai tem com uma filha. Sabe aquela história que as memórias da primeira infância nunca se apagam porque elas repercutem na vida adulta? Seja por comportamentos ou pensamentos, ele gerou grandes traumas e inseguranças para mim”, afirma Bianca.

Samanta Pugliesi, mestre em Psicóloga da Saúde e professora de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo, afirma que ser pai é muito mais do que um fator biológico, é uma formação de vínculo que vai sendo construída a partir do afeto. Explica que quando na vida da criança existe a figura paterna, mas ao mesmo tempo não existe, por ser apenas um nome do registro ou uma figura que surge esporadicamente, pode despertar muitos sentimentos conflituosos, como raiva, culpa, abandono e rejeição. “Tais sentimentos podem impactar no desenvolvimento emocional e nas relações afetivas”, ressalta.

 

São Bernardo foi melhor

São Bernardo foi a única cidade da região que registrou aumento em 2023 em comparação a 2022, porque até julho deste ano 188 novas inclusões de paternidade em certidões de nascimento ocorreram enquanto nos sete primeiros meses de 2022 foram 169.

Entre as outras cidades Rio Grande da Serra teve a maior queda no reconhecimento em 2023 se comparada a 2022, já que apenas um reconhecimento de paternidade foi feito até julho deste ano e, no mesmo período de 2022 foram cinco, queda de 80%.

Em seguida está Mauá que registrou queda de 29,41% no número de reconhecimentos de paternidade em 2023, foram 120 registros este ano contra 170 em 2022. Diadema aparece em seguida com 24,4% menos registros de reconhecimento de paternidade em 2023 (102) em comparação a 2022 (135).

Santo André teve 38 novos reconhecimentos de paternidade de janeiro a julho de 2023, enquanto no mesmo período de 2022, foram 47 novos reconhecimentos. Logo atrás São Caetano teve uma queda de 10,71% no número de registros em 2023 em comparação com 2022. Ribeirão Pires é a única cidade que não teve mudança no número de registros de paternidade nas certidões de nascimento. Foram 23 reconhecimentos em cada ano.

Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Arpen-Brasil, comenta que a sociedade mudou bastante e hoje existem possibilidades diversas de configurações familiares, com questões de reprodução assistida e inseminação artificial. “Mas por outro também agora existe uma maior facilidade para que, nos casos concretos, o reconhecimento de paternidade seja feito de forma rápida e simples em cartório, sem a necessidade de procedimento judicial”, ressalta.

 

Como reconhecer a paternidade

O procedimento de reconhecimento de paternidade pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil do Brasil desde 2012, quando foi regulamentado pelo Provimento nº 16 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Assim, não é mais necessária decisão judicial nos casos em que todas as partes concordam com a resolução.

Nos casos em que a iniciativa seja do próprio pai, basta que ele compareça ao cartório com a cópia da certidão de nascimento do filho, sendo necessária a anuência da mãe ou do próprio filho, caso este seja maior de idade. Em caso de filho menor, é necessário a anuência da mãe. Caso o pai não queira reconhecer o filho, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai no próprio cartório, que comunicará aos órgãos competentes para que seja iniciado o processo de investigação de paternidade.

Desde 2017 também é possível realizar em cartório o reconhecimento de paternidade socioafetiva, aquele em que os pais criam uma criança mediante uma relação de afeto, sem nenhum vínculo biológico, desde que haja a concordância da mãe e do pai biológico. Neste procedimento, caberá ao registrador civil atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos: inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; entre outros.

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