Falta de dados sobre bullying no ABC prejudica combate a incidência de casos

Professores e auxiliares recebem formação para identificar casos de bullying em Diadema e em caso de ocorrência acionam Núcleo Social da Secretaria de Educação.  (Foto: Dino Santos/PMD)

Praticamente não há números oficiais sobre o registro de bullying nas escolas públicas municipais ou estaduais do ABC. O fato pode revelar um problema na identificação e combate ao bullying, que pode gerar danos psicológicos e até físicos, e se estender para o resto da vida. Especialistas relatam o mal que as agressões verbais ou pela internet (cyberbullying) podem trazer e dizem que falta estrutura adequada para atacar o problema. Pesquisa nacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou no ano passado que 40% dos estudantes já sofreram algum tipo de bullying.

A última pesquisa feita no ABC quanto ao bullying foi em 2019, pela economista, pedagoga e estudante de psicologia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Celoy Sene Rodrigues Silva, que dá aulas na rede pública de São Caetano e Diadema. O levantamento foi apresentado no Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS) e estimou que 419 alunos sofriam intimidações sistemáticas na escola. Se considerar que a escola tem no mínimo 200 dias de aula, em média, dois estudantes sofrem bullying a cada dia de aula só nas redes municiais do ABC.

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A falta de informação de forma oficial impediu a atualização do estudo. A lei federal 13.185/2015 diz que os estabelecimentos de ensino, municipais, estaduais e particulares devem prevenir e conscientizar sobre o bullying e o cyberbullying, mas são raros os relatórios sobre o tema que chegam aos órgãos de gestão, como Diretorias de Ensino e secretarias de Educação. “Na pesquisa de 2019, foi feita uma estimativa da quantidade de vítimas no ABC, porque a ausência de dados dos municípios dificultava esse estudo. A lei federal 13.185/2015 institui o Programa de Combate à Intimidação Sistêmica, que nos artigos 5º e 6º constitui objetivos de prevenção, conscientização e combate a todos os tipos de violências decorrentes do bullying e cyberbullying, assim como a produção e divulgação de relatórios bimestrais de forma transparente e acessível”, diz Celoy.

Cyberbullying

A professora diz que a pandemia, mesmo com afastamento dos alunos do convívio presencial com os colegas no primeiro ano da emergência de saúde, não impediu a continuidade das agressões, que só migraram para o ambiente virtual. “Embora o bullying escolar tenha tido uma redução durante a pandemia por motivo das escolas estarem fechadas, houve um aumento significativo do cyberbullying, visto que o ambiente virtual foi um dos principais instrumentos para pesquisas, estudos e comunicação de crianças e adolescentes”, diz a pedagoga.

A pesquisadora ainda destaca que combater o bullying verbal ou digital é tarefa difícil. É preciso muita preparação dos professores e do pessoal de apoio da Educação. Explica que quanto maior for a estrutura da instituição de ensino em combater, identificar e diagnosticar o tipo de violência, melhor será para a comunidade escolar. Um fato importante a ser destacado, diz, é a capacitação de professores e funcionários, uma vez que, crianças e adolescentes não costumam falar que sofrem bullying para os adultos, por isso, o professor deve estar atento e capacitado para identificar possíveis sinais, que variam desde apatia persistente, fobia escolar, crises de ansiedade até depressão. “Pequenas ações também podem fazer a diferença, como a dramatização, teatro de fantoches, filmes e desenhos que retratam essa realidade, sendo o mais importante trabalhar desde os primeiros anos iniciais até o ensino médio”, sugere.

Intimidação

Maisa Helena Altarugio, doutora em Educação e professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), afirma que o assunto bullying não aparece muito nos projetos educacionais e arrisca dizer que isso é reflexo de uma dificuldade em lidar com o tema. “A vergonha é uma das maiores barreiras, pois a vítima sente medo de levar a situação à direção da escola, teme represálias. Os colegas que assistem também se calam por medo. Muitas vezes o bullying é praticado por grupos que estabelecem uma relação de poder sobre as vítimas que, por sua vez são vistas como frágeis ou fracas, sendo facilmente dominadas”, explica.

Maisa Helena Altarugio é doutora em Educação. (Foto: Divulgação)

Para Maisa, dentro da estrutura da escola é difícil separar o bullying de outros tipos de violência que podem ocorrer entre os alunos. “Tem casos em que a vítima deixa para lá, e os agentes têm dificuldade em identificar, comenta.

O bullying, segundo Maisa, se caracteriza pela repetição sistemática das agressões. A comunidade escolar deve ficar atenta e criar canais de denúncia. “A solução depende da conscientização e da preparação para lidar com esse tipo de situação e os professores precisam de uma formação continuada sobre o tema. Esse é um problema antigo, mas só estudado recentemente. No Brasil os primeiros estudos chegaram entre 2004 e 2005, é recente e talvez por isso a dificuldade em lidar com o assunto”, relata a professora da UFABC.

O bullying traz problemas emocionais, físicos e mentais. O agressor também precisa de acompanhamento, pois seu comportamento agressivo pode ter origem na família ou em outra relação social. Para Maisa, é preciso aparelhamento, capacitação e acompanhamento sistemático dos casos. “Recebo relatos de alunos meus de licenciatura que trazem casos nas escolas onde atuam como estagiários, mas são estudos de casos isolados, não temos números para estabelecer um perfil. Esse é um problema que tem de ser tratado como política pública de Estado”, completa.

Bullycídio

Os casos de intimidações sistemáticas podem trazer consequências graves e pode culminar em suicídio. O bullycídio, como especialistas no assunto já batizaram, é o suicídio motivado por bullying, com destaque para a modalidade virtual das agressões. “Ambos são graves, porém o cyberbullying ultrapassa qualquer barreira física, vai além dos muros da escola e sua propagação toma proporções inimagináveis, causa muitas dores físicas, psicológicas e danos civis e criminais. Apesar de não termos muitas notificações sobre casos de bullycídio no Brasil, eles acontecem e em muitos países já é considerado epidemia. É o caso dos Estados Unidos, onde o bullying é o principal motivo para a evasão escolar e a punição é muito mais rigorosa para os agressores”, completa a professora Celoy Sene Rodrigues Silva.

Prefeituras e Estado quase não têm registros de casos

Bastou o questionamento às prefeituras do ABC e ao Estado, sobre o bullying para ver que o tema, apesar de merecer a atenção de professores e gestores, praticamente não teve casos identificados. Dos sete municípios, só cinco responderam (São Caetano e Mauá não se posicionaram) e das respostas apenas a de Ribeirão Pires relatou 18 casos no ano passado.

Do total, 12 casos aconteceram entre alunos do fundamental 2 (6º ao 9º ano), em Ribeirão Pires Os outros seis casos foram entre estudantes do fundamental 1 (1º ao 5º ano). Os alunos receberam o suporte da equipe de psicólogos. Não foi registrada ocorrência de maior gravidade, que demandasse o acionamento de órgãos protetivos, como o Conselho Tutelar, ou a movimentação de alunos entre salas. Para sensibilizar crianças e jovens sobre o respeito à diversidade e combater a prática de bullying, foram desenvolvidas atividades de acolhimento e de conscientização. Durante a semana 6 e 10 de março as escolas municipais promoveram rodas de conversa e atividades com os alunos voltadas à prevenção.

O protocolo de atendimento envolve até visita domiciliar em Ribeirão Pires. Quando um relato de bullying é acolhido, a equipe faz observação e intervenções, conforme a necessidade. Em caso de agravamento, a assistente social realiza visita domiciliar para entender a dinâmica da família, seja do agressor ou da vítima, para então orientar e efetuar os encaminhamentos para unidades de referência – Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), descreve a Prefeitura.

Rio Grande da Serra não tem política padrão para identificação e acompanhamento dos casos de bullying, mas informa que mantém equipe pedagógica capaz de atuar nessas situações, com professores, coordenadores pedagógicos, supervisora pedagógica e psicóloga.

Escola de Pais

São Bernardo informa que também tem equipe preparada. A rede municipal conta com psicólogos, que orientam as equipes de gestão, docentes e famílias sobre o tema. A Secretaria da Educação também trabalha o assunto no Programa Escola de Pais, a fim de fortalecer as famílias sobre os papéis da escola e da família no desenvolvimento da criança, e no Conselho Mirim, que, no âmbito do currículo escolar, trata da temática com os estudantes.

Em Diadema, foi ampliada esse ano a equipe do Núcleo Social, que atende casos de bullying. Agora são quatro assistentes sociais, uma coordenadora, uma pedagoga como assistente de coordenação, duas fonoaudiólogas, duas psicopedagogas, cinco estagiárias de Serviço Social, dois agentes administrativos e duas psicólogas. Acionado pela escola, a equipe oferece interlocução para, junto com os educadores, ampliar a compreensão sobre a queixa (seu histórico, os incômodos gerados etc) e contribuir para a construção de um plano de ação para superação da demanda apresentada.

Em  Santo André, o Programa Nenhum a Menos ataca o tema bullying. A iniciativa já trabalhou o tema com aproximadamente 120 gestores da rede municipal, com palestra ministrada por Maria Inês Villalva, coordenadora técnica da Feasa (Federação das Entidades Assistenciais de Santo André). Maria Inês provocou nos educadores uma reflexão sobre o tema, além de debater atendimento, combate e prevenção ao bullying. As unidades escolares foram orientadas a trabalhar o tema, com apoio de assistente social. A rede conta ainda com dois programas que podem ser relacionados às questões psicológicas, porém não são específicos para o bullying, o Acolhendo Emoções e o Con_Viver Bem. Ambos tratam de acompanhamento psicológico.

Estadual

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo não informou se houve casos de bullying nas escolas do ABC. Cita apenas o Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (ConvivaSP), que visa identificar vulnerabilidades de cada unidade escolar para implementar ações proativas de segurança.

“As diretorias de ensino desenvolvem ações descentralizadas no combate ao bullying, um exemplo é a Diretoria de Ensino de Santo André, que ao longo do ano de 2022 desenvolveu 18 formações realizadas na Diretoria de Ensino, e nas unidades escolares, cujo objetivo era formação do grupo gestor e do corpo docente. As formações eram sobre bullying, empatia, saúde mental na escola, acolhimento e o impacto das emoções no processo de ensino-aprendizagem”, informa.

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