Dados do terceiro trimestre de 2022 mostram que, no Estado, a mulher apesar de todo um processo de desconstrução do machismo, ainda ganha menos que o homem e que as mulheres negras sofrem ainda mais na distribuição da massa salarial. Com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos) concluiu que a mulher ainda ganha em média 24% menos que o homem para a mesma função e se a mulher for negra a situação é pior porque 35,7% delas ganham até um salário mínimo mensal.
Apesar de serem maioria na população, as mulheres ocupam menos espaços no mercado de trabalho. Só no Estado de São Paulo 8,2 milhões delas estão fora da força de trabalho. Das que estão dentro, 10,7 milhões estão empregadas e 1,3 milhão estão desempregadas. A taxa de desemprego das paulistas é de 11,1%.
No ABC, os números que o Insper (Informações para o Sistema Público de Emprego e Renda), órgão do Ministério do Trabalho, trouxe, com base em dados de 2021, mostram que a desigualdade que se vê no país e no Estado quanto à participação da mulher no mercado de trabalho é igualmente vista na região. Em todas as cidades (veja quadro) o número de mulheres é bastante inferior ao de homens. Em São Bernardo há a maior diferença; 42.549 mil postos de trabalho. Na cidade 153.121 postos de trabalho são ocupados por homens e elas ficam com 109.572.
Para o economista e coordenador do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Jefferson José da Conceição, questões históricas e culturais ainda estão presentes e dificultam a igualdade no mercado de trabalho. “A mulher só começou a entrar no mercado de trabalho formal em no final da década de 60. Antes ela trabalhava sem assinatura na carteira de trabalho, tinha muito do emprego doméstico aí. As dificuldades impostas pela sociedade machista, de que a mulher tinha que cuidar da casa e dos filhos perdurou muito tempo. Hoje ainda muitas têm jornada dupla. Há uma necessidade de que a sociedade crie novos caminhos, com jornadas mais flexíveis, creches e também uma mudança conceitual para a divisão das tarefas do lar e dos cuidados com os filhos entre pais e mães. O Brasil ainda é um país muito machista, houve mudanças, mas muito lentas”, aponta.
Para o economista, a desigualdade no mercado de trabalho não é marcante apenas quanto ao número de pessoas, mas ocorre principalmente nos salários. Conforme a pesquisa Dieese/IBGE informou, elas ganham em média 24% menos que os homens. “A mulher ganha menos e ainda há uma resistência quanto às mulheres ocuparem cargos de chefia. As empresas dão as mais criativas justificativas, mas o fato é que entre um homem e uma mulher com a mesma capacidade de desempenhar a função, o homem é maioria entre os escolhidos. O que nos parece é que, apesar das mudanças no contexto machista, a diferenciação entre homens e mulheres ainda persiste. O trabalho de hoje, mais automatizado, não permite mais a existência de cargos só para homens ou só para mulheres. Na indústria que tínhamos nos anos 70 e 80 aqui no ABC o percentual de mulheres era muito pequeno, agora com a indústria 4.0 isso não faz mais sentido, ainda mais que o nível de estudo e preparo da mulher vem aumentando”, analisa o professor da USCS.
Para Jefferson José da Conceição os poderes públicos podem e devem contribuir para equilibrar a balança do mercado de trabalho entre homens e mulheres. “No município, por exemplo, as centrais de trabalho e renda podem colocar regras de compromisso para não promover a desigualdade, como alguma vaga que restrinja a participação de mulheres, ou exigir que a candidata não tenha filhos, isso é impeditivo e tem que ser combatido. A cidade pode ainda incentivar programas que apoiem e criem lideranças femininas”, sugere.
A coordenadora nacional do Movimento Olga Benário, Luiza Fegadolli, vive essa realidade na Casa Helenira Preta, em Mauá. A entidade atende com abrigo e apoio social e psicológico mulheres que foram vítimas dos mais variados tipos de violência e que chegam até a casa precisando inclusive de abrigo. “A mulher negra sofre mais para conseguir uma colocação no mercado de trabalho por conta de todas as opressões que ela já sofre na sociedade e que vão desde a privação do acesso à educação, a pobreza menstrual, o assédio e o abuso. A mulher de uma forma geral já tem que lidar com a reprodução e com uma carga de trabalho adicional no lar, coisas que o homem não precisa lidar”, comenta.
Segundo Luiza, quando a mulher é mãe as empresas não querem contratar. “As empresas temem que a mulher falte para cuidar do filho, essa é outra situação que o homem não precisa enfrentar; na entrevista não perguntam para ele se ele tem filhos. Acontece também da mulher que já é funcionária da empresa ser demitida após uma gravidez. Assim que termina a licença maternidade elas são demitidas. Outra coisa que exclui a mulher é não ter creche ou sala de amamentação nas empresas”, explica.
A dependência financeira de um companheiro agressivo é uma situação que muitas mulheres sofrem. “Como ela não tem emprego e não teve acesso ao estudo, muitas vezes aceita a situação e vive num ciclo de violência. É preciso uma mudança na base da sociedade, começando pela educação. Aqui na Casa Helenira Preta recebemos mulheres vítimas de violência física e financeira, chegam sem renda e com seus filhos. Trabalhamos autoestima dela, buscamos alternativas para que ela possa ter renda e ser independente”, conclui a coordenadora. A Casa Helenira Preta fica na rua Almirante Barroso, 146, em Mauá.