Milhares atuam como catadores e ABC não têm políticas públicas exclusivas

Trabalhadores recolhem recicláveis pelas ruas de Santo André. (Foto: Divulgação/Semasa)

No ABC, apenas Santo André tem um estudo amplo e atualizado sobre o número de catadores que circulam pelas ruas e tiram o sustento da coleta de recicláveis. Só no município são 1,8 mil pessoas envolvidas na atividade. Pequena parcela destes trabalhadores está em cooperativas, os demais circulam pelas cidades e puxam pesados carrinhos cheios de materiais para trocar por um dinheiro muitas vezes insuficiente para o sustento.

As demais cidades da região relatam que não têm sequer um indicativo de quantos são esses trabalhadores que, mesmo informalmente, movimentam a economia, mas não têm nenhum ou poucos benefícios, tampouco programas de incentivo ou de qualificação. Segundo o estudo feito por Santo André, cerca de 9,5% do contingente moram nas ruas mesmo, transformam o carrinho, que é seu ganha-pão, em abrigo noturno.

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De acordo com Maria Mônica da Silva, presidente da Cooperfênix, cooperativa catadores de recicláveis em Diadema, e também liderança do MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis), as cooperativas tentam atrair os catadores que atuam nas ruas, mas nem sempre conseguem colocá-los no grupo. “A gente tenta envolver, mas não obrigar que participem da cooperativa”, diz. Por meio da cooperativa, as vendas de recicláveis conseguem alcançar valores maiores, dada a quantidade de material e os lucros, que são divididos entre os cooperados.

Quem trabalha por conta nem sempre consegue vender os materiais a bom preço ou mesmo obter material em quantidade ou qualidade suficiente para ter boa renda. Mônica, em conversas com os catadores que atuam nas ruas, conseguiu apurar que alguns chegam a levantar em torno de R$ 800 por mês, bem menos que o salário mínimo atual, de R$ 1.302. “Isso não é o suficiente se o trabalhador tiver família, então vemos famílias inteiras envolvidas nisso”, analisa a presidente da cooperativa.

Mas a realidade não é igual em todos os lugares. Mônica diz que em São Caetano os materiais recicláveis descartados pela população são em maior quantidade e melhor qualidade. “Ouvi dizer que lá se consegue tirar de R$ 1,6 mil a R$ 2 mil”, comenta.

Com seus carrinhos, catadores reúnem grande quantidade de material para obterem preço melhor nos depósitos de ferro velho. (Foto: Pedro Diogo)

Como integrante do MNCR, Mônica diz que o diagnóstico feito em Santo André é a única referência sobre a atividade no ABC. “Isso deveria ser feito de forma regional, mas as cidades não se organizaram para isso”, lamenta.

Para Mônica, a falta de conhecimento sobre a realidade do catador traz muitos problemas para a categoria, já que muitos têm mais idade, sofrem com problemas de saúde dado o esforço físico e tem também a questão da vulnerabilidade social e o preconceito que enfrentam.

“As prefeituras não têm tratamento para esse pessoal que está aí na rua num um trabalho de extrema importância para a cidade e para o meio ambiente, mas que não vê suas necessidades atendidas”, diz. O estudo também identificaria aqueles trabalhadores que têm direito a benefícios do governo e ainda não estão inscritos.

As únicas prefeituras que responderam ao RD sobre a situação dos catadores, além Santo André, são Diadema e São Caetano. Ambas disseram que o atendimento de saúde e social a esse público é feito de igual forma como é com os demais usuários. “Eu vejo um olhar muito frio para com o catador. Existe preconceito quando ele entra em uma unidade de saúde, ou mesmo na rua, quando as pessoas olham diferente ou até tratam mal. Com a visibilidade que o Movimento Nacional trouxe para o setor nos últimos anos, essa situação melhorou um pouco”, diz a presidente da cooperativa, ao lembrar que foi uma catadora de recicláveis colocou a faixa presidencial no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na posse, no dia 1° de janeiro, Aline Sousa, uma catadora negra de 33 anos, colocou a faixa no presidente diante da ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se recusou a passar a faixa e viajou para os EUA.

Preconceito e desrespeito

Mônica sempre trabalhou como catadora. Desde os nove anos de idade está na atividade. Hoje tem 49. Em 2005, entrou para o programa de coleta da Prefeitura e se uniu à cooperativa. Lá descobriu a vocação. “Eu me descobri enquanto cidadã. Eu não sabia ler e aprendi, as portas do mundo se abriram para mim e hoje vejo que o movimento mudou a minha vida. Antes eu catava material nas ruas e tinha muita vergonha quando alguém colocava o lixo para fora e na mesma hora eu abria os sacos para ver o que dava para separar. A gente enfrenta preconceito até hoje, somos maltratados. Até na cooperativa, outro dia, um de nossos trabalhadores teve de sair do carro do Uber quando ele viu a camiseta da cooperativa. O motorista achou que o catador ia sujar o carro, o que não ocorreu”, relata.

Maria Mônica da Silva integra o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis e preside a Cooperfênix, em Diadema. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Hoje não tenho vergonha, eu entendo a importância da profissão e organizar os catadores é muito gratificante, é resgatar quem a sociedade exclui. No MNCR já ajudamos a organizar trabalhadores em vários estados e até de outros países”, diz a cooperada.

A Cooperfênix e outras cooperativas de Diadema devem assinar nos próximos meses um contrato com a Prefeitura para a coleta e triagem de recicláveis. “Diadema foi a primeira cidade do País a remunerar os catadores, mas nos últimos 12 anos, os trabalhadores não receberam nada, esperamos que isso mude agora”, afirma.

Estudo

O único estudo sobre os catadores realizado na região foi feito em Santo André no ano passado. A cidade contabilizou 1,8 mil pessoas que tiram do material reciclável a sua renda. O levantamento foi feito pelo Semasa (Serviço de Saneamento Ambiental de Santo André) com base em informações coletadas entre o final de 2021 e início de 2022, e originou o livro ‘Um olhar integrado sobre catadores de materiais recicláveis de Santo André’, lançado em agosto de 2022.

A pesquisa mostrou que a maioria dos entrevistados, 60,8%, é morador de Santo André havia mais de 20 anos. Além disso, 62,7% têm entre 30 e 59 anos, e 20% têm 60 anos ou mais. Do total, 43,5% se auto declaram brancos e 52,6% pretos ou pardos e quase a metade, 47,2%, é casada. Apenas 31,9% dos catadores não têm filhos. O estudo mostrou, ainda, que o catador e morador de rua são realidades que poucas vezes se misturam, já que 85,5% dos pesquisados disseram que moram em casa ou em moradia improvisada e somente 9,5% moram na rua.

Os animais de estimação, como cães e gatos, são os companheiros da jornada junto aos carrinhos de coleta; e 72,3% dos entrevistados disseram que têm cães e 53,3% possuem gatos. Dos 853 catadores que participaram do mapeamento realizado pelo Semasa, 74,4% são do sexo masculino e 23,3% são do sexo feminino.

 

Diadema

Diadema informou que não tem um número exato de catadores, mas quer ampliar a discussão para apoiar e formalizar os catadores individuais. O município informa que não há atendimento específico para os catadores. “As pessoas em situação de vulnerabilidade podem ser atendidas pelos equipamentos públicos de assistência social como o Centro POP, abrigos e instituições sociais parceiras. Na rede municipal de saúde, os catadores são atendidos como qualquer usuário, no atendimento básico ou especializado”. Diadema implantou o Programa Recicla Diadema com a participação dos catadores organizados, mas a administração diz que estuda medidas para incluir também os catadores individuais.

São Caetano

A Prefeitura de São Caetano diz que acompanha a movimentação de catadores pela cidade, mas salienta que o número de pessoas nesta situação, como carrinheiros, é extremamente volátil, principalmente pelo fato de a maioria ser de outros municípios. A administração informa que o Saesa (Sistema de Água, Esgoto e Saneamento Ambiental) orientou uma família, que acumulava materiais em casa, sobre os perigos à saúde e à segurança da mesma. A cidade informa que os programas sociais têm caráter universal para todos os munícipes e não apenas para um público específico.

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