
Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou que a Previdência Social pague às mulheres indígenas Guarani o auxílio-maternidade quando se tornarem mães antes dos 16 anos de idade. Na organização social das comunidades indígenas as mulheres se casam muito cedo e não é raro ver jovens menores de 16 anos com filhos, porém o INSS (Instituto Nacional de Previdência Social) negava o benefício. Uma ação movida pelo MPF (Ministério Público Federal) transitou em julgado e no último dia 19 de outubro e garantiu o pagamento do benefício. A decisão abarca as comunidades Guarani de cidades da Grande São Paulo, entre elas Mauá, Santo André e São Bernardo.
Para a comunidade indígena é uma conquista, pois pelos padrões culturais de diversas etnias indígenas, assim que a jovem passa pela menarca (primeira menstruação) ela já é considerada uma mulher e pode se casar e consequentemente ter filhos. Segundo a ambientalista, bióloga e pesquisadora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Marta Marcondes, a cultura Guarani e também de outras etnias indígenas são muito diferentes da estrutura social do homem branco. Marta realizou uma dissertação de mestrado sobre as comunidades guaranis que vivem à margem da Represa Billings.
“Os povos indígenas, que vivem em aldeias ou não, têm um ciclo cultural diferente, mas independente disso o auxílio-maternidade é um direito adquirido; é para a mulher se deslocar para a unidade de saúde, fazer o seu pré-natal é uma prevenção de saúde para ela e para o bebê. Fiquei anos estudando as comunidades como a Krukutu e outras aldeias para entender. Vi muitas mocinhas de 16 anos já com dois filhos e nessa idade essa jovem já tem responsabilidades. As crianças também são uma responsabilidade não apenas dos pais, mas da aldeia inteira”, analisa a docente da USCS.
A ambientalista diz que assim que a jovem passa pela sua primeira menstruação ela já passa por uma processo de entendimento, que é realizado na Casa de Reza, da aldeia. “Menstruou ela já passa a ser reconhecida como uma mulher”, completa.
Elson da Silva, mais conhecido como Mirim Elson, é liderança indígena da aldeia Guarani Guyrapaju Mbya, que fica em São Bernardo, na região do pós-balsa. Ele também entende que o tratamento dado pelo INSS, ao não pagar o auxílio-maternidade para as mães menores de 16 anos, revela uma desigualdade. “O benefício é importante para dar suporte para a mãe e o bebê”, diz o líder da comunidade que tem aproximadamente 60 pessoas, sendo que mais de 30% do grupo são crianças.
A sentença diz que as jovens Guaranis devem estar inscritas no cadastro da Funai (Fundação Nacional do Índio). Mirim Elson diz que mantém contato direto com a fundação e já soube que desde o ano passado algumas pessoas já estavam recebendo. Segundo ele o recurso que o INSS agora é obrigado a pagar ajuda nos deslocamentos já que a região fica distante de serviços de saúde, por exemplo. “Já foi mais difícil, agora já tem aldeia que tem carro, mas antes não tinha nem estrada. A gente hoje tem mais informação, acesso a televisão e internet”, explica, mas ao mesmo tempo as comodidades trazem preocupação com a preservação da cultura Guarani. “A gente tem que ter o cuidado para não perder os nossos costumes”, aponta.
A cacica Jaqueline Haywã, não é Guarani, ela é Pataxó, comunidade da Bahia, mas nasceu em Ribeirão Pires. Ela comemorou a decisão judicial e disse que espera que ela gere uma jurisprudência para que o pagamento do auxílio maternidade seja pago também para as jovens mães de outras comunidades indígenas. “Essas jovens trabalham desde cedo, casam-se cedo e nada mais justo do que receber, pois elas precisam muito”, diz a cacica que luta para o reconhecimento de uma comunidade indígena em Ribeirão Pires, que tem cerca de 70 pessoas. “A prefeitura já nos reconhece, o Censo já nos cadastrou também como indígenas, mas a luta agora é com a Funai”.
Médica da família há doze anos, e atuando em comunidade indígena que reúne doze etnias diferentes, Carla Rafaela Donegá, acompanha o andamento desta ação no TRF. “A gente tem uma percepção à partir dos padrões da sociedade do homem branco, mas a concepção de saúde, trabalho e cultura dos povos indígenas são muito diferentes, eles já nascem trabalhando no campo, tanto que o conceito de trabalho infantil não se aplica às comunidades indígenas”, conta.
A médica diz que trecho da constituição que trata dos direitos dos indígenas vem sendo negligenciado, e o não pagamento do auxílio maternidade é um exemplo. “A saúde para a população indígena é diferenciada. Todas as comunidades com as quais eu trabalho tem esse conceito em que a jovem engravida cedo. Assim que passa pela menarca ela tem um rito de passagem e não é mais vista como uma criança. O auxílio é uma ajuda importante, tem que pensar no pré-natal ,com no mínimo seis consultas com o médico da família, ver se precisam ser complementadas vitaminas, e a mulher precisa de constituir financeiramente, então o benefício está ligado à qualidade da saúde ”.
O censo comum diz que uma gravidez muito precoce ou tardia é considerada de risco para a mãe e para a criança. Porém esses critérios, segundo Rafaela tendem a serem revistos. “O Ministério da Saúde, que é a nossa referência, considera sim um risco, mas hoje o mais comum e ver mulheres engravidando com mais idade e quantas são jovens que vemos grávidas? Hoje isso não é um problema e não tenho visto risco nos partos nas jovens indígenas. Por outro lado temos muitos outros riscos como a violência obstétrica e o aumento de cesarianas que precisam ser vistos”, aponta. A médica diz ainda que o Censo, que está sendo realizado em todo o país, vai mostrar uma realidade muito diferente em relação ao que imagina quanto à população indígena. “Os números vão explodir, não apenas de comunidades aldeadas, mas de população indígena urbana. Será um susto”, analisa.