Falta de legislação federal dificulta combate à violência obstétrica

Maus-tratos contra a mulher grávida podem incluir violência física ou psicológica (Foto: Banco de Dados)

A falta de uma lei federal no Brasil ou qualquer tipo de regulamentação que configure o que é ou não uma lesão na relação entre médicos e pacientes tem escondido casos de violência obstétrica na rede particular e pública de saúde. Levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofrem do tipo de violência, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) a taxa é de 45%.

Os maus-tratos podem incluir violência física ou psicológica, podem fazer da experiência do parto um dos mais traumáticos para vida da mulher ou até mesmo para o bebê. Em entrevista ao RD, o psiquiatra Cyro Masci explica que as consequências da violência, em suas diversas formas, físicas e/ou emocionais, quando formam o quadro de estresse pós-traumático podem resultar em consequências crônicas caso não haja tratamento adequado. “Pode durar um ou mais anos, até mesmo a vida inteira”, diz.

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De acordo com o Conselho Regional de Medicina (CRM), o termo “violência obstétrica”, utilizado para caracterizar abusos sofridos por mulheres que procuram serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto, do nascimento ou pós-parto, foi considerado inadequado pelo Ministério da Saúde, com a afirmação de que há “conotação inadequada e não agrega valor à assistência à saúde”. Em consonância, o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou que o termo deve ser abolido, visto que estigmatiza a prática médica e “interfere de forma prejudicial na relação do médico e paciente”.

Atendimento médico e denúncias

O caso do médico anestesista Giovanni Quintella, preso em flagrante por estuprar uma paciente durante a cesariana, reacendeu os debates sobre o assunto e tem colocado sentimento de desconfiança em uma parcela de mulheres que já se recusam em fazer determinados procedimentos, ainda que simples, com profissionais homens. “Se nem os próprios conselhos assistem ou legitimam o que as mulheres dizem, quem vai nos assistir?”, questiona uma das mulheres grávidas entrevistadas pelo RD. A moradora da Capital – que preferiu não se identificar – relata que em seu processo de gestação, ocorrido em maio deste ano, fez questão de que uma médica (mulher) a atendesse, em razão da falta de confiança em hospitais e consultórios.

O professor de ginecologia e obstetrícia da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), Mauro Sancovski, explica que o caso do anestesista fez com que muitas mulheres tivessem receio pelo atendimento médico feito por homens. No entanto, ainda há mulheres que optam por profissionais já de confiança. “Temos as pacientes que ainda preferem o atendimento médico feito por homens não só por relatarem ‘mais delicadeza’, como também por médicos ginecologistas entenderem melhor algumas questões que as médicas alegam ser ‘normais’ nos parâmetros femininos”, explica.

Sancovski diz que caso a pessoa se sinta lesada na questão médico-paciente deve fazer uma denúncia aos órgãos de saúde. O CRM, por exemplo, recebe denúncias pessoalmente, na sede do Cremesp (rua Frei Caneca, 1282, São Paulo), ou nas delegacias regionais, e ainda pelo correio. Já a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção de São Bernardo, Martha Ochsenhofer, alerta que quando houver qualquer suspeita de sinal de violência contra a mulher, também deve-se comunicar a direção do hospital, ou a Secretaria de Saúde do município.

A vítima também pode constituir advogado para ver levar o caso à esfera judicial cível ou criminal. “Nossos tribunais têm se deparado cada vez mais com a violência obstétrica. O causador do dano não é só o médico ou a equipe médica, o hospital e o Estado respondem solidariamente se a vítima assim quiser. Mas falta existência normativa. Os juízes têm buscado leis no paralelo, como lesão corporal, e no âmbito civil a lei da responsabilidade civil. A mulher pode ter uma reparação pecuniária, em dinheiro, diferente do âmbito penal em que o autor pode ter sua liberdade cerceada”, diz a presidente.

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