O desaparecimento, na Amazônia, do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Don Phillips faz o mundo voltar seus olhos para o Brasil e para as dificuldades que o país tem de proteger aqueles que denunciam a devastação do meio ambiente. No mês de junho, considerado o mês do meio ambiente, não há muito que comemorar e os ambientalistas continuam sendo acuados em suas atividades. Para falar um pouco sobre o trabalho dos ambientalistas o RDTv ouviu a bióloga e ambientalista, Marta Angela Marcondes, professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) onde é coordenadora do Projeto IPH (Índice de Poluentes Hídricos).
Marta diz que o ambientalista pode ser o profissional formado em diversas áreas, de biologia a engenharia civil, de historiador a advogado. “É preciso ter vocação, o ambientalista pode ser um profissional de várias áreas, pode ser um geógrafo, pode ser um engenheiro ambiental, pode ser um educador, um biólogo como eu, pode ser um gestor ambiental e pode ser um historiador. Temos várias profissões que podem ser voltadas para a questão ambiental, mas para ser um ambientalista para valer mesmo tem que ter essa vocação de conhecer o ambiente, conhecer o território e entender como as coisas estão interligadas. O ambiente é uma série de estruturas e organismos que se interconectam e o ambientalista é aquele profissional que entende isso. Inclusive até na questão legal, como é que a gente entende essa legislação e de que maneira que essa legislação tem que ser colocada em prática”, explica a bióloga.
“Cada profissional vai, na sua área de conhecimento, abordar a questão ambiental, nas suas diversas facetas. O advogado ambientalista vai entender da legislação ambiental. Se for um gestor ambiental ele já estará focado para este fim. O ambientalismo abrange muitas coisas, inclusive quando vamos fazer um estudo de impacto ambiental quem faz são vários profissionais; biólogos, historiadores, geógrafos, profissionais de legislação como advogado. Você pode ser, por exemplo, engenheiro civil, que vai se especializar em soluções baseadas na natureza”, continua a professora da USCS.
Há também os ambientalistas que não têm a formação acadêmica, mas são ativistas ambientais. Marta Marcondes cita como exemplo Chico Mendes que foi o ativista brasileiro mais famoso. “Ele foi um grande ativista pelas questões da Amazônia, pelas questões da floresta, e pela defesa dos povos tradicionais e dos povos da floresta e ele não tinha formação acadêmica, mas estava lá defendendo uma área, a Amazônia”.
Marta disse que já sofreu ameaças e cerceamento da sua atividade. “Eu trabalho com a questão de águas e represas, então colocamos o dedo na ferida de muitas pessoas, de muitas empresas, no caso de poder público em algumas vezes, então já aconteceu várias vezes de eu ser cerceada discretamente, mas também já aconteceu várias vezes de ter enfrentamento, inclusive com pessoas armadas. Ocorre muito de não deixarem passar de determinado local, que não permitam que a gente entre.
Fatalidades
Uma pesquisa feita pela Global Witness mostra que o Brasil é o quarto país no mundo que mais mata ambientalistas, foram 20 mortes de ambientalistas no país no ano passado. “Mas essa nota luta tem que continuar por isso que eu falo que tem que ser uma vocação, você tem que estar preparado para o que der e vier”, diz Marta. O primeiro lugar em mortes de ambientalistas é a Colômbia, o segundo México, depois Filipinas. Segundo o levantamento os primeiro motivo que mais gera mortes é a exploração de madeira. “Colombia, México, Filipinas e o Brasil são locais onde nós temos ainda florestas tropicais que são defendidas pelos ambientalistas e a aí a exploração de madeira é muito grande, por isso que os ambientalistas que mais morrem são os que lutam pelas florestas”, analisa a bióloga.
Os ambientalistas que brigam pela preservação das águas e represas estão em segundo lugar no ranking dos que mais morrem. “Nós temos muitas indústrias e muitos empreendimentos que acabam destruindo nascentes, passando por cima. Aí quando você briga para tentar comprovar que ali é uma nascente que vai levar água para as represas, claro que as pessoas desses empreendimentos ficam com raiva de quem vai lá e comprova isso”, explica a pesquisadora. O terceiro lugar no motivo de mortes de ambientalistas é a mineração, o quarto lugar é a substituição de cultura e, em quinto lugar, está o agronegócio.
“Dentro desses cinco pontos temos terras que são indígenas, de quilombolas ou de pescadores artesanais, ou de ribeirinhos, então nós que lutamos por essas populações porque sabemos que as comunidades tradicionais são as que mais preservam áreas e os grandes empreendedores querem passar por cima de tudo isso”, sustenta a bióloga.
Intimidação
Através do IPH Marta e outros pesquisadores foram até Minas Gerais nos vales dos rios Paraopeba e Brumadinho analisar a qualidade das águas após duas tragédias ocasionadas pelo rompimento de duas barreiras de mineradoras. Lá os ambientalistas sofreram ameaças e as pessoas que vivem naquelas áreas foram proibidas de falar com os pesquisadores. “Sofremos várias ameaças mesmo com todo aquele desastre estava acontecendo. Diversas vezes fomos abordados de maneira a intimidar a nossa atividade. As pessoas eram impedidas de falar com a gente”, recorda. Ela também relata o caso do advogado e ambientalista Virgílio Alcides Farias que teve a casa atingida por tiros em Diadema e teve que se mudar.
Marta Marcondes diz que antes os ambientalistas não tinham muita informação, mas hoje, munidos de pesquisas científicas, conseguem melhores resultados e geram mais insatisfação dos que fazem mal ao meio ambiente. “Então hoje nós representamos mais problemas e a ameaça para nós é maior”.
A pesquisadora da USCS diz que está indignada com que aconteceu com o indigenista e o jornalista na Amazônia. Ela conta que não os conhecia pessoalmente, mas conhecia o trabalho dos dois. “Eles começaram a usar drones e hoje esses equipamentos têm uma autonomia muito grande quando eles começaram a comprovar onde eram as áreas devastadas e estavam reportando isso aconteceu o que aconteceu e foram riscados do mapa. Até quando isso vai acontecer? Quando vão perceber que a gente defende o planeta não é para a gente, é para todo mundo?”, indaga da ambientalista que aponta falhas do poder público na preservação das florestas e na proteção de quem denuncia. “Temos condições técnicas hoje de saber onde estão as pessoas que devastam a floresta; de saber onde está o garimpo ilegal, o corte de madeira ilegal e de saber onde está a invasão das terras indígenas e nós e temos um contingente de pessoas que poderiam estar nessas divisas. Eu não entendo como é que as coisas não acontecem, parece que é feito proposital”, aponta.
“As informações (sobre o indigenista e o jornalista) são escassas, desencontradas. O planeta está de olho no Brasil por causa disso, o que representa uma fragilidade para o nosso país. E essa fragilidade também afeta as pessoas que querem lutar e defender o meio ambiente como também para as pessoas que querem explorar aquele local”, diz Marta Marcondes que faz um apelo para que aqueles que tenham vocação não desistam. “Quanto mais pessoas a gente tiver melhor. Não tirem essa possibilidade que a gente tem em defender os nossos ecossistemas que são tão importantes, não só para o Brasil, mas para o mundo”, finaliza.