
O recente aumento dos combustíveis que elevou o preço da gasolina para perto R$ 7 o litro faz com que muitos motoristas não aceitem corridas mais curtas. Os profissionais se queixam de que a margem de lucro é muito pequena e que a maior fatia, cerca de 40%, fica com as plataformas como Uber e 99.
Motorista de aplicativo há três anos, Paulo Calfat Filho, conta que tudo aumentou, não apenas o combustível, mas também itens de manutenção do veículo, tais como troca de óleo, pastilhas de freio e filtros. Segundo ele a plataforma aumenta os valores das tarifas em centavos e o restante dos custos aumenta em dezenas de reais. “Claro que o combustível é um item que pesa bastante, por aqui, em Mauá, o litro da gasolina está em R$ 6,60. A plataforma tem que auxiliar o motorista de forma a reduzir esses custos como, por exemplo, fazendo parceria com loja de pneus, com oficinas e lojas de auto-peças. O que eles fazem é dar desconto em faculdade e academia, mas o motorista que trabalha o dia todo dirigindo não tem tempo para usufruir disso”, critica. O motorista de Mauá diz que não cancela corridas para evitar ser banido da plataforma.
Nos últimos dias a categoria tem feito paralisações. Na Capital há uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação das empresas de aplicativo. Na terça-feira (29/03) os parlamentares paulistanos, integrantes da comissão, fizeram visitas a dois endereços da Uber, na Capital e em Osasco, e encontraram escritório com poucos funcionários em um dos endereços e em outro o imóvel estava vazio.
Calfat Filho trabalha de 12 a 15 horas diariamente e ele cita exemplo de países em que o motorista de aplicativo é considerado funcionário da plataforma. Esse é o exemplo da Alemanha. As plataformas bem que tentaram, mas não conseguiram derrubar esse entendimento na corte superior do trabalho alemã. Em outros países também se discute o tema. “Assim o motorista teria direito a um salário mínimo, convênio médico e de trabalhar oito horas por dia”, comenta.
Para o motorista Hygor Cardoso, de Santo André, o poder de compra de todo cidadão, de uma forma geral, caiu bastante nos últimos dois anos e para o motorista de aplicativo caiu mais porque os gastos com o veículo abocanham grande parte do rendimento. Ele conta que evita algumas corridas mais curtas ou aquelas em que o passageiro está muito longe da sua localização. Apesar das dificuldades o motorista não pensa ainda em deixar a atividade. “A renda caiu bastante, mas ainda tenho a opção de trabalhar mais e ganhar mais, o que um emprego tradicional não traz. Um emprego para ter benefícios como férias, convênio médico e décimo terceiro está pagando também muito pouco”, diz o profissional que trabalha como motorista há cinco anos.
Cardoso diz que as companhias até oferecem alguns tipos de benefício para os motoristas, como descontos no abastecimento, mas ele diz que para se encaixar nos critérios é preciso ter uma pontuação muito alta, que é resultado da taxa de aceitação e de recusa de chamadas. O motorista de Santo André é casado e não tem filhos. Trabalhando em média 12 horas por dia, seis dias por semana ele consegue sustentar a casa. “Se eu tivesse filho eu teria que trabalhar mais algumas horas por dia ou talvez todos os dias da semana”, comenta. “O que a gente precisa é de um aumento da nossa margem e mais transparência da plataforma. Nos últimos anos a tarifa até aumentou, mas muito pouco, não acompanha a alta dos preços, muito menos a dos combustíveis”, destaca.
A opção ao custo da gasolina seria a conversão para GNV (Gás Natural Veicular), porém o custo dessa mudança é impeditivo. Cardoso já procurou informações e desistiu. “Seria uma alternativa, mas um kit custa em média R$ 5 mil e tem que pesar que o GNV também subiu muito ultimamente e a gente tem que parar mais vezes para abastecer e não é todo posto que tem”, pondera.
Em nota, a Uber diz que implantaram medidas para mitigar o efeito da alta dos combustíveis, dentre as quais, o reajuste de tarifas. A companhia não informou sobre cancelamentos de viagens mais curtas nem o número de motoristas que optaram por sair das plataformas.
A 99 também diz que adotou medidas para compensar a alta dos combustíveis e relata que não notou queda no número de motoristas, mas aumento na demanda. (veja abaixo a íntegra da nota das duas plataformas)
O que dizem as plataformas:
Uber
“A Uber lançou um pacote de medidas para ajudar a mitigar os custos dos motoristas parceiros com a mais recente alta dos combustíveis. Estão sendo investidos cerca de R$ 100 milhões em iniciativas como promoções de ganhos adicionais e parcerias que ajudam a reduzir os custos dos parceiros, além de um reajuste temporário no preço das viagens. O pacote faz parte de uma iniciativa global da empresa diante da instabilidade no cenário internacional causada pelo conflito no leste europeu, que tem pressionado custos de insumos em todo o mundo, particularmente os combustíveis. O preço das viagens intermediadas pela plataforma foi reajustado temporariamente em 6,5%, com o objetivo de ajudar os motoristas parceiros a lidar com o pico de alta em seus custos operacionais. Também são realizadas ações especiais de desconto de 20% no abastecimento de gasolina pelos motoristas parceiros, por meio de uma parceria de cashback entre a Uber Conta, rede Ipiranga e app abastece-aí. É importante frisar que a Uber foi a primeira e atualmente é a única plataforma que oferece a seus parceiros, em todo o país, a possibilidade de ter desconto no combustível. Hoje, pagando com o Cartão Uber no app abastece-aí, o motorista parceiro já tem 4% de cashback em todos os abastecimentos”, informou a companhia em nota.
99
“A 99 respeita o direito à manifestação e está sempre aberta ao diálogo, trabalhando para construir novas soluções para os parceiros. A plataforma criou um adicional variável de combustível que aumenta sempre que o combustível sobe, com proporção calculada à partir de dados da ANP e valores diferentes para cada estado (eles podem ser acessados no próprio aplicativo dos motoristas ou em https://99app.com/novo-aumento-km/). Em São Paulo, em uma corrida de 12 km, que gasta 1 litro na média para carro popular, o reajuste é de R$ 2,04 para este trecho. Ou seja, o motorista recebe um valor superior por litro se comparado à diferença atual que paga pelo combustível, cerca de R$ 1,65. A 99 esclarece que não observa redução do número de motoristas, mas aumento no volume de demanda que teve crescimento durante a pandemia e aumentou ainda mais com o fim das regras de isolamento social. Atualmente a plataforma possui 750 mil motoristas nas 1.600 cidades onde atua”, forma a plataforma em nota enviada ao RD.