As denúncias de violência motivadas por atos de homofobia e transfobia dispararam desde o início da pandemia na região. A informação é da Casa Neon Cunha, espaço de acolhimento a pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade, em São Bernardo, que cadastrou cerca de 200 jovens em 2020, expulsos de casa ou que sofreram algum tipo de violência. O relatório da Casa aponta, ainda, que no ano passado ocorreram 304 assassinatos contra a comunidade no Brasil, cinco deles em São Bernardo – todos com travestis.
Quatro das vítimas foram assassinadas com requintes de crueldade, conforme explica o presidente da Casa, Paulo Araújo. “Uma carbonizada, outra queimada viva, duas baleadas e uma esfaqueada, sendo que quatro delas morreram em locais públicos e três durante seu trabalho na prostituição”, lembra o presidente da ONG ao frisar que as travestis ainda são o maior alvo de crimes de LGBTfobia em todo o mundo.
Marcelo Gil, presidente e fundador da Ong ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual), conta que desde o ano passado, a Ong recebeu um número absurdo de chamados sobre tentativas de suicídio entre gays e travestis. “Mas é difícil falarmos em número específico de tentativas, mortes e até mesmo homicídio, principalmente porque não há quem faça essa contagem, nem mesmo a Secretaria de Segurança Pública do Estado”, aponta Gil.
Para a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado, Raquel Gallinati, os crimes acontecem em razão da falta de responsabilidade penal por atos de homofobia durante anos, o que leva à repetição sem medo de julgamentos sociais, criminais ou de negação por autoridade pública. “Ficamos tantos anos sem ter uma lei que de fato punisse crimes dessa natureza, que ainda é difícil encararmos uma manifestação histórica/social tão dura, sob julgamento social”, explica.
Entre as vítimas fatais de LGBT fobia registradas no ano passado, 94% foram homicídios, seguido de 5,5% suicídios, segundo o Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil. Na visão da delegada e de quem atua na frente de organizações sociais, o número reflete a falta de compromisso do poder público para/com a população LGBT, que sofre sem ações efetivas. “As prefeituras não se preocupam em desempenhar um trabalho efetivo para a comunidade LGBT. Para se ter ideia, no ABC temos somente duas comissões que tomaram frente para desempenhar ações para a população”, diz.
Em São Bernardo, a luta da Casa Neon Cunha é para abrir o espaço físico de acolhimento a pessoas LGBTQIA+. O objetivo é promover espaço de acolhimento a pessoas expulsas de casa e/ou em situação de rua com oferta de abrigamento e passagem, além de atuação de rede para o resgate de autonomia e dignidade destas pessoas. “Queremos prestar serviços de orientação psicológica, social, jurídica, redução de danos e educação social a pessoas; ofertar atendimento emergencial e promover a sociabilidade e convivência produtiva”, explica Paulo Araújo.
De maneira emergencial, a Casa realizou a entrega de 2.720 cestas básicas e kit higiene, que foram acompanhados por mapeamento de demandas sociais, com ajuda de parceiros que, além de doarem com gasolina para a entrega dos materiais, auxiliaram com espaço físico, dinheiro e solidariedade. “Contamos com muitos voluntários, porque as prefeituras não prestam esse socorro que tanto precisamos”, salienta o presidente.
Questionada sobre os dados de mortes e crimes contra a população LGBT na região, a Secretaria de Segurança Pública não soube informar os índices de 2020, nem deste ano.