Em meio à quarentena, que afundou várias varejistas, o grupo Arezzo&Co fez, possivelmente, a maior transformação de sua história. Deixou de ser uma empresa de sapatos para ser uma companhia de vestuário superdigital ao lançar um marketplace que reúne marcas que não fazem parte do grupo, e ao comprar um brechó online e também a Reserva, especializada em moda masculina. A metamorfose foi bem recebida pelos investidores – que antes viam uma limitação para a empresa continuar crescendo – e as ações da companhia já estão 11% acima do registrado antes da pandemia.
Apesar de o grupo ter tido um prejuízo de R$ 3,2 milhões nos nove primeiros meses de 2020, a avaliação dos analistas é que a Arezzo atravessou bem a crise, tendo inclusive ampliado sua participação no mercado para 30,9% enquanto as concorrentes perdiam força. “Eles foram capazes de se adaptar rapidamente. Já tinham um online forte e conseguiram torná-lo mais relevante. Bem mais do que a gente imaginava. Conseguiram adaptar também a produção e acompanhar mais de perto as mudanças do consumidor (passaram a lançar novos produtos a cada 15 dias)”, diz Helena Villares, analista do Itaú BBA.
Tanto o Itaú como o BTG Pactual veem que as ações da empresa têm potencial para alcançar R$ 80 – hoje, estão cotadas a R$ 74. Desde abril do ano passado, quando os papéis afundaram e chegaram a R$ 33 em decorrência da crise do coronavírus, eles já subiram 121%.”Há anos a Arezzo é vista como uma empresa premium no varejo brasileiro, com execução superior na gestão da marca e na operação bem-sucedida de seu modelo de franquias, justificando seu valor de mercado. Vemos uma nova via de crescimento para a empresa nos próximos anos”, afirmaram em relatório os analistas Luiz Guanais e Gabriel Savi, do BTG.
Uma das alavancas para esse crescimento é a Reserva, que, ao ser incorporada, ampliou o mercado alvo do grupo de R$ 12 bilhões para R$ 40 bilhões. Antes dessa compra, os investidores achavam que a empresa tinha um potencial de crescimento limitado, dado que já detinha uma participação alta em seu mercado, de quase 25%. Agora, poderá crescer com roupas masculina, feminina e infantil, segmentos em que a Reserva está.
A aquisição, um negócio de R$ 715 milhões, foi possível porque o grupo tinha uma situação financeira confortável antes do coronavírus, com mais recursos em caixa do que o total de dívidas. Mesmo após a operação, a condição financeira da companhia é considerada sólida.
Apesar de ser vista como uma operação de potencial, a compra da Reserva traz um desafio. Essa é a primeira empresa de grande porte adquirida pela Arezzo, que terá de desenvolver expertise para integrar os negócios.
Além da Reserva, a Arezzo pretende fazer novas aquisições. “Continuamos olhando ativos de vestuário, mas não olhamos só para marcas. Também estudamos (empresas de) tecnologias que possam viabilizar o ecossistema que queremos construir. Para muitos desses ativos, criamos o ZZ Ventures”, diz a diretora de estratégia, Aline Penna.
Criado em novembro, o ZZ Ventures é o braço da Arezzo para investimento em startups. Quando o grupo anunciou a iniciativa, comunicou também a aquisição de 75% da Troc, um brechó online. A intenção da Arezzo é inserir a Troc no ZZ Mall, marketplace lançado em setembro e que hoje reúne 50 marcas. Antes da pandemia, o projeto previa a entrada de marcas que não fossem do grupo apenas em 2022. O crescimento do comércio online na quarentena, porém, acelerou o projeto. Neste ano, o grupo pretende ampliar o marketplace, adicionando conteúdo sobre moda, cursos abertos ao público que ensinem, por exemplo, como criar uma coleção, e também um programa de fidelidade.
Com várias iniciativas simultâneas, no entanto, os investidores devem passar a olhar com mais cuidado a integração de todos os negócios. “A Arezzo tem muita coisa para fazer: integrar a Reserva, iniciar uma operação feminina (a Reserva tem a marca Eva, que ainda é tímida), começar mais forte com calçados masculinos. A preocupação é se vai dar conta de tudo”, diz Helena Villares, do Itaú BBA.
Aplicativo fornece contato de clientes a vendedores
Uma das alterações da Arezzo&Co que mais chamou a atenção dos analistas em 2020 foi a velocidade da transformação digital promovida em meio à pandemia e os resultados rápidos dessas mudanças. Com as novas tecnologias, as vendas online da companhia cresceram 148,2% nos nove primeiros meses do ano e atingiram R$ 364 milhões. Outros canais, como franquias, tiveram queda de até 50% no mesmo período.
A adaptação rápida da Arezzo só foi possível porque as mudanças haviam sido iniciadas dois anos antes, quando, após uma viagem ao Vale do Silício, o presidente do grupo, Alexandre Birman, e o hoje diretor de transformação digital, Maurício Bastos, levaram a uma reunião do conselho de administração a ideia de que as ferramentas digitais tinham de ser vistas como canais de transformação, e não apenas como alavancas do e-commerce.
Um ano depois, ferramentas para venda não presencial foram apresentadas aos franqueados, que passaram a adotá-las gradualmente. “Inicialmente, a implementação dessas tecnologias foi menos rápida do que gostaríamos. Mas, quando entramos no modo pandemia, fomos para a guerra. Reforçamos que, mesmo a loja estando fechada, precisávamos continuar se relacionando com os clientes e lembramos que tínhamos solução para isso”, conta Bastos.
Até então, as ferramentas de venda remota eram separadas umas das outras. Havia, por exemplo, a “prateleira infinita”, que permite um vendedor comercializar um produto que não tem em sua loja, mas está disponível no estoque do e-commerce. Outra tecnologia era a venda com link de pagamento, que facilita a transação não presencial.
O momento da virada, porém, foi quando o grupo reuniu essas e outras ferramentas em um único aplicativo que permite não só o vendedor acompanhar seus resultados, mas também lhe dá uma agenda de relacionamento, com perfil do cliente, gostos e até o contato.
“A vendedora passou a ter a ferramenta completa para vender a distância, recebendo o contato de quem deveria falar e como deveria abordar. Abria o celular e via: cliente que gosta de comprar em liquidação, por exemplo. Com essa agenda de relacionamento, os resultados explodiram”, diz Bastos.
A agenda que a vendedora recebe é formada por clientes que já consumiram na loja, o que é essencial para ser eficaz, de acordo com o diretor da empresa. Eventualmente, pode haver alguém que só tenha comprado pelo e-commerce.
Ao mesmo tempo que introduzia esse aplicativo, a Arezzo ainda lançou a “vitrine virtual”, que transforma cada loja em uma espécie de e-commerce. Com todas essas ferramentas e com o consumidor em casa, a internet passou a ser o principal canal de vendas do grupo, com 34% do total. Nos nove primeiros meses de 2019, tinha tido uma participação de 11,3%.
“A influência digital será cada vez maior. Depois que as coisas mudam, elas não retrocedem. O digital é mais que um canal de vendas, é um modo de se relacionar e de construir uma jornada”, destaca Bastos.
‘Falei que queria que ficasse só quem tivesse disposição’
Presidente da Arezzo e filho do fundador da marca – Anderson Birman -, Alexandre Birman admite que o nível de cobrança é alto na empresa. “As pessoas vivem a empresa. Em julho do ano passado, falei que queria que ficasse comigo só quem tivesse disposição de lutar até o fim. Vieram pessoas importantes falar que não estavam dispostas.”
Após finalizar 2020 tendo recuperado todo o valor de mercado que sua companhia havia perdido no pior momento da crise da covid, Birman pretende seguir avançando rapidamente ainda que o cenário continue sendo de pandemia. Diz ser possível expandir a rede de lojas de algumas marcas, quer aumentar a presença no comércio online dos EUA e fazer novas aquisições. No ano passado, comprou a Reserva, focada em moda masculina, e entrou definitivamente no mercado de vestuário.
O que permitiu a Arezzo ter um bom desempenho em um ano atípico para o varejo?
A base de tudo é a cultura da nossa empresa. Uma liderança resiliente e flexível, que trabalha unida e tem muito envolvimento com o negócio. O trabalho foi muito bem orquestrado: desde 9 de março, que foi o dia da primeira reunião do comitê de crise, até seis meses depois, quando concretizamos uma aquisição de R$ 715 milhões, entrando no setor de vestuário (com a compra da Reserva). A pandemia foi uma oportunidade para crescimento e a base de tudo é a cultura e o nosso time.
Destacaria algo da cultura?
Paixão em tudo que fazemos. O nível de envolvimento e dedicação é muito grande. As pessoas vivem a empresa. Só está aqui quem quer. É uma empresa que tem uma política excelente de remuneração, mas que tem uma cobrança muito grande. O foco no resultado é grande. Semestralmente, fazemos um encontro da liderança. Em julho do ano passado, falei que queria que ficasse comigo só quem tivesse disposição de lutar até o fim, porque íamos terminar 2020 vencedores, independentemente de qualquer cenário. Vieram pessoas importantes falar que não estavam dispostas. A gente respeitou, óbvio, as condições sanitárias. Tomamos as precauções, mas voltamos logo ao trabalho. A indústria voltou em 23 de abril. As lojas, começamos a operá-las fechadas. Onde o shopping permitia acesso aos estoques, estávamos ali vendendo. E teve toda a transformação digital que estávamos preparando.
Há uma dúvida no mercado sobre a capacidade de o grupo fazer a integração da Reserva.
Tenho certeza de que iremos mostrar nossa capacidade. O Rony (Meisler, cofundador da Reserva) e eu temos nos encontrado a cada 15 dias no mínimo. A integração começa pela liderança e depois permeia toda a organização. Já conseguimos unificar o processo orçamentário e as áreas contábil, fiscal, tesouraria e jurídica. A parte de produtos e suprimentos estamos redesenhando, trazendo um calendário mais frequente de lançamentos. Vamos levar também a Reserva para o feminino e estamos definindo o potencial da Reserva no que tange a expansão de lojas. Estou muito confiante. A parte de sistemas vai se concretizar daqui seis meses. Esse é um processo mais demorado.
O sr. já indicou que o grupo continuará fazendo aquisições. Ao mesmo tempo, pretende ampliar o segmento feminino da Reserva. O que faz mais sentido: comprar uma marca feminina ou impulsionar o que vocês já têm?
Ampliar a Reserva feminino é uma certeza. Além disso, vamos explorar mais a marca Eva (que era do grupo Reserva, com atuação no segmento feminino). E as aquisições são um dos motivos da vinda do Rony. É um processo muito profundo, estamos sendo metódicos. O que não faltam é nome e oferta de empresas.
Faria sentido comprar uma marca feminina quando vocês estão expandindo outras?
Sim.