Ação integrada é fórmula para combater pancadões em vias públicas

Um dos principais problemas da região metropolitana de São Paulo e que surgiu na última década são os pancadões. Conhecidos, também, como bailes funk, acontecem em vias públicas, que ficam interditadas. Som alto que vem das chamadas paredes de autofalantes, ou mesmo de sistemas de som instalados em veículos, anima as festas de rua, regadas a bebidas alcoólicas vendidas clandestinamente e drogas, tudo isso com a presença de menores de idade. As mais diversas estratégias já foram tentadas, de levar as festas para lugares controlados à dispersão com jatos de água, mas nada se mostrou eficiente no sentido de acabar com a prática que tira o sono dos vizinhos, impede o direito de ir e vir e promove delitos. Especialistas ouvidos pelo RD dizem que só a ação de polícia não é suficiente, é preciso uma ação integrada entre os poderes públicos do Estado e municípios.

Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar, José Vicente da Silva, acabar com os pancadões é um “desafio monumental”. O especialista considera que sem uma ação articulada as medidas serão paliativas. “A perturbação do sossego que esses bailes geram é infernal, agora com a pandemia a situação piora ainda mais porque os jovens acham que são imunes. Eu acho que esse assunto deveria também ser debatido no Comitê de Contingência da Covid-19, de qualquer forma sem uma gestão compartilhada e também um trabalho de convencimento, não vai adiantar”, analisa.

Newsletter RD

No ABC, entre março de 2020, quando tiveram início os planos de contenção e as medidas de isolamento por conta do novo coronavírus, até 16 de outubro foram 2.293 ocorrências registradas pela Polícia Militar, classificadas como pancadão, esquenta, baile funk e perturbação do sossego, uma média de 10 ocorrências por dia. A estratégia da PM depois que os bailes já estão instalados é manter efetivo no entorno das festas e vistoriar pessoas e veículos que passam entrando ou saindo delas. Embates diretos entre a polícia e os frequentadores em geral trouxeram mais desgaste do que resultado. Em Paraisópolis, uma das maiores favelas da Capital, uma ação da PM em dezembro de 2019 deixou 9 mortos.

Coronel José Vicente da Silva é especialista em segurança pública e diz que se não houver integração não haverá solução para pancadões. (Foto: Divulgação Alesp)

José Vicente da Silva não acredita que a ocorrência dos bailes funk ou pancadões tenha como origem a falta de lazer para os jovens. “Essa coisa de falta de lazer é desculpa para as estrepolias. Na Capital, já se tentou fazer o baile em um local determinado, com a segurança, todo mundo revistado para entrar; estava tudo montado e não foi ninguém”, comenta. “Tem de ter uma integração, o evento de rua é um problema da Prefeitura e não tem multa para isso, não há intimidação”, comenta.

Enquanto a fórmula ideal não é encontrada os pancadões seguem e tiram o sono da população. Caso dos moradores da rua Carneiro Ribeiro, no Jardim Santa Cristina (assista vídeo acima), em Santo André. O baile no local é livremente anunciado nas redes sociais. Um morador  que pediu para não ser identificado conta que desde o Natal a comunidade não teve mais sossego, pois tem bailes todo fim de semana, começam por volta da meia noite e seguem até as 11h da manhã seguinte. “Tem muitas drogas rolando a madrugada toda e ninguém usa máscara. Aqui tem muitos idosos, moradores antigos, e imagino que como eu devem estar sofrendo muito”, afirma o morador.

No dia 23 de janeiro, após uma reportagem do RD, a Guarda Civil Municipal de Santo André ocupou a rua Carneiro Ribeiro e foi o único dia que os moradores tiveram um sábado de sossego desde o Natal.

Pancadão no Núcleo 18 de Agosto em Diadema começa à noite e vai até a manhã do dia seguinte. (Foto: Redes Sociais)

Em Diadema, os pontos mais críticos já são bem conhecidos das autoridades municipais e estaduais. Os pancadões do Morro do Samba e o baile do Pombal, ambos no bairro Serraria; o Baile da Torre, no Taboão; e o baile da 18, no Núcleo 18 de Agosto, no Campanário, são os mais famosos, mas as festas clandestinas acontecem também em outros pontos da cidade. Empossado há menos de um mês como Secretário de Defesa Social, o ex-ouvidor das polícias Benedito Mariano conhece bem o assunto e conta que mudanças são feitas na estratégia. “Vamos intensificar as ações e identificar quem apoia ou promove os pancadões, isso será feito em conjunto com a Polícia Militar em operações sistemáticas, ocupando os locais”, adianta.

A ocupação dos pontos já foi testada. Segundo o secretário, foram inibidos em janeiro dois bailes: um no Núcleo 18 de Agosto e outro na rua Itália, no bairro Taboão. “Fizemos no sábado e foi um sucesso, mas no domingo nós não fomos e o baile voltou. Queremos ficar sabendo antes para onde vão, pois a melhor forma de atuar é não deixar a aglomeração acontecer”, diz. Benedito Mariano não quis estipular data para o fim dos pancadões em Diadema, mas promete que até dezembro a realidade será bem diferente se comparada com o cenário de 2020.

Diadema Legal não aparece

Um enfermeiro, que não quis revelar o nome, relata o drama de quem mora no Núcleo 18 de Agosto, palco de pancadões aos sábados, domingos e feriados. O profissional de saúde diz que tem vezes que precisa dormir fora de casa, porque não consegue entrar ou sair quando tem pancadão. “Na semana passada tinham umas 600 pessoas ou mais entre as ruas Ouro e Platina e os bares ficam abertos a noite toda. A gente liga no Diadema Legal e nunca vem ninguém”, comenta. O morador admite que o único dia que não teve pancadão este ano foi 16 de janeiro, quando a GCM fechou as ruas. “Foi um milagre”, comentou.

Em nota, a Polícia Militar informa que criou a Operação Paz e Proteção só para cuidar do tipo de ocorrência. A corporação informa que, em todo o Estado, no ano de 2020 foram aprendidas 820 pessoas, recuperados 522 veículos e apreendidas 1.029 armas e cerca de 1,4 tonelada de drogas. Já no início de 2021 foram 83 pessoas presas, 53 veículos recuperados, 4 armas apreendidas e cerca de 6 quilos de drogas.

Prefeituras

Consultadas sobre o tema pancadões, as prefeituras da região relataram suas estratégias de atuação. São Bernardo informa que dispersou no período da pandemia 600 ocorrências de perturbação de sossego, desde aglomerações de pessoas em torno de veículos ou caixas de som até pancadões em via públicas. Houve ainda 250 ocorrências de festas em residências. Juntas, as ações resultaram em mais de 14,2 mil orientações para o uso correto de máscara e na apreensão de 75 veículos.

Santo André informa que, entre setembro de 2020 e janeiro de 2021, registrou 144 situações de aglomeração, 23 de desordem pública, desrespeito ao horário de funcionamento (para bares e salões), somando 184 e 155 por ruído excessivo.

Em Mauá, este ano já foram apreendidas 40 motocicletas e veículos que estavam com som alto ligado. ”Outro exemplo de operação realizada pelas equipes da GCM foi na madrugada de 16 de janeiro, quando interromperam um baile funk com aproximadamente 600 pessoas no Jardim Zaíra”, informa em nota.

Em São Caetano, as denúncias de perturbação do sossego aumentaram mais de 160% entre 2019 e 2020. “De 829 atendimentos em 2019 saltaram para 2.163 em 2020. Notou-se que a maioria dos chamados foi proveniente de festas em residências e reuniões familiares e dos casos de aglomeração de pessoas e dos bares que descumpriram as regras contra a covid-19”, informa em nota.

Diadema ainda afere os números da gestão anterior. Mas em outubro de 2020 somente no final de semana entre as madrugadas do dia 23/10 e 26/10 a Prefeitura dispersou 12 pancadões. Ribeirão Pires informa que a fiscalização segue as regras do Plano São Paulo e Rio Grande da Serra não respondeu ao RD.

Donos de bares sofrem pressão

Os bares, antes locais de descontração, festas e animação, se tornaram alvos das medidas de contenção da pandemia. Muitos desafiam os órgãos de controle e funcionam com aglomeração. De um lado os comerciantes se sentem pressionados para manter o negócio em funcionamento após 11 meses de pandemia e alguns períodos em que foram obrigados a fechar as portas e outros com funcionamento com horário limitado. De outro lado as autoridades consideram eventos com pessoas em pé, como baladas e shows fatores que aumentam a transmissão do vírus e tentam frear a vida noturna. As sanções são duras para quem desobedecer. Até o dia 7 de fevereiro o ABC está na fase Laranja. Os bares só podem funcionar até as 20h durante a semana e nos fins de semana a fase é a Vermelha e só estabelecimentos considerados essenciais podem abrir.

Diadema planeja ampliar a fiscalização. Segundo o Secretário de Defesa Social, os guardas civis municipais terão mais poder para autuar e lacrar os estabelecimentos que desrespeitarem as normas estabelecidas pelo Plano São Paulo e também a Lei Seca, que proíbe o funcionamento de bares e estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas de funcionar entre as 23h e 6h, salvo aqueles que tiverem licença especial.

Benedito Mariano é Secretário de Defesa Social em Diadema e anunciou novas medidas de fiscalização de bares. Foto: Divulgação / PMD)

De acordo com Mariano, nos próximos dias será publicado decreto entre as secretarias de Habitação e Defesa Social, que dará o poder aos GCMs. Atualmente, os guardas atuam conjuntamente na fiscalização de bares, mas apenas o fiscal tem o poder de autuar e determinar a lacração do estabelecimento. “Isso vai trazer vantagem extraordinária, a fiscalização passa a ter estrutura maior”, comenta. Somente entre os dias 27 e 28, Diadema fiscalizou 42 bares.

Lacrações

Em São Caetano, os boletins de ocorrência da GCM são encaminhados ao Departamento de Controle Fiscal da Atividade Econômica, com denúncias do SOS Cidadão 156 para providências administrativas, que resultaram em lacrações de estabelecimentos e fechamento temporário para adequação das regras estabelecidas pelo município. Entre janeiro de 2020 até agora já foram feitas 311 autuações, 133 lacrações e lavradas 10 multas.

Em Mauá, um dono de bar chegou a ser levado à delegacia. “O trabalho tem sido realizado por toda a cidade e conta com a atuação de GCMs, agentes de trânsito e de fiscalização da vigilância sanitária. Já foram lavradas nove autuações por descumprimentos das normas vigentes. Um proprietário de bar foi encaminhado ao Distrito Policial por desobediência ao romper o lacre de interdição do estabelecimento”, informa a Prefeitura.

Também em Mauá uma adega na rua Zaíra Mansur Sadek, no Jardim Zaíra, funcionou até as 23h na quinta-feira (28/01), com aglomeração e mesas instaladas em via pública. A Prefeitura informa que não recebeu nenhuma denúncia sobre funcionamento irregular do estabelecimento, mas afirma que vai apurar o fato.

Santo André criou a Operação Comércio Responsável e os estabelecimentos que descumprirem o decreto estão sujeitos à aplicação de multa, interdição e revogação do alvará de funcionamento. “A Prefeitura tem intensificado a fiscalização em estabelecimentos comerciais, sobretudo em bares, para combater aglomerações e festas clandestinas, orientar quanto à falta do uso de máscara e multar locais que não seguem os protocolos sanitários e de segurança”, informa. As denúncias podem ser feitas no aplicativo Colab.  Entre setembro de 2020 e janeiro de 2021 foram vistoriados 912 estabelecimentos, num total de 361 medidas adotadas, sendo 40 advertências por ruído, 14 interdições, 42 auto de infração, 7 multas, 13 notificações, 62 orientações e firmados 154 termos de compromissos, conforme relata a administração.

São Bernardo criou a operação Noite Tranquila, que visa fiscalização de festas, bares e pancadões. Informa que desde o início da pandemia autuou cerca 400 estabelecimentos comerciais por desrespeito às normas de segurança.

Ribeirão Pires informa apenas que segue as normas do Plano São Paulo e Rio Grande da Serra não respondeu.

 

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes