Desde o início do isolamento social ocasionado pelo novo coronavírus (covid-19), as escolas tiveram de se reinventar para manter o calendário escolar, ainda que no esquema home office. Os professores precisaram se adaptar ao meio online, o que causou angústias e reclamações especialmente pelas exigências, falta de material e capacitação promovida pelas escolas públicas, municipais e até particulares.
Uma professora da rede municipal de Mauá, que prefere não ser identificada, conta que para conseguir aplicar as atividades do ensino fundamental aos alunos, precisou comprar outro celular. “A escola não forneceu nenhum tipo de aparelho ou plataforma para que aplicássemos as atividades”, desabafa. Assim, os professores tiveram de se reinventar e até comprometer a própria renda. “Eu mesma tive de comprar um outro celular, especialmente para atender os alunos e não romper minha privacidade, um gasto que eu nem sequer esperava”, diz.
A professora declara, ainda, que não houve qualquer tipo de capacitação para os professores na rede municipal, o que piorou a situação. “Todos tiveram de se adaptar e usar as habilidades pessoais para fazer o melhor para as crianças, mas é difícil, acabamos trabalhando praticamente o dia inteiro entre preparar aula, passar atividades, corrigir e responder os alunos, além de dar um retorno para a coordenação”, relata.
Em Ribeirão Pires, outra professora que não quis se identificar, conta que tem dedicado a quarentena para dominar as ferramentas tecnológicas. “Fomos praticamente forçadas a isso, porque exigem e se você não apresentar resultado, acaba pagando a conta”, relata. “Estou assistindo a videoaulas e canais de vídeo para tentar aprender e dar conta do recado”, relata.
Toda a situação de cobrança e novidades no home office gera medo e insegurança aos educadores, que afirmam não conseguir repassar o conteúdo com a mesma qualidade fora da sala de aula. “Mesmo com todo o esforço de oferecer uma aula de qualidade dentro do ambiente virtual, é complicado, não conseguimos sanar as dúvidas a todo momento e muitas vezes precisamos tomar decisões sem consultar a escola para repassar o conteúdo”, diz uma professora
Para quem tem filhos pequenos em casa, a situação é ainda mais complicada. É o caso de Renata Carvalho Sanches, educadora de uma escola particular em Santo André. “Está sendo bem complicado, porque além da falta de treinamento, ainda precisei reorganizar minha rotina dentro de casa por conta dos meus dois filhos, que são pequenos”, comenta. Na tentativa de melhorar a rotina, a professora conta que o marido interrompeu parcialmente a jornada de trabalho para cuidar das crianças e ajudar nas tarefas de casa.
Material insuficiente
Ainda que todas as prefeituras da região forneçam material via plataforma digital e gratuita, os professores alegam que é insuficiente para conta da demanda. Em Diadema, os professores usam as plataformas Mind Lab e Google Glass, além de SMS e e-mail para fornecer as atividades. Entretanto, o material produzido, que passa por validação dos coordenadores pedagógicos, são feitos nos computadores e aparelhos pessoais dos professores, que ainda precisam participar de grupos nas redes sociais para sanar as dúvidas dos alunos.
Em Ribeirão Pires, o cenário na rede municipal é o mesmo. Todo o conteúdo é disponibilizado nos canais digitais conforme orientações das equipes pedagógicas. Contudo, são produzidos nos celulares dos professores. Em Santo André, além da plataforma digital, há atividades complementares no Portal da Educação, preparadas por coordenadores e especialistas da equipe técnica da Secretaria de Educação. “Não há necessidade de formação para os professores da rede”, alega a Prefeitura em nota.
E-book
Diferente das outras cidades, a rede municipal de São Bernardo desenvolveu um e-book sobre recursos digitais disponíveis para a realização das aulas à distância e um curso por meio da plataforma Avamec, a fim de que os profissionais se apropriassem destas tecnologias para desenvolvimento de suas funções.”O uso das ferramentas digitais já fazia parte do cotidiano de professores e alunos, sendo integradas ao currículo e também utilizadas na formação de professores através de cursos on-line”, destaca a Prefeitura em nota.
Volta às aulas
Em nenhuma das cidades há previsão para a volta às aulas. As secretarias de Educação aguardam deliberação do governo do Estado para definir sobre o cumprimento da carga horária do ano letivo, bem para definir data para retorno de atividades presenciais, já que a rede municipal trabalha em regime de cooperação com o Estado. Alunos que não têm acesso à internet terão um período para programa intensivo de recuperação.
Já os professores que não têm acesso às redes, as prefeituras vão promover entrega de atividades físicas, que em seguida serão encaminhadas às famílias. Sobre o assunto, a professora Vera Z, que é também diretora estadual e conselheira por São Bernardo do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeosp), defende que os professores não devem exercer as atividades sem equipamentos e material técnico adequado.
“Estamos tentando um diálogo com o governo do Estado justamente para discutir essas questões. Estamos amparados por um estatuto que fala sobre a liberdade de escolha do professor em utilizar sua metodologia de ensino e a necessidade da disposição de material e isso não vem sendo cumprido”, declara diante ao problema que atinge escolas municipais, estaduais e particulares.
Já a orientação da presidente do Sinpro (Sindicato dos Professores do ABC), Edilene Arjoni, é que os professores façam registros e documentem todo o trabalho extra. “Printar as telas eescrever em cada publicação de aula que aquele material está disponível apenas para os alunos de suas turmas no período da quarentena covid-19 são algumas das orientações”, sugere ao citar ainda que, posteriormente, serão possíveis ações judiciais.
Retorno deve ser gradual
O governador do Estado, João Doria (PSDB), anunciou sexta-feira (24/4) que as aulas no Estado só serão retomadas em julho. Além disso, será feita de modo gradual, com rodízio de estudantes e conforme a situação da pandemia no local. As primeiras a voltar serão as creches e pré-escolas, como forma de apoiar mães e pais que precisam voltar ao trabalho, conforme a quarentena vem for sendo flexibilizada. Escolas municipais e particulares devem seguir orientações de retorno gradual.