O marido de Elton John, David Furnish, disse que, após assistir a Rocketman, a biografia musical do cantor e compositor, teve vontade de lhe dar um abraço. É mais ou menos a reação que o público vai ter ao assistir ao filme dirigido por Dexter Fletcher, que teve pré-estreia mundial fora de competição no Festival de Cannes e chega dia 30 aos cinemas brasileiros.
Rocketman mostra os altos e baixos da vida e da carreira de Elton John, vivido por Taron Egerton, tudo embalado por seus maiores hits, como Your Song, Tiny Dancer e Goodbye Yellow Brick Road. “Elton sempre foi muito claro de que não queria nada sendo suavizado”, contou Fletcher na coletiva de imprensa na manhã da sexta, 17. “Nunca disse: ‘Não fale disso’.”
O longa abre com Elton John, vestido com um de seus figurinos extravagantes de show, entrando numa sala de terapia e declarando-se viciado em álcool, cocaína, sexo e compras, além de sofrer de bulimia e problemas de controle de raiva. “Queríamos contar a história de um ser humano. Mesmo que Elton seja um ser humano extraordinário, continua tendo suas falhas e está longe da perfeição”, afirmou Egerton. O filme não esconde a homossexualidade do cantor, com cena de sexo entre ele e o empresário John Reid (Richard Madden).
Tudo bem diferente, portanto, de Bohemian Rhapsody, a produção vencedora de quatro Oscars que envernizou a vida de Freddie Mercury. A comparação é inevitável, não apenas porque os dois artistas são da mesma geração, mas também porque o diretor de Rocketman assumiu as últimas semanas de filmagem de Bohemian Rhapsody, quando Bryan Singer foi demitido. Egerton começou elogiando Rami Malek, que ganhou o Oscar por sua interpretação de Mercury. “É um dos melhores atores desta geração. Tenho muito orgulho de sermos mencionados junto com Bohemian Rhapsody.” Mas ele fez uma ressalva de que o filme sobre Freddie Mercury é uma cinebiografia, enquanto Rocketman é um musical biográfico. Isso significa que Rami Malek não tinha de cantar, e Egerton, sim. Além das apresentações no palco, há números musicais elaborados, com coreografias, e sem a profusão de cortes de Bohemian Rhapsody, em que os atores podem mostrar seu talento vocal. As músicas de Elton John são encaixadas não em ordem cronológica, mas de acordo com os sentimentos a serem passados pela cena.
Início de tudo
Depois de fazer uma abertura na clínica de reabilitação, o filme Rocketman, que estreia no Brasil no próximo dia 30, vai ao início de tudo: a infância de Reggie (o nome verdadeiro do músico é Reginald Kenneth Dwight) num bairro proletário de Londres, mostrando a relação distante com o próprio pai (Steven Mackintosh), de quem só pede um abraço, e recheada de críticas com a mãe (Bryce Dallas Howard).
Um pouco mais velho, Elton John entra na Royal Academy of Music e, em seguida, o filme já faz a transição para sua juventude, com Egerton no papel. Elton procura a gravadora DJM Records, e o dono, Dick James (Stephen Graham), o coloca em contato com Bernie Taupin (Jamie Bell), com quem Elton forma uma das parcerias mais duradouras da música para criar sucessos estrondosos. Pouco depois, acontece o lendário show no Troubadour, em Los Angeles, e o mundo passa a conhecer o inglês por quem poucos apostariam algo.
Egerton encontrou-se com Elton John antes de começar as filmagens. “Foi muito bom conhecê-lo sem pompa e circunstância”, disse o inglês de 29 anos. Foi um sonho para o ator, que cantou Your Song em seu teste para a exigente Royal Academy of Dramatic Art de Londres. Egerton chorou na coletiva ao se lembrar do momento. Foram dois dias intensos para ele: na noite anterior, ele foi às lágrimas ao final da sessão de gala. “Foi muito bom ver Elton John e Bernie Taupin emocionados”, disse.
Egerton assistiu ao filme com um olho na tela e outro na reação dos dois. “Vi como em alguns momentos eles pegavam um no outro, reagindo ao que viram. Eu não vou dizer exatamente o que o Elton John me falou ao fim da sessão, mas posso dizer com segurança que ele está muito feliz.” Bryce Dallas Howard lembrou que é uma rara ocasião em que os objetos da cinebiografia estão “vivos, bem, na ativa”. “Normalmente, eles já se foram quando o filme sai. Aqui não teve nada de perda, foi só celebração.”
O personagem perfeito para biógrafos fazerem a festa
A cena em que Elton John flutua quando coloca as mãos no piano, fazendo flutuar também a plateia do Troubador, só perde, no mundo das cinebiografias, para a sequência em que Ray Charles, menininho perdendo o que lhe resta da visão, sai pela sala de casa tentando pegar um grilo. Ele não vê mais, apenas ouve. Chama a mãe e a mãe olha, se segurando para não ajudá-lo desta vez e calando até o soluço no outro canto da sala, sem fazer um ruído para, enfim, deixar seu filho sozinho com o que a vida lhe reserva: a escuridão e o som.
Assim como Ray, Elton John tem elementos de sobra para biógrafos refestelarem-se. O último a fazê-lo foi Tom Doyle, um jornalista musical inglês com um bom texto e um trunfo nas mãos: as entrevistas que fez com o quase inacessível Elton John. Ler sua obra Captain Fantastic -A Espetacular Trajetória de Elton John nos anos 1970 (Benvirá) é saber um pouco mais do que outras já vasculharam. E em alguns casos, um pouco menos.
O biógrafo anterior foi David Bucley, outro jornalista inglês que lançou em 2011 Elton John, A Biografia. Alguns episódios são melhores em seu trabalho, como a passagem em que Elton decide demitir o baterista Nigel Olsson e o baixista Dee Murray. É isso não é pouco. Olsson voltaria para a banda anos depois e está lá até hoje. Murray morreu vítima de enfarte em 1992. Enquanto Doyle dribla esse momento dando uma balinha para o leitor, Bucley tem frases dos próprios envolvidos. “Pelo que li na imprensa, o motivo de nos ter dispensado é que ele queria seguir uma nova direção musical. E acho que ainda não conseguiu”, diz Olsson, mergulhado na mágoa que nunca deve passar.
Os dramas existenciais de Elton John alimentam os melhores episódios. Afinal, Elton era o avesso do avesso desde que usava o nome de batismo, Reginald Dwight. Gordinho, baixinho, de óculos e atrás de um piano. Qual seriam mesmo suas chances de liderar uma banda de rock como queria desde que se apresentava como integrante do Bluesology? E estamos falando dos anos 1970, quando a guitarra estava no front e a imagem dos heróis era definida por Robert Plant, Paul e Lennon, Roger Daltrey, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Mick Jagger e David Bowie. Quem colocaria suas fichas em Reginaldo?
Elton, então, pirou. Em crise de aceitação, ligou o gás do fogão e ajeitou sua cabeça confortavelmente sobre a almofada colocada dentro do forno. Mas Bernie Taupin, seu parceiro, chegou e riu tanto que a morte não teve clima para chegar naquela noite. Someone Saved My Life Tonight é sobre isso.