Por Dom Pedro Cipollini
Aproxima-se o Natal e nós entramos no tempo do Advento que na liturgia da Igreja católica convida à preparação para celebrar este evento, preparação por meio da oração principalmente. A modernidade autônoma e crítica, com seu secularismo tentou se desfazer do transcendente. A fé seria uma alienação (K. Marx), uma projeção abstrata e alienada do ser humano (Feuerbach) e até mesmo uma manifestação de doença psíquica (Freud). A mentalidade moderna, que supervaloriza a utilidade das coisas, se pergunta para que serve a fé, e a oração como uma de suas manifestações privilegiadas.
O sonho de uma emancipação total impele o ser humano a querer uma realidade em que a razão e o cientismo dominem soberanos, sem dar nenhum espaço ao simbólico e ao mistério. A emancipação da religião e, em última análise, e de Deus é o sonho que perpassa os processos de transformação da história recente a partir do Iluminismo e da Revolução Francesa. Deus se tornou descartável e assim neste tempo de “noite do mundo” (Heidegger), a indiferença para com a ideia de Deus e o niilismo em relação à ideia do Homem (paixão inútil, segundo Sartre), se tornariam como que virtudes a serem cultivadas.
A pós-modernidade, porém, reage aos excessos da razão e afirma a Transcendência, a presença de Deus, mesmo escorregando, às vezes, para o panteísmo, não sabendo distinguir as realidades de criador e criatura. As consciências bem orientadas percebem que, na perspectiva da fé, Deus se faz presente apesar do sofrimento do mundo. Ele está presente tanto nas coisas risíveis como nas dramáticas e tristes. E no silêncio de Deus está o espaço para o exercício difícil da liberdade da criatura humana e jamais o descaso ou a ausência Dele.
Faço a reflexão acima, a respeito dos inúmeros artigos que vejo estampados em revistas e jornais, referentes à fé relacionada à saúde. Cresce de fato a abordagem científica ao apontar os benefícios da fé para pacientes de diversas doenças. Vários médicos buscam comprovação científica para a relação entre espiritualidade e saúde. Seria um reencontro entre Deus e a medicina, uma das áreas da ciência onde mais se procurou separar o corpo do que se chamou “alma”, inexistente para vastas áreas de cientistas?
O fato é que um dos nomes mais famosos da medicina contemporânea, Kenneth Cooper, em seu livro É melhor acreditar, no qual trata da importância da fé para a saúde e a boa forma, afirma: “Hoje em dia, diversos pesquisadores comprovaram que o fato de manter a mente calma e equilibrada pela confiança num sólido sistema pessoal de crença, traz um efeito salutar para o corpo” (p. 53). A propósito do título do seu livro, Cooper afirma que o exercício físico é indispensável à saúde, mas é melhor ainda acreditar e recomenda a oração e meditação que ele mesmo diz praticar.
Há hoje sem dúvida uma sede do transcendente, uma busca da beleza, da harmonia, enfim, do sentido da vida. Busca-se uma experiência válida, não alienante e fundante de Deus. A verdadeira experiência de fé não aliena a pessoa, mas a integra nas suas dimensões pessoais, relacionamento com os outros e compromisso com a sociedade. Como expressão da fé religiosa, a oração não pode ser algo de mágico que faz Deus intervir em momentos precisos. A oração nos potencializa a ser doadores e receptores do mais profundo sentido da vida, um sentido de Deus que habita o mais íntimo do ser humano.
A verdadeira oração acorda em nós a consciência de querermos ser mais nós mesmos e capazes de servir aos outros. A oração nos faz agentes de vida e amor, e por isso tem força para conferir autenticidade à fé de uma pessoa; fé que é imprescindível para a realização plena, dado que a dimensão religiosa é inata no ser humano e precisa ser desenvolvida de alguma forma.
Pode-se dizer que muitas pessoas ficaram doentes por se envolver de forma distorcida com religião, mas hoje se vê também o reverso da medalha: a falta de religião, em muitas pessoas, produziu doenças psíquicas. A sanidade psíquica ajuda a “curar” a religião de suas doenças, mas se descobre hoje que a religião tem também força curativa.
Tudo isto pode parecer novidade, mas não é, já dizia o famoso personagem de Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas: “O que mais penso, testo e explico; todo o mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso, é que se carece principalmente de religião, para se desendoidecer, desendoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma…” E acrescente-se: também do corpo.
Rezemos ao Menino Jesus para que traga a bênção de um Ano Novo de paz. Feliz Natal a todos!