Um dos caminhos mais promissores para o tratamento do câncer utiliza o próprio sistema imunológico dos pacientes para destruir os tumores. Após sete anos da liberação das primeiras drogas no mundo, a imunoterapia inspira otimismo e avança nas clínicas, apesar do custo alto e da eficácia restrita.
De acordo com os especialistas, os tratamentos que utilizam drogas imunoterápicas já são aplicados rotineiramente nos consultórios. Cinco delas foram aprovadas no Brasil para diversos tipos de câncer, como melanoma, linfoma de Hodgkin e tumores de pulmão, bexiga, cabeça e pescoço.
A maior parte dessas terapias envolve os chamados “bloqueadores de checkpoint”. Basicamente, eles obstruem um receptor das células do sistema imunológico que é utilizado pelos tumores para se tornarem invisíveis às defesas do organismo.
“Há muito tempo se imaginava que o sistema imunológico poderia atacar o câncer, especialmente alguns tipos de tumores mais ‘visíveis’ para ele, como o melanoma e o câncer de rim. Mas os medicamentos que existiam para isso tinham eficácia muito baixa. O que mudou radicalmente a maneira como enxergamos a imunoterapia para o câncer foi o lançamento das primeiras drogas bloqueadoras”, explica o médico William William, diretor de Oncologia Clínica da Beneficência Portuguesa (BP), em São Paulo.
Um das ressalvas é que o método ainda se mostra eficaz só para cerca de 20% dos pacientes. “No entanto, tem uma enorme vantagem: quando funciona, os benefícios são de longo prazo – ao contrário do que ocorre com a quimioterapia – e os efeitos colaterais são bem menores”, explica William.
Segundo o médico Vladmir Cordeiro de Lima, do departamento de Oncologia Clínica do Hospital AC Camargo, em São Paulo, o baixo número de potenciais beneficiados não impede que a técnica seja considerada uma revolução. “De fato, temos um novo paradigma. Um dos grandes atrativos é que essas drogas têm funcionado bem para doenças metastáticas e já começam a ser aplicadas em fases mais precoces do tratamento.” Quando há retorno, a sobrevida dos pacientes pode triplicar.
Estratégia
Além da eficácia limitada, outro problema com as drogas imunoterápicas, segundo os especialistas, é o preço. Uma única caixa de pembrolizumab, por exemplo, que é um dos medicamentos aprovados no Brasil para melanoma em estágio avançado, custa cerca de R$ 18,8 mil. Um tratamento de um ano pode chegar a R$ 582 mil. Os pacientes que conseguem a cobertura desses medicamentos pelos planos de saúde são exceções e, para o oncologista Artur Katz, do Hospital Sírio Libanês, o preço não cairá. “Essas drogas são extraordinariamente caras no mundo todo, e esse é um problema global.”
Os caminhos para superar o problema do preço dos imunoterápicos – assim como as limitações da eficácia -, segundo Lima e William, passam pelo aprimoramento das estratégias para identificar os pacientes que mais se beneficiam das drogas imunoterápicas. “A relação custo-benefício melhora”, afirma William.
O AC Camargo, por exemplo, já tratou cerca de 400 pacientes com as novas drogas nos últimos sete anos e está terminando a instalação de um Centro de Imunoterapia, com cerca de 70 médicos de várias especialidades. O oncologista norte-americano Kenneth Gollob foi trazido em setembro especialmente para liderar o novo grupo. Ele conta que o centro adquiriu duas máquinas que chegarão ao Brasil em agosto e permitirão “direcionar os pacientes que mais terão benefício”.
Segundo Gollob, há várias razões para que alguns pacientes respondam à imunoterapia melhor. “A eficácia depende muito dos marcadores genéticos presentes no tumor. Outro fator é o grau de mutação. Por isso precisamos refinar o tratamento.”
Aval recente
Outro caminho para aumentar a eficácia é a combinação com a quimioterapia. Um avanço foi a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na segunda-feira, do uso combinado de imunoterapia e quimioterapia para tratamento de câncer de pulmão avançado. Em estudos clínicos, o uso combinado de inibidores de checkpoint e imunoterapia reduziu em 51% os risco de morte de pacientes e diminuiu em 48% a chance de progressão da doença.
De acordo com Roger Miyake, diretor médico da empresa farmacêutica Bristol-Myers Squibb (BMS), a combinação de tratamentos é uma tendência cada vez mais importante. “As drogas imunoterápicas que temos disponíveis podem ser combinadas com a quimioterapia, com a radioterapia e com a cirurgia, criando uma nova gama de abordagens.”
O oncologista Felipe Ades, do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que, além dos cinco medicamentos imunoterápicos já aprovados no Brasil, outros estão em vias de aprovação. “Há várias outras drogas a caminho, além de novos alvos moleculares para os medicamentos que já existem, o que aumentará sua abrangência.”
Agora ninguém diz que estou doente’, diz paciente tratada com imunoterapia
Os exames de imagem da aposentada Clio Matzenbacher, de 65 anos, há tempos não brilham – e isso é bom. As “fotografias” do corpo, sem pontos coloridos, indicam que o câncer “adormeceu”. E a aposentada, ao contrário da doença, está mais ativa do que nunca. As boas notícias vêm após uma sequência de complicações: foram cinco cirurgias e vários ciclos de quimioterapia e radioterapia contra um câncer de pele que começou há nove anos como uma mancha nas costas.
“Apareceu de uma hora para outra. Não dei muita bola, mas a mancha cresceu. Fiz a biópsia e, em menos de uma semana, fiquei sabendo que estava com melanoma (tipo agressivo de câncer de pele)”, lembra Clio. Ela passou por uma cirurgia, mas, cinco anos depois, os médicos descobriram uma alteração na axila. “Constataram que estava espalhando por vários órgãos.”
Depois de tratamentos que não surtiram efeito, Clio foi incluída, em outubro de 2015, em um estudo clínico de uma droga imunoterápica em uma unidade hospitalar da Beneficência Portuguesa, em São Paulo. O remédio vem surtindo efeito desde então – os exames para monitorar a doença em todo o corpo não constatam atividade do câncer. “70% está resolvido. Qualquer hora vou estar livre.”
Para Clio, além da chance de cura, a vantagem é ter de volta a qualidade de vida que perdeu com os tratamentos anteriores. “A quimioterapia te deixa para baixo, dá depressão, náusea. Agora, ninguém diz que estou doente. Em uma sexta fiz a aplicação (do imunoterápico) e no domingo participei de uma corrida”, diz ela, que vai de 14 em 14 dias ao hospital para receber o tratamento, que pode custar até R$ 30 mil por mês. No caso de Clio, a oferta foi incluída no plano de saúde sem custo extra.
Crônica
Quem vê a dentista Luciana Fiorin, de 43 anos, mergulhando e pedalando também não imagina que há poucos anos ela mal conseguia sair de casa. Para ela, a imunoterapia surgiu quando o desânimo quase batia à porta. “Tenho sede de vida muito grande. Quero fazer tudo e fazer logo.”
Luciana foi diagnosticada com um melanoma em 2012. Depois, os exames detectaram alterações em órgãos como fígado, ovário, baço e cérebro. Ela passou por químio e radioterapia e um tratamento agressivo que a impedia até de ter contato com a claridade. Quando o médico sugeriu o novo tratamento, ainda novo no Brasil, quis tentar.
“Se acontecesse de crescer um milímetro, sairia fora do programa. Foram dois anos de tensão. Mas tudo ficou estável e algumas metástases, inclusive cerebral, diminuíram”, diz ela. Mãe de três meninos, Luciana aproveita a saúde para acompanhar a rotina dos filhos, trabalhar e viajar. “Para mim, a cura já é essa. Poder levar o câncer igual a uma doença crônica.”