
O Conselho Municipal de Cultura é um órgão coletivo, composto pela participação do poder público e da sociedade civil, cujo objetivo é colaborar na elaboração e fiscalização da política cultural do governo municipal. Acontece que no ABC, a maior parte das ações desenvolvidas pelos conselhos acaba travada, em razão da falta de diálogo e transparência entre o governo e sociedade civil.
Em todas as cidades da região, a reclamação é praticamente a mesma: os textos de editais de projetos e ações são enviados sem que haja olhar criterioso por parte dos conselheiros; faltam cadeiras para determinadas áreas na Cultura, e são poucos os recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento de projetos. A esperança dos conselheiros é que, a partir de 2024, o cenário mude.
Em Santo André, Silvia Helena Passarelli, conselheira do CMPC (Conselho Municipal de Políticas Culturais) e representante da sociedade civil, comenta que a execução de ações depende de uma estrutura administrativa “frágil”, com poucos recursos humanos e financeiros. Há, inclusive, demanda antiga do movimento de cultura por garantir 1% do orçamento municipal para a gestão de projetos, mas estes recursos atualmente são destinados para obras e aquisição de novos equipamentos.
De acordo com Silvia, Santo André possui uma dívida, desde 2017, com o Fundo de Cultura – destinado a fomentar projetos dos fazedores de cultura na cidade, considerado outro desafio. “A Lei que criou o Fundo de Cultura estabelece que a Secretaria de Cultura deve destinar 5% do seu orçamento para o Fundo, o que somente em 2023 foi feito”, aponta. Para a conselheira, essa carência de recursos reflete diretamente nos serviços prestados à população. “Oficinas de cultura, cursos e funcionamento de espaços culturais não acontecem todos os meses do ano justamente em razão disso”, afirma.
Por se tratar de um cenário em que os recursos estão “no limite”, e existir pressão do governo federal para desenvolvimento de projetos, a conselheira comenta que muitas conversas não acontecem e/ou são atropeladas sem que haja acompanhamento do Conselho. “A exemplo da Conferência de Cultura que vai acontecer em Brasília, em 2024. Deveríamos fazer uma conferência local e descentralizada, mas tivemos que fazer muita pressão para que isso acontecesse e acabou que foi algo corrido e desorganizado”, diz ao ressaltar a necessidade de levar a cultura para os bairros.
Comunicação frágil
Em São Caetano, o conselheiro Rondinelly Lima aponta a necessidade de melhorar o diálogo entre o poder público e o Conselho, principalmente em questões referentes a editais publicados pela Prefeitura. Segundo Lima, foram quase 30 editais encaminhados este ano, e poucos tiveram textos revistados pelo conselho. “Entendemos a correria e a pressão para o envio destes editais, mas é importante que tenha algum membro do conselho na revisão. Já avançamos muito, mas há o que melhorar”, diz.
Rondinelly Lima também considera importante que sejam realizados ajustes no regimento interno, com a criação e atualização de cadeiras, a exemplo a de Circo. “São Caetano foi eleita a 2ª cidade do Estado que mais se consome circo, como não há uma cadeira para este setor dentro da Cultura?”, questiona o conselheiro. Segundo Lima, o município recebeu, recentemente, um espaço privado com aulas de circo, além de considerar os artistas circenses que já atuam na cidade. Este será um dos maiores desafios a ser levado a 2024.
Outra questão também citada pelo conselheiro é que mude o formato da eleição da presidência do Conselho de Cultura. Por se tratar de um órgão que atua na fiscalização das ações do poder público, Rondinelly não concorda que a presidência seja intercalada. “O formato atual de hoje é: um ano com um presidente da sociedade civil, e no outro ano alguém do poder público. Acontece que isso não faz sentido. Como vamos fiscalizar algo se o presidente faz parte da Prefeitura?”, questiona.
Sem audiência pública
Em Ribeirão Pires, a situação da falta de transparência e diálogo se repete. A presidente do conselho, Fernanda Lima, comenta que o principal desafio é a ausência do poder público na tomada de decisões. “O Conselho de Cultura, tanto a gestão anterior quanto a atual, não teve uma audiência pública, uma atividade ou demanda que tanto o prefeito anterior, quanto o atual, tenha participado”, afirma. Apesar disso, a conselheira exalta como o Conselho de Cultura do município se manteve parceiro do poder público.
Já em Diadema, a meta do conselheiro Luiz Rocha para 2024 é que também se possa aumentar o diálogo com as produções locais que visitam a cidade. Segundo Rocha, existe um canal de comunicação, mas que precisa ser supervisionado e aperfeiçoado. “Apesar desse canal existir, ainda é falho em algumas questões”, diz. Para o próximo ano, a meta é torná-lo mais rápido e eficaz, a fim de que as produções possam acontecer na cidade sem intercorrências. Outra meta é dar continuidade a projetos já iniciados, a exemplo os que pertencem à Lei Paulo Gustavo.
Prefeitura responde
Em nota enviada nesta segunda-feira (04/12), a Prefeitura de Santo André informa que a relação entre o poder público – Secretaria de Cultura – e a sociedade civil se dá por meio de diversas instâncias, sendo o Conselho Municipal de Políticas Culturais (CMPC) a principal para discussão de políticas culturais. Na esfera do CMPC, a administração diz que são debatidos assuntos macro relacionados às políticas culturais, como o Sistema e o Plano Municipal de Cultura, além de diretrizes para editais. Nos demais grupos, assuntos específicos de cada área.
Com relação aos recursos humanos da Secretaria de Cultura, a Prefeitura assume que houve, de fato, perda de quadros em decorrência da aposentadoria de funcionários, já apontado em 2015, ocasião da elaboração do Plano Municipal de Cultura. “A expectativa é de que estas posições sejam repostas com o concurso público que está com inscrições abertas atualmente, organizado pela Secretaria de Inovação e Administração”.
Sobre o 1% do orçamento municipal, a administração afirma que várias pastas realizam investimentos em ações de cultura, contratações de professores de artes ou investimentos em reforma de equipamentos que, por exemplo, não impactam no orçamento da Secretaria de Cultura. “O orçamento público possui várias ‘fontes’ de origem de recursos e o cálculo deve ser realizado proporcionalmente de acordo com as fontes consideradas no orçamento geral e no orçamento da Secretaria”, diz.
Além disso, a Prefeitura diz que o patamar de 1% esteve prejudicado, especialmente nos anos de 2020 e 2021 (Covid-19), no entanto ajustes foram realizados para o alcance de 1% do orçamento, considerados os recursos próprios da administração direta. “Isso foi apresentado na Audiência Pública que discutiu a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)”.
Já em relação a revisão do Plano Municipal de Cultura, a Prefeitura de Santo André informa que estava prevista para 2021 e, por deliberação do CMPC, considerando os impactos da pandemia, foi adiada para 2022. Posteriormente, para 2023 e, finalmente, para 2024 – “e que todos os adiamentos foram decididos a partir de deliberações do CMPC”. O tema é pauta do Conselho e a realização de uma Conferência Municipal de Cultura extraordinária para este fim está prevista para março de 2024.
As demais prefeituras citadas na reportagem não se manifestaram até o fechamento da reportagem.