ABC - segunda-feira , 13 de maio de 2024

Aurélio Michiles revela Cosme Alves Netto como defensor dos filmes

Antes mesmo de falar do próprio filme, Tudo por Amor ao Cinema, Aurélio Michiles, como pai coruja, fala do filho: “Ele está na seleção do Festival Latino de São Paulo. O André fez Através com dois amigos, Fábio Bardella e Diogo Martins. É um road movie que se passa em Cuba, um filme muito interessante que vê as mudanças da ilha pelo olhar de uma cubana.” E Aurélio adverte: “Não perca que vai valer a pena.” Agora é o repórter quem diz: não perca Tudo por Amor ao Cinema. Também vai valer (muito) a pena. O novo documentário de Aurélio Michiles centra-se na figura de Cosme Alves Netto (1937-1996).

O cinéfilo sabe, o cinéfilo conhece. Foi o diretor da Cinemateca do MAM, o Museu de Arte Moderna do Rio. Um grande agitador cultural. Com seu resgate da memória do cinema brasileiro e mundial, ajudou a fazer mais de uma geração de cinéfilos. Mas essa era apenas uma – a mais evidente – faceta da sua persona. “O Cosme fez a resistência ao regime militar. Teve ligação com a guerrilha e chegou a ser preso e torturado. E ele amava as mulheres tanto quanto foi amado por elas. Um dia, para a realização do documentário, reuni as mulheres do Cosme. Todas trouxeram seus álbuns de fotos e as histórias. Foi maravilhoso.”

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Aurélio Michiles dirigiu O Cineasta da Selva, um docudrama, mistura de documentário e ficção, que resgata o pioneiro Silvino Simões dos Santos. O que Michiles, Silvino Simões e Cosme Alves Netto têm em comum? O Amazonas. Silvino foi um português que, radicado no Brasil, e no Norte, deixou registros importantíssimos da selva. Michiles é amazonense, como Cosme. E, antes de se interessar por ele, já era um apaixonado por Cosme Ferreira Filho. Deputado constituinte, o pai de Cosme Alves Netto foi um pensador do Brasil, e da Amazônia. Numa época em que as elites só pensavam em tirar o máximo da cultura extrativista, ele, como empresário, já defendia que o futuro estava no controle ambiental e na transformação do extrativismo numa cultura industrial. Era um visionário. O filho, que trabalhou com ele, era louco por cinema.

Cosme já estava no MAM quando, em 1981, Michiles foi filmar uma tribo de índios que, no interior do Amazonas, fazia o que o pai do diretor da cinemateca do museu defendia. Os índios haviam elaborado uma forma de colher e processar o guaraná. E foi lá, no meio da selva, que Michiles ouviu, na Voz do Brasil, que Glauber Rocha havia morrido. Quase surtou. Os índios pensaram que ele havia perdido o pai – o pai do cinema brasileiro, como Eryk Rocha definiu Glauber na entrevista ao Estado. Nasceu ali, daquela angústia, a decisão de fazer um vídeo sobre Glauber. Uma carta de amor ao cineasta (e ao cinema). Cosme viu, e enviou uma mensagem a Michiles, saudando o nascimento de um cineasta amazonense. Quis conhecê-lo. Foi assim que começou a aproximação.

O filme nasceu de outra fonte – Rudá de Andrade, que morava em frente à casa de Michiles, em Higienópolis, e Thomas Farkas lhe cobravam que fizesse um filme sobre Cosme, morto em 1996. “Contavam-me histórias. Cosme guerreiro do cinema brasileiro, Cosme que fez a ponte entre Brasil e Cuba numa época em que os dois países não tinham relações oficiais.” Rudá e Thomas morreram antes que Michiles gravasse seus depoimentos, mas foram tão importantes que o diretor dedica seu filme a eles. Tudo por Amor ao Cinema tinha quatro horas, que Michiles reduziu a 97 minutos. Você vai conhecer um personagem raro. E os filmes que ele amava. Filmes díspares – O Encouraçado Potemkin, Cantando na Chuva, As Cantoras do Rádio. Cosme era da estirpe de Paulo Emílio Salles Gomes. Esses homens amavam o Brasil. E tudo o que fizeram foi por amor ao cinema. 

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