
O número de matrículas na EJA (Educação de Jovens e Adultos) caiu 53% no ABC no ano passado em comparação com 2020, segundo o Censo Escolar, divulgado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação. Há cidades onde a queda ficou em torno de 70%, como Ribeirão Pires e São Caetano. Para especialistas, há falta de interesse em manutenção das salas de aula para quem não concluiu os estudos. O fechamento de salas no período noturno, que vem sendo feito nas escolas do Estado, é um dos motivos apontados para redução de estudantes no EJA.
A REPU (Rede Escola Pública e Universidade), que reúne pesquisadores de universidades públicas e docentes do Estado, publicou uma nota técnica no ano passado que trata justamente da queda das matrículas da EJA no Estado. Na época, o estudo já apontava que entre 2020 e 2023 houve uma queda de 61,9% nas matrículas na modalidade de ensino.
Fernando Cassio, professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), membro da REPU e do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirma que a existência da EJA se dá porque o País tem uma dívida histórica com as gerações mais velhas, que não puderam ter acesso à educação na idade adequada.
Para Cassio, num país que tem uma população adulta muito grande com uma escolaridade baixa, inclusive analfabetismo, a existência desse serviço é uma necessidade já que a educação é um direito social. “Temos visto na última década queda de matrículas muito acentuadas nas redes municipais e estaduais e isso tem a ver, majoritariamente, com a falta de oferta, vários estudos com dados muito detalhados mostram isso”, diz .
Para o educador, a queda de matrículas tem a ver com o fechamento de salas, principalmente as do período noturno, já que muitos dos adultos que voltam a estudar dividem o tempo entre o trabalho e a escola. “Isso de deve ao fechamento de classes apostando que as pessoas vão estudar no bairro vizinho e as pessoas não vão porque é longe. Quando uma sala de EJA é fechada isso faz com que muitos não continuem a estudar e é um desestímulo à matrícula. A permanência em uma sala de EJA depende de ter oferta em uma escola perto da casa da pessoa”, analisa o professor da USP.
A educação à distância ou semipresencial é um outro fator de desestímulo ao EJA. Cassio diz que outro fenômeno que tem observado é a migração de uma EJA presencial para uma EJA semipresencial, que no Estado é feita nos Ceejas (Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos), no entanto a pesquisa mostrou que também as matrículas na semipresencial têm caído no Estado.
“Até porque tem uma outra forma que é a EAD (Educação à Distância) mesmo. A base de dados do INEP não considera essa modalidade e temos uma lacuna de informação”, diz Fernando Cassio.
Tempo integral tem estrangulado EJA
Outro fenômeno apontado na pesquisa da REPU é que o avanço da educação em tempo integral tem estrangulado a quantidade de classes da EJA. Enquanto no geral a perda de salas de aula para educação de jovens e adultos foi de 619,9% entre 2020 e 2023, segundo o estudo, o volume, nas escolas que aderiam ao PEI (Programa de Ensino Integral) a partir de 2020, a perda de matrículas na EJA atinge 84,5%. “Tem vários efeitos minando a educação de jovens e adultos, a escola de tempo integral é uma e tem significado a eliminação das classes de EJA nas unidades escolares”, completa o professor da USP.
Outro especialista em educação com experiência em gestão de redes municipais, André Stábile, também considera que há um problema com o fechamento de salas e que o deslocamento para escolas mais distantes afeta negativamente o volume de matrículas. Stábile é presidente e fundador do Instituto Educacionista, membro efetivo do Movimento pela Base Nacional Comum Curricular e ex-secretário de Educação de Mogi das Cruzes e de São Caetano, onde vivenciou o problema e apostou na descentralização das classes de EJA.

“Essa queda (de matrículas) é um reflexo que aparece de uma decisão política, porque não se tem prioridade nessa alfabetização ou escolarização necessária para os indivíduos que já avançaram na idade, pelo contrário, se acaba tendo uma espécie de aceitação disfarçada de que essas pessoas, em relação à vida, estão jogadas ao mar, não se importam com elas”, diz o educador.
Stábile considera que o fator deslocamento é decisivo para a continuidade do aluno no curso. Alguns programas, diz, não funcionam porque são centralizados numa região e o deslocamento para essas pessoas é muito desafiador pela mobilidade urbana e os custos de passagem. Deveria ter um entendimento por parte do poder público de que essa demanda deveria ser descentralizada, com mapeamento de onde estão os elegíveis para a EJA colocar salas de aula lá.
“Porque essas pessoas não têm condições de trabalhar, ir para local distante estudar até tarde e depois tentar voltar para casa. Quando fomos secretários e tivemos essa sensibilidade para atender direito essas pessoas tiramos os pontos centrais e criamos várias unidades distribuídas pela cidade para estar mais próximo da população que demanda”, afirma.
O ex-secretário de Educação de São Caetano, diz que o primeiro passo é mapear e aceitar que essas pessoas com lacunas na sua educação, ou mesmo analfabetas, existem. “Se aceita isso abre mais salas porque tem demanda. Senão a gente entra nesse ciclo vicioso de centralizar tudo, dizer que não tem procura, que não tem demanda, mas tem, se procurar os dados vai encontrar”, aposta.
Stábile diz que o mapeamento deve ser feito pela assistência social com apoio da Saúde. “Muitos não voltam aos bancos escolares por medo ou vergonha, acham que vão ser cobrados pois se atrasaram nos estudos. Essas pessoas então ficam dentro de casa e levam a vida de maneira precarizada. Foi isso que eu vi nas duas cidades. Em São Caetano foi mais rápido esse trabalho e depois se recebeu um reconhecimento por zerar o analfabetismo, mas ainda assim precisa monitorar o tempo todo para identificar se é isso mesmo, se não tem mais ninguém sem alfabetização ou com o currículo escolar incompleto”, finaliza Stábile.
Estado e prefeituras sustentam investimento na EJA
A Secuc-SP (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo) que atende alunos Ensino Fundamental II (do 5°ao 9° ano) e Ensino Médio, destaca iniciativas para atrair quem precisa concluir os estudos, porém não informa quantas das 31 salas de EJA no ABC são noturnas. Diz que a Secretaria trabalha para ampliar as modalidades de atendimento a jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos na idade regular.
A EJA está disponível em 31 escolas estaduais espalhadas por todo o ABC. As aulas ocorrem regularmente de segunda a sexta-feira, e a modalidade atende aos alunos nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e no ensino médio (1ª a 3ª série). “O formato de frequência flexível, oferecida no Ceeja de Ribeirão Pires, atrai aqueles que, devido à jornada de trabalho, não conseguem frequentar as aulas diárias. Essa modalidade favorece a conclusão dos estudos de forma adaptada à rotina do aluno. Formam-se novas turmas sempre que surgem demandas, assegurando que todos os interessados possam concluir seus estudos”, completa a nota do Estado.
Municípios
As cidades do ABC, cuja responsabilidade é de atender aos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental também garantem o atendimento, mas os números apresentados de 2024 e deste ano mostram redução de alunos matriculados.
Em Rio Grande da Serra foram 32 alunos atendidos no primeiro semestre de 2024 e 28 no segundo. Atualmente 33 alunos estão matriculados e há apenas uma turma no noturno, segundo a Prefeitura.
Ribeirão Pires também tem uma sala de aula de EJA no período noturno e o município informa que no ano passado 25 alunos iniciaram o curso EJA e só 19 concluíram o ano. Em nota cita parcerias na área de Educação para atender ao público que precisa completar os estudos, como a EJA Profissionalizante com o Sesi, destinada a jovens a partir de 15 anos (ensino fundamental) e adultos a partir de 18 anos (ensino médio), com cursos de almoxarife, assistente de RH, costureiro sob medida, operador de computador, entre outros. O curso é gratuito, com 80% das aulas a distância e 20% presenciais, e os certificados emitidos pelo Sesi e Senai.

A cidade também tem o Ceeja Valberto Fusari, no Centro Alto, com ensino supletivo gratuito para o ensino fundamental II e ensino médio, com horários flexíveis e cerca de 1.500 alunos por ano.
Em outra parceria com o Sesi, Ribeirão Pires mantém aulas de alfabetização infantil. O Programa de Alfabetização Responsável (PAR) inclui formação continuada para professores e gestores, com fornecimento de material didático pelo Sesi.
Levantamento de São Bernardo mostra a queda de matrículas. São 20 unidades escolares com EJA. No primeiro semestre de 2024, havia 2.283 estudantes matriculados ao fim do semestre, com 362 evadidos. Já no segundo semestre, as 20 unidades receberam 1.671 estudantes matriculados ao fim do semestre, com 243 evasões. Este ano, de acordo com o último levantamento realizado em março, havia 1.824 alunos matriculados, com 77 evasões. A cidade possui turmas da EJA nos três períodos; seis de manhã, seis à tarde e 74 turmas no período noturno.
Mapeamento
Ainda segundo a Prefeitura, agentes têm visitado as escolas para ouvir as equipes gestoras e mapear a escolaridade dos moradores. “No campo do estímulo à alfabetização foi encaminhado modelo de folder de divulgação, bem como sugestão de novas matrículas. Para o restante do semestre, estão planejados: encaminhamento de formulários (digitais e físicos) para serem respondidos por munícipes visando realizar um levantamento das escolaridades e mapear a demanda por esse atendimento; estabelecer parcerias de divulgação da EJA em equipamentos públicos, como a Fábrica de Cultura; e ações formativas com coordenadores e orientadores pedagógicos, bem como implementar atividades de busca ativa e de cuidado para garantir a permanência dos estudantes já matriculados”, diz o Paço.
Santo André é a cidade do ABC que mais tem salas de EJA. “Até o momento foram efetuadas 1.802 matrículas. A rede municipal ainda está em período de inscrições e não foi observada diminuição no número de matrículas. Em 2024, o número total desse período foi de 1.922 matrículas. Conta com 89 turmas em 2025, sendo nove turmas no período da manhã, quatro no período vespertino e 76 à noite”, diz a Prefeitura.
“O município fez a adesão ao Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação na EJA, um programa federal, que visa oferecer formação nacional para os professores da EJA e promover ações de divulgação com foco na busca ativa de alunos. O município oferece também a integração do ensino fundamental da EJA com a educação profissional: são cinco Emeiefs e cinco Centros Públicos de Formação Profissional, em que o ensino fundamental está integrado ao ensino profissionalizante (EJA FIC). E o município ainda conta com o programa MOVA (Movimento de Alfabetização), que visa a alfabetização de jovens a partir de 15 anos, adultos e idosos residentes em Santo André.
Mauá informa que aderiu ao programa federal Brasil Alfabetizado e está empenhada em abrir salas de aulas nas regiões que mais registram analfabetismo e montagem de um banco de reserva de alfabetizadores. “Regiões periféricas e vulneráveis registram os maiores indicadores de analfabetismo, inclusive em Mauá. A taxa de analfabetismo na cidade, entre pessoas com 15 anos ou mais, é de 3,26%. Comparando com a do Brasil e do Estado de São Paulo é de 7%, ou seja, Mauá está entre as menores taxas”, sustenta a Prefeitura em nota.
Na cidade de Mauá são 415 matrículas nos anos iniciais da EJA, 164 nos anos finais, num total de 579 alunos e alunas, em 2025. Em 2024, no segundo semestre, eram 42 salas. Sendo 22 salas, para os anos iniciais, e 20 para os anos finais, somando 459 alunos.
As prefeituras de Diadema e São Caetano não responderam.