
As religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, encontram dificuldades para a realização de certos rituais próprios em cemitérios do ABC. Diadema foi pioneira em atender a este público religioso e há 38 anos mantém o Ilê de Omolu e Iansã, junto ao Cemitério Municipal, mas recente decisão da administração restringiu o funcionamento e prejudicou o uso, pois os rituais são feitos à noite. Fechado para reforma há anos, o local foi reaberto em 2022. Apesar das dificuldades ainda é o único espaço em cemitério do ABC, aberto ao público e que atrai gente de várias localidades.
Sob alegação de corte de gastos com horas extras, a Prefeitura restringiu o uso do Ilê ao horário de funcionamento do cemitério que é das 8h às 17h. Cássio Lopes Ribeiro, o Pai Cássio, presidente da Fucabrad (Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Diadema), explica que a religião precisa do espaço nos cemitérios e à noite. “As pessoas têm de fazer o despacho e vai fazer se for na porta do cemitério ou dentro, ritualisticamente falando elas não podem voltar para casa com ele. A maioria desses rituais é noturna e isso é uma questão religiosa e temos necessidade para usar o local em horário específico”, detalha.
Ribeiro já tentou conversas com a Prefeitura, mas ainda sem resultado. “Eu conversei com o secretário de Meio Ambiente, Ricardo de Souza, e expliquei que antes o Ilê podia funcionar até de madrugada e que esse horário restrito não atende os praticantes. Estamos tentando sensibilizar. Eu não acredito que fizeram isso por conta de hora extra, eu acho que é má vontade mesmo. Se fosse para um pastor, eles arrumariam um jeito”, aponta.
Diálogo
O presidente da Fucabrad diz que vai buscar apoio no Consórcio Intermunicipal para viabilizar novos espaços nas demais cidades, como o Ilê de Diadema. “Vamos mostrar a importância da nossa religião; o ideal seria que outras cidades pudessem abrir espaços assim também, isso que queremos ver com os novos prefeitos, até porque o custo é baixíssimo. Espaços ecumênicos, para nós não funcionam, pois a nossa visão para com as outras religiões é de paz, mas enfrentamos muito preconceito, por isso um espaço específico é o ideal. Sempre é momento propício para diálogo, afinal os chefes do Executivo foram eleitos para governar para todos, sei que não vai ser fácil, porque os prefeitos não vão querer se afastar dos evangélicos, por exemplo”, completa Ribeiro.

Dote Mavulu-Ogi, que tem seu Ilê no bairro Assunção, em São Bernardo, também enxerga preconceito. Acredita que se fosse para outra religião, essa questão do espaço já tinha sido resolvida há muito tempo. Dote reclama do preconceito e o atribui à falta de informação sobre os rituais.
“No cemitério o espaço é, para nós, muito importante porque é ali que se faz o movimento de cura”, explica o religioso que também usa o Ilê do cemitério público em Diadema. “Assim como eu vem gente de várias cidades e o horário de funcionamento é importante porque até temos trabalhos que podem ser feitos de dia, mas não são a maioria, e também tem gente que tem sua atividade profissional e só está livre à noite”, explica.
Mavulu-Ogi admite que há pessoas que, por não encontrarem local adequado, acabam deixando despachos do lado de fora dos cemitérios ou tentam entrar mesmo quando estes estão fechados. “A gente não recomenda isso e eu prezo também pela integridade das pessoas, da nossa religião e da limpeza. Não se pode deixar sujeira na porta do cemitério ou em qualquer outro lugar”, aponta.
A Prefeitura de Diadema reforça que a redução do horário de funcionamento do cemitério segue a determinação de corte de horas extras e isso afetou todos os serviços exceto os de urgência e emergência. “A Prefeitura salienta que, em virtude da contenção de gastos do município, as horas extras de trabalho foram reduzidas em todos os setores, permanecem apenas os de serviços essenciais, urgência e emergência até que a situação dos cofres públicos seja normalizada”, diz, em nota. O local de cultos e oferendas, denominado “Ilê de Omolu e Iansã”, tem cerca de 100 m² e uma entrada exclusiva e independente pela rua Odete Amaral de Oliveira.
O vereador Josemundo Dario Queiroz, o Josa (PT), também pediu providências ao secretário de Meio Ambiente para a utilização de uma verba de R$ 300 mil, de emenda do deputado Federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT), para melhorias no Ilê do cemitério municipal. “Fizemos isso no dia 28 de fevereiro e eu acho que 30 dias já é tempo mais que suficiente para analisarem um projeto que está pronto. Mais do que isso, se não tivermos um posicionamento formal, vamos ver as medidas legais e começar a tratar isso como um ato de intolerância religiosa”, disse Josa ao RDTv.
Cidades
Santo André é a cidade da região com maior número de cemitérios públicos, mas nenhum deles oferece espaço para rituais de umbanda e candomblé. “São cinco cemitérios: Cemitério da Saudade, Cemitério Cristo Redentor, Cemitério Sagrado Coração de Jesus, Cemitério Nossa Senhora do Carmo e Cemitério Bom Jesus de Paranapiacaba. As necrópoles têm entre 50 a 100 anos de atividade, não dispõem de espaço de culto dedicado. O horário de funcionamento dos cemitérios é das 8h às 17h”, informa o paço andreense.
Mas Santo André dispõe de um local especial no Parque do Pedroso. “A Prefeitura de Santo André dedicou um espaço para o culto religioso, o Santuário Nacional de Umbanda, um espaço voltado ao culto religioso de matriz afro-brasileira e à recuperação e proteção do ecossistema local. A área foi anteriormente ocupada pela antiga Pedreira Montanhão, até sua desativação nos anos de 1970, restando uma paisagem em completo estado de degradação natural. Ao mesmo tempo, já era frequentada por praticantes de religiões como o Candomblé e a Umbanda para a realização de suas práticas religiosas junto às rochas e à natureza circundante. O reconhecimento de sua importância cultural e religiosa levou à idealização e criação do recinto, que conta com uma área de 640.462,50m² – cerca de 7,42% da área do Parque do Pedroso – e é mantido pela Federação Umbandista do ABC, sob direito real de uso concedido pelo Município de Santo André (Lei Ordinária Nº 9114/2008).
O santuário possui infraestrutura para visitação e práticas sagradas junto à natureza, contando com estacionamento, sistema de vigilância interna, lanchonete, floricultura, espaço de artigos religiosos, aluguel de tendas, entre outros. O santuário é considerado referência nacional e internacional para os seguidores da umbanda e candomblé, recebendo anualmente 150 mil visitantes de diversas cidades e estados brasileiros.
Em São Caetano são três cemitérios: da Saudade, das Lágrimas e São Caetano. Em todos eles há espaços voltados a cultos ecumênicos somente. “Nenhum voltado a uma religião específica, pois o espaço público é laico”, sustenta a administração que diz também que não há estudos para a criação de espaços voltados para qualquer religião específica.
Rio Grande da Serra dá sinal verde
Rio Grande da Serra tem um cemitério público mas sem espaço específico, porém a administração informa que está aberta para conversar com as comunidades religiosas para discutir e implementar estratégias que garantam o respeito e a liberdade religiosa. O cemitério funciona das 7 às 17h. “Qualquer solicitação de uso especial fora desses horários pode ser analisada mediante prévio agendamento junto à administração responsável. Atualmente, não há uma política específica estruturada para o atendimento exclusivo quaisquer crença ou religião. Entretanto, a gestão municipal reforça seu compromisso com a laicidade do Estado e a promoção da diversidade religiosa, estando à disposição para estabelecer canais de comunicação e atender às demandas dessas comunidades de forma respeitosa e inclusiva”, diz a prefeitura, em nota.
Ribeirão Pires assinala também com a possibilidade de criar um espaço, que não necessariamente teria lugar no cemitério municipal. “Buscando formatar uma política pública que atenda aos povos tradicionais de matrizes africanas e povos de terreiro, a Prefeitura de Ribeirão Pires, por meio da Secretaria de Assistência, Participação e Inclusão Social e a Coordenadoria de Promoção e Igualdade Racial, em conjunto com o Conselho Municipal de Igualdade Racial, fará o chamamento das lideranças para que sejam discutidos a implantação de espaço para atividades; a composição de federação ou comissão responsável e o horário de funcionamento. A Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial centraliza as demandas em busca de solução para situações como: racismo religioso, intolerância religiosa, atividades e eventos dos povos tradicionais (como Patacori Ogum), mapeamento dos Ilês no município, além da participação no Circuito Religioso da cidade, em parceria com a Secretaria de Turismo”, sustenta a administração municipal.
A prefeitura de Mauá não respondeu.