ABC - sexta-feira , 2 de maio de 2025

‘Não Se Cale’ alcança menos de 40% no ABC, mesmo em formato reduzido

Novo formato do curso foi uma tentativa do Governo do Estado em aumentar a adesão ao programa (Foto: Governo de SP)

Apesar da recente atualização no formato do curso de capacitação do protocolo “Não Se Cale” — que agora conta com carga horária reduzida e maior facilidade de entendimento — menos de 40% dos funcionários de bares, restaurantes e casas noturnas no ABC receberam a formação. A baixa adesão ao programa, ainda um desafio para a proteção de mulheres vítimas de violência, destaca a necessidade urgente de maior engajamento das entidades comerciais e empresários locais.

O novo formato do curso de capacitação, que visa tornar o conteúdo mais acessível e prático, foi uma tentativa do Governo do Estado em aumentar a adesão ao programa. Contudo, mesmo com a carga horária reduzida e o conteúdo mais direto, menos de 40% dos profissionais estão capacitados no ABC. Beto Moreira, presidente do SEHAL (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC), destaca que, embora o número de funcionários capacitados tenha aumentado desde o ano passado, quando a adesão era em torno de 10%, o impacto ainda é insuficiente.

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“A atualização do curso foi importante, mas a alta rotatividade nos estabelecimentos ainda é um grande obstáculo. A falta de conhecimento sobre como acessar o curso também é um problema”, explica Beto. Segundo o presidente da entidade, é fundamental que os empresários incentivem seus colaboradores a fazerem a capacitação, pois a segurança das mulheres no ambiente de lazer depende dessa preparação.

Valter Moura Júnior, presidente da Acisbec (Associação Comercial e Industrial de São Bernardo do Campo), também reforça que a adesão ao curso ainda é muito aquém do necessário. “Apesar da redução da carga horária e da simplificação do conteúdo, o programa continua sendo pouco divulgado e mal compreendido”, afirma ao defender que as políticas públicas precisam ser mais eficazes, e as entidades de classe devem pressionar para que o setor comercial se engaje de forma mais efetiva.

A Acisbec aponta que o programa, embora essencial, enfrenta dificuldades práticas, principalmente em locais onde o entretenimento e a paquera são comuns, como bares e casas noturnas. “O protocolo deve ser visto com mais seriedade, não apenas como uma medida política, mas como uma ação realmente voltada para a segurança e o respeito às mulheres”, acrescenta Júnior.

Camila Zechin Bastos, de 28 anos, comenta que até o ano retrasado frequentava bastante uma casa noturna tradicional em São Bernardo, mas após presenciar um episódio em que sua amiga foi molestada no local, não voltou mais. “Pelo menos uma vez por mês íamos lá pra tomar alguma coisa e assistir shows, mas neste dia uma amiga minha começou a ficar com um garoto e ele não soube a hora de parar. Como eu não estava por perto, ela reclamou a um funcionário de segurança da casa, mas nada aconteceu. Desde então, não voltamos mais”, relata.

Em entrevista ao RD, Camila conta que o caso não é isolado e que, ao pesquisar mais a fundo sobre o local, também soube de outras ocorrências parecidas no mesmo lugar, mas que nunca adotaram qualquer protocolo de proteção às mulheres no estabelecimento. “Esse curso deveria ser uma obrigatoriedade em todos os bares, e quem não adotasse ou não atendesse a população deveria ser punido de algum modo”, afirma.

Estratégias de proteção

A delegada titular da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Diadema, Renata Cruppi, em entrevista ao RD, reforça a importância de os estabelecimentos comerciais implementarem estratégias robustas para proteger as mulheres. “Não basta apenas fazer o curso. É fundamental que os locais criem um ambiente onde as mulheres se sintam seguras e possam pedir ajuda sem medo de se expor”, afirma.

A delegada destaca que a perspectiva de gênero deve ser aplicada em todas as estratégias de segurança, desde a identificação de situações de risco até a intervenção discreta para garantir a segurança da mulher sem expô-la ao agressor. “A capacitação é apenas o primeiro passo. O compromisso dos estabelecimentos com a segurança feminina precisa ser contínuo”, conclui Cruppi.

Panorama no Estado

Em nível estadual, o Governo de São Paulo já registrou mais de 8.100 funcionários capacitados no treinamento do protocolo “Não Se Cale”. Entre 10 e 16 de março de 2025, por exemplo, 580 participantes concluíram o curso e obtiveram o certificado. No entanto, no ABC, a adesão continua abaixo do esperado. Dados específicos da região ainda estão sendo fechados e, segundo o Estado, devem ser divulgados somente em abril.

De acordo com informações do Procon-SP, mais de 2 mil estabelecimentos em São Paulo foram orientados desde dezembro de 2023 até janeiro de 2025, com 236 sendo fiscalizados somente na Capital, no último mês de janeiro. No interior e no litoral, 1.736 fornecedores foram orientados, com 84 recebendo orientação em janeiro deste ano.

Maior efetividade

Apesar dos números promissores em algumas áreas, como a capacitação de mais de 8.100 funcionários, a falta de adesão no ABC aponta para um desafio persistente: a falta de divulgação e a resistência dos empresários em adotar o programa de forma ampla. Para a delegada Renata Cruppi, é fundamental que os órgãos responsáveis pela segurança e as entidades comerciais se unam para ampliar a divulgação do programa e conscientizar os empresários sobre a importância de uma maior capacitação.

Ela também sugere que os estabelecimentos criem seus próprios protocolos internos para reforçar a proteção às mulheres. “A implementação de um olhar atento e estratégico, com profissionais preparados, é a chave para garantir um ambiente seguro. A mulher precisa saber que, ao frequentar um local, ela está protegida e pode pedir ajuda se necessário, sem desconforto”, conclui.

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