
O descaso com a infância tem se agravado no ABC. Dados recentes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania revelam aumento expressivo nas denúncias de negligência contra crianças e adolescentes, com salto de 62,11% nas ocorrências registradas de 2023 para 2024. Para piorar, os primeiros meses de 2025 mantêm essa tendência alarmante, o que tem preocupado os conselhos tutelares e autoridades da região.
Os registros apontam que, somente em 2023, foram feitas 2.650 denúncias e 2.768 violações de direitos humanos entre os sete municípios do ABC no que se refere a negligência ao cuidado da criança.
No ano seguinte, os números saltaram para 4.296 denúncias e 4.546 violações. Já em 2025, mesmo com dados ainda parciais, já foram registradas 708 denúncias e 743 violações, o que indica que o problema está longe de ser resolvido.
Em entrevista ao RD, a advogada Shirley Van Der Zwaan, especialista em Direito da Família, Infância e Juventude, em Santo André, destaca que a responsabilidade dos pais é garantir os cuidados com os filhos até a maioridade. “Seja por meio da gestão ou da adoção, cabe a eles fornecer atenção contínua. Quando isso não ocorre, caracteriza-se a omissão”, explica.
Segundo a advogada, a negligência pode se manifestar de diversas formas, desde a evasão escolar e a falta de vacinação até a alimentação inadequada e a ausência de um acompanhamento adulto constante. “Independentemente da classe social, muitos pais delegam essa responsabilidade a terceiros, o que pode resultar em um cuidado insatisfatório”, alerta.
O problema, na visão de Shirley, não se restringe à omissão familiar, mas também reflete falhas nas políticas públicas. “Quando os serviços de proteção não acompanham a demanda crescente, o risco de acidentes, danos emocionais e problemas de saúde aumenta consideravelmente”, pontua. Casos extremos, como o de Henry Borel, que levou à criação da Lei Henry Borel, e os casos de Isabella Nardoni e Bernardo Boldrini, reforçam a urgência do tema.
Índices seguem em alta
A negligência infantil não é um problema isolado. De Mauá a Santo André, passando por São Bernardo, São Caetano, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, os índices de denúncias e violações seguem em alta. Na última semana, por exemplo, um caso registrado em São Bernardo ilustrou essa realidade. A Polícia Civil investigou o abandono de uma criança de apenas 2 anos em um imóvel destrancado na rua Padre Anchieta.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), a criança foi encontrada sozinha dentro da residência. Encaminhada à UPA Baeta Neves, recebeu atendimento médico, enquanto o Conselho Tutelar determinou seu acolhimento emergencial. O caso foi registrado como abandono de incapaz no 1º Distrito Policial da cidade, e os responsáveis ainda não foram identificados.
Entre 2023 e 2024, o município registrou alta de 53,7% nos registros de negligência do cuidado com a criança e o adolescente. Segundo os dados do Ministério da Cidadania, foram contabilizadas 831 denúncias em 2023 e outras 1.278 denúncias no ano passado, com pouco mais de 1,3 mil violações registradas.
Já em 2025, São Bernardo também lidera os registros de negligência, com 265 denúncias registradas até então, enquanto Santo André contabiliza 197, Diadema (111), Mauá (97), São Caetano (22), Ribeirão Pires (13) e Rio Grande da Serra (3).
Como identificar e denunciar?
A negligência infantil pode ser identificada por sinais, como desnutrição, falta de higiene, atrasos no desenvolvimento, machucados frequentes sem explicação convincente, comportamento retraído ou agressivo, ausência escolar constante e falta de cuidados médicos básicos. Professores, vizinhos, profissionais de saúde e familiares devem ficar atentos a esses indícios e agir rapidamente.
Os canais de denúncia são fundamentais para combater essa realidade. Casos podem ser reportados ao Disque 100, ao Conselho Tutelar da sua cidade, às Delegacias de Proteção à Infância e Juventude, a escolas e postos de saúde. A intervenção rápida, segundo Shirley, pode salvar uma vida e garantir que a infância seja vivida com dignidade e segurança. “A proteção infantil é uma responsabilidade coletiva”, afirma a advogada especializada em Direito da Família, Infância e Juventude.